Discurso no Senado Federal

DESDOBRAMENTOS DA DEMISSÃO DO DR. FRANCISCO GRAZIANO, PRESIDENTE DO INCRA, EM FACE DA ESCUTA TELEFONICA RELACIONADA COM O PROJETO SIVAM.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).:
  • DESDOBRAMENTOS DA DEMISSÃO DO DR. FRANCISCO GRAZIANO, PRESIDENTE DO INCRA, EM FACE DA ESCUTA TELEFONICA RELACIONADA COM O PROJETO SIVAM.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/1995 - Página 3915
Assunto
Outros > SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, APURAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, INTERCEPTAÇÃO, LIGAÇÃO, GRAVAÇÃO, DIALOGO, TELEFONE, JULIO CESAR GOMES DOS SANTOS, EMBAIXADOR, COMPROMETIMENTO, FRANCISCO GRAZIANO, EX PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), PROJETO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não sei se está encerrada, com a demissão do Dr. Francisco Graziano, a crise gerada pela escuta telefônica do assessor presidencial. Pode ser o encerramento ou não. Não sei que desdobramentos ainda poderá ter esse episódio, que poderia ter-se encerrado logo se o Governo tivesse tomado as prontas e enérgicas providências que o caso requeria. Infelizmente, preferiu-se, inicialmente, ocultar fatos, o que não deixa de ser grave, e contemporizar, em razão, talvez, de amizades pessoais, que não podem e não devem pesar nas razões de Estado. As razões de Estado têm que sobrepairar às pessoas.

O poder é cruel e tem que ser cruel. Ainda que o coração sangre, um chefe de Estado, um chefe de Governo tem que assinar atos de demissão e atos punitivos até dos seus amigos mais chegados.

