Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DA PRESERVAÇÃO DOS AVANÇOS ALCANÇADOS NA PRODUÇÃO DE COMBUSTIVEIS LIQUIDOS, A PARTIR DA BIOMASSA (PROALCOOL).

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • NECESSIDADE DA PRESERVAÇÃO DOS AVANÇOS ALCANÇADOS NA PRODUÇÃO DE COMBUSTIVEIS LIQUIDOS, A PARTIR DA BIOMASSA (PROALCOOL).
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/1995 - Página 3397
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • DEFESA, IMPORTANCIA, TECNOLOGIA, PRODUÇÃO, COMBUSTIVEL, BIOMASSA, ECONOMIA, REGIÃO NORDESTE, BRASIL.
  • COMENTARIO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, MOTIVO, REDUÇÃO, PRODUÇÃO, PETROLEO.
  • NECESSIDADE, INCENTIVO, REATIVAÇÃO, PROGRAMA NACIONAL DO ALCOOL (PROALCOOL).
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PROGRAMA NACIONAL DO ALCOOL (PROALCOOL), ECONOMIA, AGRICULTURA, REGIÃO NORDESTE.

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, " O Brasil é o único país do mundo que desenvolveu e consolidou um programa alternativo de produção de combustíveis líquidos a partir da biomassa - Proálcool, com significativos resultados na geração de empregos e na qualidade ambiental dos grandes centros urbanos".

Esta afirmação consta da página 43 da proposta de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e corresponde, efetivamente, a uma verdade incontestável. A despeito de todos os desafios, incertezas e fragilidades, contribuímos com 57% do álcool produzido em todo o mundo. É uma quantidade estimada entre 12,6 e 13,1 bilhões de litros por ano que absorve 62% de toda a plantação de cana-de-açúcar, distribuída em 81% na região centro-sul e os restantes 19% nas regiões norte e nordeste. Como o álcool representa 16% de nossa matriz energética renovável, esse índice, associado ao uso da hidroeletricidade, projeta o Brasil como possuidor da matriz de energia mais limpa do universo. O álcool produzido no país provém de um investimento de 11 bilhões de dólares, tem um faturamento previsto na atual safra de 6 bilhões de dólares e produz uma receita setorial agregada de US$ 9 bilhões, ou seja 2% do PIB, sendo 7,3 bilhões no centro-sul e 1,7 bilhões no norte-nordeste. Isto equivale a dizer que se trata da principal renda agrícola dessas quatro regiões.

O aspecto econômico, no entanto, como assinala o texto de autoria do Presidente Fernando Henrique Cardoso não é o único nem o mais relevante. A ocupação fundiária da lavoura da cana-de-açúcar abrange 40 mil agricultores individuais não vinculados às indústrias e 346 agro-indústrias, espalhadas em quase todo o território nacional. Gera cerca de 1 milhão de empregos diretos e utiliza um total de quase 1,5 milhões de pessoas. Nas regiões mais desenvolvidas e submetidas a padrões mínimos de fiscalização, as relações formais de trabalho, representadas por contratos individuais e carteiras assinadas atinge 95% desse contingente e o piso salarial médio é de 1,35 vezes o salário-mínimo vigente. Isto revela dois aspectos sociais de enorme relevância. O primeiro, é que contribui para minorar o tradicional e histórico processo migratório para as cidades. E o segundo é que se trata de uma atividade intensiva de mão-de-obra, como por sinal reconhecem até mesmo os inimigos do Proálcool.

Ressalvadas essas características, que por si sós indicam tratar-se de uma atividade econômica, social e ecologicamente relevante, temos que reconhecer que esse formidável programa alternativo de energia, sem paralelo no mundo, está séria e gravemente ameaçado pelas distorções e problemas econômicos vividos pelo país, desde sua instituição na década de 70, quando o mundo inteiro, vitimado pela primeira crise mundial do petróleo, passou pela pior crise econômica desde 1929. A queda e a estabilização do preço internacional dos combustíveis fosseis, tiveram a virtude de provocar um amplo e ambicioso programa de economia de energia em todo o mundo. Mas tiveram também o grave defeito de fazer com que nos esquecêssemos do papel estratégico, sob o ponto de vista político e econômico, desempenhado pelo álcool-combustível. Dos 697 mil veículos vendidos no Brasil em 1986, chegamos à irrisória quantidade de 30 mil comercializados entre janeiro e setembro de 1995.

