Discurso no Senado Federal

PROLIFERAÇÃO DE MUNICIPIOS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVISÃO TERRITORIAL.:
  • PROLIFERAÇÃO DE MUNICIPIOS.
Aparteantes
Ademir Andrade, Antonio Carlos Magalhães, Jefferson Peres, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DCN2 de 06/09/1995 - Página 15457
Assunto
Outros > DIVISÃO TERRITORIAL.
Indexação
  • CRITICA, AUMENTO, EMANCIPAÇÃO POLITICA, CRIAÇÃO, MUNICIPIOS, NECESSIDADE, MELHORIA, LEGISLAÇÃO, CRITERIOS, EXECUÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, REGIÃO METROPOLITANA, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a publicação do Anuário Estatístico do Brasil, que o IBGE acaba de lançar, e a Carta do IBGE, Ano I, nº 4, de julho do ano 1995, trouxeram essas duas publicações a debate, que posteriormente se expandiu através da imprensa brasileira, sobre a questão da proliferação de municípios no Brasil.

Temos assistido, nos diferentes Estados brasileiros, a uma febre ou a um surto emancipacionista. A Constituição Federal, no seu art. 18, § 4º, dispõe que:

      § 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios preservarão a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, far-se-ão por lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em lei complementar estadual, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas."

Portanto, cabe aos Estados, nos termos da Constituição Federal, estabelecer os parâmetros, as exigências quanto à arrecadação de tributos, quanto ao número de domicílios existentes naquele distrito que pretende se emancipar, quanto à sua capacidade econômica e assim por diante.

Segundo o Anuário Estatístico do IBGE e a Carta do IBGE, no ano passado, o Brasil tinha 4.974 municípios, criados e instalados; em 1990, eram 4.491. Esse aumento do número de municípios, em apenas quatro anos, supera os 315 criados entre 1940 e 1950 e os 22 que surgiram entre 1970 e 1980, aproximando-se dos 517 dos 10 anos seguintes. A continuar nesse ritmo, pode até mesmo ultrapassar a maior concentração de novos municípios, que aconteceu de 1950 a 1970; mais 2.063.

A Constituição brasileira dá competência aos Estados para legislar sobre a criação de municípios no âmbito de seus territórios. Cada unidade da Federação estabelece critérios próprios para a criação de novas unidades político-administrativas. A grande maioria indica o IBGE em suas Constituições como o órgão competente para levantar informações populacionais, a partir dos dados demográficos do último censo e da área a ser abrangida, que inclui o centro urbano.

Somente este ano, já foram analisados 300 processos. Com as informações solicitadas, voltam para as Assembléias Legislativas, que decidem pela realização de um plebiscito para referendar ou não a criação do município.

Para se ter uma idéia, além dos 231 criados e não instalados, existem tramitando nas Assembléias Legislativas mais de 600 pedidos de criação de novas unidades. Com raras exceções, previstas em lei, o município criado e não instalado aguarda as próximas eleições municipais, com a posse do seu primeiro prefeito, para surgir efetivamente como mais uma cidade brasileira.

É de se perguntar se essa febre, se esse surto de criação de novos municípios é bom; se isso interessa ao País; se realmente contempla o interesse público. Inclusive essas comunidades muitas vezes têm um grande desejo de se emancipar na expectativa de que essa mudança acarrete benefícios e melhoramentos para aquele distrito que se transforma em município, a fim de que possa progredir e, portanto, melhorar as condições de vida da comunidade.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador Lúcio Alcântara, V. Exª traz a debate um problema que não tem sido devidamente examinado. A criação de município, reconhece, politicamente é uma aspiração, mas nem sempre se cuida do problema econômico-financeiro. Então, a idéia, muito dominante das Assembléias Legislativas, é a da criação de novas unidades autônomas. Mas pergunta-se: em que condições serão autônomas? Quais os recursos de que realmente disporão? Qual a base econômica para o desenvolvimento do município? Se não se atentar nisso, vai ocorrer - o que já se tem verificado - a multiplicação de novos municípios extremamente pobres e em condições de não garantir a sua subsistência; então, viverão à porta do Governo estadual e das organizações federais à busca de recursos. Como os Estados e a União também estão alegando que não dispõem de recursos, ficam todos uns pobretões, uns apelando para os outros, e o desenvolvimento que se quer não se realiza.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª tem toda a razão, porque a autonomia política dessas localidades passa a ser uma mera ficção.

Costumo dizer sobre essas pequenas comunidades que, às vezes, até conseguem a emancipação, porque todo o dinheiro que existe é suficiente para pagar o prefeito, o vice-prefeito, os vereadores, comprar um carro e colocar gasolina para ir para à capital atrás do Governador, que, por sua vez, tem que pegar um avião para vir para Brasília, porque todos sabemos das dificuldades que os Estados estão atravessando.

Então, isso é uma ficção, é uma farsa. Precisamos acabar com isso e ter a coragem de enfrentar a "farra" da criação de novos municípios.

O que existe é uma suboligarquia distrital que quer empalmar algum tipo de poder, uma fração mínima que seja de poder. Às vezes, são apenas os familiares: um é prefeito, outro é presidente da Câmara e o outro é vice-prefeito. Cria-se uma burocracia que, na verdade, não produz nada para o município; a autonomia é uma mera ficção.

É justo, como disse o Senador Josaphat Marinho, que certas comunidades aspirem à emancipação. Todavia, esse processo deve estar lastreado em um mínimo de capacidade econômica, de autonomia financeira que permita que aquela localidade seja tratada como ente federativo, tal como a Constituição trata os municípios brasileiros.

Se já existem muitos municípios paupérrimos, em grandes dificuldades, como podemos admitir que os continuem criando? Essa é uma situação que requer da nossa parte atenção especial.