Não importa indagar, fazer considerações sobre a pessoa do Dr. Francisco Graziano, a respeito de quem sempre tive as melhores informações. Mas ele errou - e errou gravemente - ao receber, por vias tortas, as fitas gravadas e levá-las ao Presidente da República - já nem levo em conta a hipótese pior, de ele ter sido o mentor das gravações, o que ainda não está esclarecido. Mas só o fato de tê-las obtido de um funcionário subalterno e as ter levado ao Presidente da República, para usá-las como arma contra um seu desafeto em Palácio, já é algo que, ao chegar ao conhecimento do Presidente da República, deveria ter sido tratado da maneira como a situação exigia. Creio que o Presidente também errou quando não perguntou ao Dr. Graziano todas as circunstâncias que cercavam a obtenção daquela fita. O Governo contentou-se, talvez, com a informação de que havia autorização judicial. Mesmo nesse caso, deveria perguntar e querer saber sobre todas - repito -, todas as circunstâncias. De onde partiu a ordem para a gravação? Era do conhecimento da cúpula da Polícia Federal? Havia sido comunicado ao Ministro da Justiça? Receber as fitas, mandá-las rodar sem querer informar-se minuciosamente sobre tudo isso? A meu ver, o Presidente, pode-se até dizer que foi de boa-fé, errou.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe já o aparte Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Prezado Senador Jefferson Péres, V. Exª tem razão quando diz que muitas vezes uma autoridade, no caso o Presidente da República, deve viver momentos de dilacerar a alma quando eventualmente demite um funcionário que preza muito, que lhe é leal. V. Exª mencionou que poderá ter sido o Sr. Francisco Graziano, ex-Presidente do INCRA, responsável por indicar a necessidade de se gravarem os telefonemas de seu desafeto. No entanto, é preciso ressaltar que isso não está comprovado. Francisco Graziano afirmou peremptoriamente que não é correta a versão de que teria solicitado tais gravações. Também não seria correta a versão segundo a qual a denúncia anônima teria partido dele. Ao contrário, Graziano asseverou que não teve participação em tais acontecimentos. Ele confirmou, no entanto, ser de sua responsabilidade o fato de que, uma vez tendo tomado conhecimento do relatório da Polícia Federal - nisso foi transparente -, que chegou às suas mãos por intermédio de seu chefe de gabinete, Paulo Chelotti, que tem relações com a Polícia Federal - é irmão do Diretor da Polícia Federal -, e desconhecendo providências tomadas sobre o caso, sentiu-se no dever de consciência e de lealdade para com o Presidente, em defesa do interesse público, de relatar e mostrar os fatos a Sua Excelência. Considero que o Sr. Francisco Graziano teve atitude digna ao tomar a iniciativa de se afastar de seu cargo e revelar como tudo aconteceu. Pelo menos até prova em contrário, teve um procedimento que me pareceu correto. Não obstante o fato de que tenho sido crítico em relação à maneira pela qual o Governo Fernando Henrique é lento na realização das suas metas de reforma agrária, é preciso registrar que nesses dois meses em que esteve à frente do INCRA, Francisco Graziano deu outro dinamismo à questão da reforma agrária. S. Sª, ao tomar posse como Presidente do INCRA, disse que a reforma agrária era uma obra inacabada - talvez a mais importante - de todos os governos. E passou a ter um diálogo com todos os segmentos que se estão preocupando com essa questão. Foi aos locais de conflito, como o Pontal do Paranapanema; foi ao Piauí na semana passada, iria hoje ao Pará. Estabeleceu diálogo diretos com os trabalhadores sem-terra, com os fazendeiros, proprietários de terras, com os chefes dos Executivos municipais e estaduais em cada lugar. Sem dúvida, pelo menos nos pareceu, estava dando um dinamismo que vinha sendo reconhecido por todas as partes. É possível até que os proprietários de terra, que ainda ontem manifestaram-se em Presidente Prudente, tenham tido preocupação no sentido de que acabasse logo o conflito. Assim se expressaram: "Queremos o fim do conflito sobre a terra". Isso, no entanto, não é questão que simplesmente se queira e se proclame; trata-se de uma questão de resolver. Nesse sentido, pareceu-me que Francisco Graziano estava até com autorização do Presidente para ir adiante nessa tarefa. Temo, Senador Jefferson Péres, reconhecendo a dignidade com que se portou o ex-Presidente do INCRA, que venha a ocorrer um retrocesso nessa área. Cada vez que ocorre um problema tal como esse, recordo-me sempre da atitude do Primeiro-Ministro da Alemanha, Willy Brandt, que se constituiu num caso exemplar. Explico: quando seu auxiliar foi flagrado realizando espionagem para o Governo da Alemanha Oriental, embora ele não soubesse dos fatos, disse o seguinte: "essa pessoa, meu assessor, funcionário sobre o qual eu tenho responsabilidade, estava fazendo isso sem meu conhecimento; por isso, renuncio ao meu mandato". Trata-se de um caso exemplar de renúncia de uma pessoa ao seu posto, ainda que diretamente não tivesse toda a responsabilidade. No entanto, assumiu a responsabilidade, porque uma pessoa que estava sob sua responsabilidade, uma pessoa da sua confiança cometeu algo que não poderia ter ocorrido. Com relação a esse caso, acho que não sabemos tudo que se passou ainda com o Ministro da Aeronáutica, com o Presidente do INCRA, mas é importante registrar a dignidade daqueles que renunciam aos seus mandatos diante das circunstâncias que espero venham a ser esclarecidas.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. No entanto, em nenhum momento afirmei que o Dr. Francisco Graziano é o mentor da gravação. Fiz a ressalva "mesmo na hipótese". Como salientei de início, tenho as melhores informações sobre o Dr. Francisco Graziano. Também lamento a sua demissão. S. Sª parecia o homem indicado a levar a cabo uma reforma agrária efetiva, para valer. É possível que o processo sofra um retardamento em conseqüência disso. Mas ao ponto em que chegou o episódio, a presença dele comprometia, constrangia a própria autoridade do Presidente da República. Portanto, ele tinha que ser exonerado, da mesma forma como foi exonerado o Ministro da Aeronáutica sem talvez ter culpa. Cometeu a imprudência - inegavelmente foi imprudência - de hospedar-se, de pernoitar na casa de um empresário que tinha negócios com o SIVAM, que tinha interesses na Pasta da Aeronáutica. Evidentemente ele foi imprudente. Todos os oficiais da Aeronáutica com os quais tive contato atestaram-me, avalizaram-me a probidade do Ministro Mauro Gandra. Mas, ao cometer - repito - aquela imprudência, S. Exª tinha que deixar o cargo. E o Presidente, se mantivesse o Dr. Francisco Graziano, que tinha errado também, estaria agindo com dois pesos e duas medidas em relação ao Ministro militar e com o seu amigo assessor.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permita-me V. Exª um aparte, nobre Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço o aparte do nobre Senador José Eduardo Dutra. Só lhe peço que seja breve, porque o tempo flui.