A divulgação do programa de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no entanto, representou uma expectativa e um alento para a necessidade nacional de preservação dos avanços brasileiros neste setor. Com efeito, entre as medidas setoriais na área da energia, encontram-se alinhadas providências efetivas que me permito transcrever e que são as seguintes:

Álcool combustível

* Definição de uma política de preços adequada à estabilização da economia e à consolidação do parque produtivo.

* Estímulo ao aumento da produtividade industrial e agrícola.

* Apoio industrial e financeiro à diversificação de produtos e de mercados, com a co-geração de energia elétrica e a utilização do álcool como aditivo "verde" e a exportação de equipamentos e tecnologia industrial e agrícola.

Outras biomassas

* Apoio ao desenvolvimento de programas de produção descentralizada de biocombustíveis, com o objetivo de reduzir os custos dos insumos energéticos, desenvolver oportunidades de investimentos privados em regiões desprovidas de suprimento elétrico, e gerar empregos qualificados na agricultura e agroindústria.

As medidas efetivas estão, segundo acredito, por se concretizar. É pelo menos o que posso deduzir do noticiário da semana anterior. Em declaração à revista Isto é, que em sua edição de 15 de novembro publicou reportagem sob o título "A revanche do Proálcool", a ministra da Indústria, do Comércio e do Turismo, Dorothéa Werneck afirmou enfaticamente que "existe o consenso sobre a necessidade de reforçar o Proálcool". Trata-se de decisão que, de acordo com declarações ao Correio Braziliense, do Coordenador da Comissão Interministerial do Álcool, Luis Milton Veloso da Costa, deverá ser tomada em reunião programada para hoje, 21 de novembro. São, segundo a mesma fonte, sete grupos específicos que avaliarão o programa, sob diferentes aspectos, examinando a política fiscal e de preços, as implicações ambientais, as necessidades de financiamento, o desenvolvimento tecnológico do setor, a desregulamentação, a regionalização e os rumos e diretrizes governamentais. A decisão final, a ser submetida ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, envolve por sua vez sete ministros de Estado. São os titulares das pastas da Fazenda, do Planejamento, da Indústria e do Comércio , das Minas e Energia, do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia e da Agricultura.

Não tenho dúvidas, Sr. Presidente, de que é um desafio complexo que exigirá a implementação de medidas que conflitam sem dúvida com a escassez de recursos de investimento e de financiamento do governo e que, por outro lado, têm implicações no esforço de combate à inflação e de diminuição do déficit público, estimado para este ano em 5,8 bilhões de dólares.

O que não podemos perder de vista, no entanto, é a relevância econômica, a importância social, a significação estratégica e a repercussão do programa, quer sob o ponto de vista tecnológico, quer sob o ponto de vista ambiental. A indústria sucro-alcooleira do Nordeste, que passa por um processo dramático de ajustamento e perda de importância relativa na economia regional depende fundamentalmente dessas decisões para não agravar ainda mais um quadro que é de penúria e que já ocasionou, só em Alagoas, a perda de mais de 80 mil empregos diretos e o fechamento de pelo menos 5 usinas. Essa conjuntura ocorre num Estado cujos índices de desempenho econômico e de deterioração social são bem conhecidos em todo o país. O texto da proposta de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso não deixa dúvidas, quando assinala, em relação à infra-estrutura e à integração nacional, exatamente o seguinte:

Apesar do intensivo crescimento econômico que o Brasil teve entre 1950 e 1980, e das políticas especiais adotadas por muitos governos, as disparidades regionais assumem, ainda hoje, proporções gigantescas.

O nordeste abriga 29% da população e participa com apenas 13% do PIB. Em 1990, seu produto per capita representava 46% do nacional e apenas 33% do relativo à região Sudeste. Os dados disponíveis sobre educação denunciam as desigualdades de oportunidades que prevalecem nas regiões. As taxas de analfabetismo nas regiões Sul e Sudeste, em 1990, era de 11%, enquanto no Nordeste era de 36% e no Centro-Oeste, 17%.

No que diz respeito ao emprego, e particularmente no setor rural, a situação, ainda nas palavras do Presidente, não é menos grave:

Os dados relativos ao emprego em 1990 indicam que a atividade ocupava, no Brasil, 14,2 milhões de pessoas e, desse total, 5,7 milhões, cerca de 40%, não recebiam qualquer rendimento ou recebiam até 1/2 salário-mínimo por mês. No Nordeste, o quadro é ainda mais dramático. Com uma população rural em idade ativa - dez anos ou mais - de cerca de 13 milhões de habitantes, 6,3 milhões estavam empregados na atividade agrícola e, desses quase 46% - mais de 2,9 milhões de trabalhadores - não tinham rendimento algum ou recebiam menos de 1/2 salário mínimo por mês.

"Disparidade gigantesca" e "quadro dramático" são as expressões empregadas e não são retóricas. Traduzem uma situação de fato que tende a se agravar, se a principal ocupação na área rural não receber a atenção e o amparo necessários que, no caso do Proálcool, têm inegável expressão nacional. É conveniente lembrar que um investimento acumulado de cerca de 11 bilhões de dólares permitiu uma economia de divisas que, a preços constantes, representava, em dezembro de 1994, nada menos de 27 bilhões de dólares. Em 30 de março deste ano, em expediente submetido ao Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, o Comitê Nacional dos Produtores de Açúcar e Álcool preconizava cinco medidas básicas que, no entender dos produtores, importariam na adoção de uma diretriz política para o setor. Por serem providências objetivas, permito-me transcrevê-las, em sua eloqüente simplicidade:

1. Valorizar a frota atual de carros a álcool, através de medidas como financiamento específico e redução do IPVA nas operações de compra e venda de carros usados movidos a álcool;

2. Manter a atual relação de preços álcool-gasolina;

3. Estabelecimento de "nichos" especiais de mercado para a entrada de novos carros a álcool no mercado, tais como frotas de governo e empresas estatais, de empresas de energia, de empresas de grande porte e de táxis. Dessa forma, estaria sendo explicitado e valorizado o diferencial qualitativo dos veículos movidos a combustíveis renováveis, tais como o álcool, para a melhoria da vida urbana e do meio ambiente. Tal ação permitirá que o carro a álcool participe das vendas anuais de veículos de forma equilibrada;

4. Manter e expandir, ano a ano, a presença do competitivo açúcar brasileiro na pauta de exportações, pelo fato de que, com a retomada do desenvolvimento mundial, haverá crescimento da demanda de açúcar no mercado internacional. Essas exportações guardariam proporção com as importações de metanol e etanol nos anos em que o balanço de oferta e demanda mostrar essa necessidade.

5. Proporcionar justa política de preços e mecanismos modernos de financiamento ao álcool, em face de suas características específicas. Nessa linha, considera-se essencial a criação de um diferencial para o álcool em relação à gasolina, na forma de imposto seletivo a ser implantado como instrumento de política energética.

Muito embora as medidas em estudo pelo governo sejam mais amplas, esse elenco de providências demonstra a disposição dos produtores de continuar contribuindo para a manutenção do programa e, o que é mais importante, de participar de sua necessária e indispensável ampliação. Temos que considerar que nesses quase vinte anos, o desenvolvimento tecnológico permitiu reduzir os custos numa escala de 4% ao ano na região centro-sul e de 2% na região norte-nordeste, o que indica um enorme esforço em relação aos ganhos de produtividade. Por outro lado, a não utilização de cerca de 50% do potencial energético da cana-de-açúcar é, também, um forte indicativo das possibilidades de oferta de outros tipos de energia, notadamente a elétrica, a partir da queima do bagaço já testada em vários países do mundo, inclusive aqui no Brasil. No que diz respeito ao impacto na oferta de emprego no setor agrícola, convém lembrar que o custo é de 11 mil dólares de investimento por emprego gerado, em comparação, por exemplo, com os 91 mil exigidos pela indústria automobilística e os 220 mil em setores como a petroquímica.