O Sr. José Eduardo Dutra - Serei breve nobre Senador. Concordo com V. Exª de que a posição do Dr. Francisco Graziano tornou-se insustentável, o que, aliás, lamento. Muitos gostaram. Não é à toa que, segundo a imprensa, a manifestação que estava acontecendo em Presidente Prudente acabou se transformando em comemoração pela queda do Dr. Francisco Graziano - acredito que dentro do Governo muitos também gostaram. O que quero ressaltar é que a questão do grampo tem tomado a cena da questão que, a meu ver, é a principal: se havia ou não tráfico de influência próximo ao Palácio do Planalto. Até agora o Senado não se entendeu sobre a nossa ação em relação a esse episódio. Os jornais de hoje estão divulgando divergências entre as Lideranças dos dois maiores Partidos desta Casa sobre as atribuições dessa supercomissão, ou seja, se vai investigar a questão do tráfico de influência, ou se se restringirá às questões técnicas do caso SIVAM, que demonstram uma certa lentidão do próprio Senado em tomar uma posição a respeito do assunto. Devo registrar que foi aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos, na semana passada, a oitiva do Embaixador e a do presidente da Líder, e até agora não fizemos nada. A Câmara dos Deputados, salvo engano, já ouviu, ou pelo menos estava previsto ouvir alguns deles. Não adianta, neste momento, reclamar que a Câmara foi mais ágil. Na medida em que o Senado não tenha a necessária agilidade, a outra Casa do Congresso Nacional acaba exercendo esse papel. Acho que devem ser esclarecidas as questões relativas ao grampo, mas o principal é se estava ou não havendo tráfico de influência próximo ao Palácio do Planalto. Essa pergunta ainda não está respondida. Muito obrigado.

O SR. JEFFERSON PÉRES - V. Exª se antecipou a mim, nobre Senador José Eduardo Dutra. Ia dizer que essa questão do grampo - que é grave - não deve, no entanto, nos afastar da questão principal, que é o tráfico de influência em torno do Projeto SIVAM e do contrato com a Raytheon. Concordo também que o Senado está sendo lento. Infelizmente, questões circunstanciais impediram-nos de sermos ágeis. V. Exª sabe que quem já deveria estar apurando essa questão seria a própria Comissão de Assuntos Econômicos. Mas, infelizmente, o fato de o Presidente da Comissão ter sido o Relator, que deu causa à toda essa celeuma, fizesse com que, no mínimo, esta Comissão, a CAE, apenas apurasse. Daí a criação da supercomissão, que se instala hoje para estabelecer os procedimentos.

Discordo frontalmente do PMDB, pois, segundo leio nos jornais, quer que a Comissão se atenha à parte técnica do SIVAM. A meu ver, a Comissão deve ser investigativa sim. Embora não tenha os poderes de uma CPI, ela pode investigar, apurar e, quem sabe, concluir pela necessidade de uma CPI. Nobre Senador José Eduardo Dutra, V. Exª pode estar certo que se a comissão verificar que há indícios de algo mais grave e que não pôde apurar, subscrevo, tranqüilamente - esse o meu compromisso - à convocação e à formação de uma CPI para apurar esses fatos que absolutamente não podem ficar sem um total e cabal esclarecimento.

A sociedade brasileira está exigindo isso e não será o PSDB - acredito -, muito menos eu, como Senador, que deixarei, não apenas de apoiar, de me empenhar a fundo para que a Nação tenha todos os esclarecimentos que deseja e aos quais tem todo o direito.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/1995 - Página 3915