É claro que a crise econômico-financeira que se abateu sobre o setor, a partir de 1986, pelas razões já sobejamente conhecidas, reduziu sensivelmente o processo de melhoria de eficiência que vinha sendo posto em prática. Nestas condições, temos que reconhecer que os produtores não têm condições de participar, imediatamente, de uma economia de mercado em processo de acelerada liberalização. Daí carecerem de um período de adaptação e de recuperação de perdas, até que voltem a ganhar competitividade. Os ganhos sociais e as possibilidades econômicas, porém, são como espero ter ressaltado, efetivamente incomensuráveis, se houver uma política consistentemente elaborada e sistematicamente seguida. o que o Programa do Álcool necessita, Sr. Presidente, mais do que incentivos ou isenções, é a firme determinação de se executar uma diretriz de caráter permanente, que não esteja sujeita às permanentes oscilações e intempéries da instabilidade econômica, parece que agora superada em caráter permanente.

Os compromissos internacionais decorrentes dos danos causados ao meio-ambiente, tendem a se tornar cada vez mais recorrentes em todo o mundo. Não apenas em razão das pressões da opinião pública cada vez mais mobilizada, mas sobretudo em decorrência das evidências científicas que apontam para o caráter irreversível dos prejuízos causados em todo o mundo pelo uso indiscriminado dos combustíveis fosseis. No período que antecedeu a realização da ECO 92, no Rio de Janeiro, o Conselho da União Européia chegou a propor a implantação do imposto ecológico, que deveria incidir sobre os volumes de consumo dos combustíveis nos países desenvolvidos. Uma iniciativa que, embora acolhida pelos países-membros, só não logrou aprovação por que foi condicionada a que o Japão e os Estados Unidos aceitassem o mesmo princípio. Trata-se, portanto, de uma possibilidade que, mais cedo ou mais tarde, terá que ser adotada em escala mundial, se os países em desenvolvimento lograrem alterar a ultrapassada representação do poder mundial em organizações como a ONU, em que o Brasil está fortemente empenhado.

Recentemente esteve no Brasil uma missão mista americana que incluía os governadores dos Estados de Nebraska e de Wisconsin, interessados em conhecer as possibilidades de implantação de um programa alternativo de energia, já que o uso do álcool é, na atualidade, a única possibilidade, viável a curto prazo, para diminuir as emissões poluentes de uma frota de veículos que não para de crescer em todo o mundo. Uma tendência que apenas segue a manifestação de outros países que, como a China, o Japão, a Índia e os integrantes da União Européia, buscam o mesmo caminho.

Espero, Srªs e Srs. Senadores, que todas estas considerações estejam sendo levadas em conta na reunião programada para hoje da Comissão Interministerial do Álcool. Não se trata de beneficiar, proteger e amparar um setor vital para a economia agrícola do Nordeste. Trata-se de definir uma política que é do interesse nacional e que tem efetivas possibilidades de constituir uma alternativa materializável a curto prazo, para o grave desafio do desemprego estrutural que é a tendência irreversível dos processos de globalização da economia e de aumento inusitado da competitividade em todo o mundo. Faço um apelo aos Ministros que devem definir a viabilidade das iniciativas a serem propostas, para que encarem o problema em toda a sua complexa extensão e em toda as suas múltiplas repercussões a que aludi. A Câmara dos Deputados, através de sua Comissão de Economia, já tomou a iniciativa de ouvir os setores interessados e avaliar as alternativas aplicáveis. Espero que, no Senado, possamos acompanhar, de forma permanente, não apenas as conclusões da Comissão Interministerial que cuida do assunto, mas sobretudo a efetivação das propostas que exigem vontade política, decisão administrativa e acompanhamento sistemático por parte do Executivo.

Estou certo de que preservar o Proálcool, viabilizar sua expansão, permitir sua consolidação e ampliar suas perspectivas é um serviço ao país e uma conquista a mais para os brasileiros, especialmente os da área rural, tão carentes de oportunidades de emprego, quanto de esperança de vida e sobrevivência.

Era o que tinha a dizer,

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/1995 - Página 3397