O jornal Estado de Minas, do dia 24 de agosto, trouxe um editorial que fala sobre as fraudes cometidas para que sejam criados novos municípios. Conheço um caso, no Ceará, meu Estado, que é curioso. Em um distrito, um particular residente na capital, mas filho daquele distrito, resolveu, para que fosse atendido o número mínimo de edificações necessárias a que o distrito fosse transformado em município, construir, com seus próprios recursos, casas, edificações. Assim, seria atingido o perfil mínimo de domicílio, prédios, requerido para que o distrito pleiteasse a autonomia política. Evidentemente, trata-se de uma burla, uma farsa com a qual não podemos compactuar.

Graças a Deus, no Ceará, tanto o Governador Tasso Jereissati quanto o ex-Governador Ciro Gomes têm sido muito rigorosos em relação a essa legislação, e não tem prosperado essa iniciativa. Mas há muitos políticos que, de maneira até desleal para com suas comunidades, traficando possíveis apoios e expedientes semelhantes, estimulam essas pequenas comunidades paupérrimas, que nada ganhariam a não ser pequenas sobras municipais; iam nutrir-se econômica e financeiramente das minguadíssimas verbas do município.

O Sr. Ademir Andrade - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o Senador Ademir Andrade. Em seguida, o Senador Jefferson Péres e, com todo prazer, o Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Ademir Andrade - Senador Lúcio Alcântara, concordo com V. Exª: entendo que todos deveríamos ter essa preocupação. Mas creio que o grande mal não é em si a emancipação do município. Isso, de qualquer forma, responsabiliza pessoas próximas do poder e faz com que se dediquem a resolver problemas da comunidade; isso descentraliza o poder, o que, a meu ver, é positivo. O grande problema é o salário dos políticos. Esse é, de fato, o grande problema. Ao se criar um novo município, há um novo prefeito, um novo vice-prefeito, uma nova câmara de vereadores, um grande número de secretários. E o que ganham os vereadores nesses municípios é um absurdo. Em grande parte dessas pequenos localidades, só a câmara de vereadores consome 20% do orçamento municipal. Nos países europeus, por exemplo, existem municípios muito menores do que esses que se pretendem emancipar, contra os quais nos estamos posicionando. Mas lá os vereadores, assim como o próprio prefeito, não têm salário. São pessoas da comunidade, que têm sua própria profissão, seu próprio trabalho e semanalmente se reúnem, com poder, para discutir as questões coletivas. Mas não ganham para isso. No Brasil, infelizmente chegamos a essa situação - repito - em que os salários dos vereadores consomem 20% de todo o orçamento municipal. Portanto, o grande mal não é a emancipação, em si, mas o salário dos políticos que normalmente trabalham para que ocorram. A emancipação, por si, na maioria dos casos não deixa de ser positiva.

O SR. LUCIO ALCÂNTARA - Concordo em parte com isso.

O Sr. Ademir Andrade - Acrescento apenas que o Poder Executivo tem manifestado permanentemente a idéia de mandar um projeto para esta Casa sobre essa matéria. Há uma lei complementar que dispõe sobre esse tema. Trata-se de uma lei interessante, que contém as condições que um distrito deve atingir para que seja emancipado: número de habitações, número de eleitores, renda da cidade.

O SR. LUCIO ALCÂNTARA - Mas é estadual, nobre Senador.

O Sr. Ademir Andrade - Não; é lei complementar federal. Salvo engano, é a Lei nº 1. Ela existe e determina as condições para criação de municípios. É a Lei Complementar nº 1 - repito -, que contém as condições, tais como número de habitantes, renda, número eleitores, uma série de condicionantes. Só que há muitas facilidades. Por exemplo, de acordo com a lei, 200 residências, casas de alvenarias, já seriam suficientes para satisfazer esse requisito. Isso precisa ser mudado. O Executivo tem-se manifestado desde o início deste ano - o próprio Presidente da República - no sentido de mandar a esta Casa lei sobre a matéria, mas até agora não tomou essa providência. Todos devemos levar essa questão a sério. Gostaríamos de ter a iniciativa do Poder Executivo, para fazermos nossa avaliação e mudarmos essa situação.

O SR. LUCIO ALCÂNTARA - Senador Ademir Andrade, concordo em parte com V. Exª. Sou grande defensor da descentralização: acho que barateia o serviço, a comunidade fica mais próxima, fiscaliza melhor, cobra melhor. Mas não posso concordar com certas emancipações, as quais chamo "ficções políticas", até porque, muitas vezes, inviabilizam o município-mãe e o município-filho. Ficam os dois sem condições de exercitar um mínimo de poder municipal.

Discordando de V. Exª, li no início do meu discurso o art. 18 da Constituição Federal, § 4º, que delega essa competência aos Estados. São os Estados que fixam os requisitos mínimos para a criação de novos municípios.

Ocorre - e aí V. Exª tem razão - que o Governo Federal está anunciando que mandará proposta de emenda constitucional para alterar, não sei em que termos, esses dispositivos que hoje delegam aos Estados essa competência.

O Sr. Ademir Andrade - Apenas para esclarecer, Senador: o Estado é que deveria fazer isso. A Constituição de 1988 assim estabeleceu. No entanto, a maioria dos Estados brasileiros não regulamentou ainda esse dispositivo. No meu Estado, por exemplo, continua prevalecendo a Lei Complementar nº 1, que se baseia, para a criação de municípios, no mesmo critério de uma lei que vem de há muito tempo.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Nesse caso, o Estado não legislou sobre isso, mas no caso do Ceará - e imagino que em outros Estados -, existem leis estaduais que estabelecem esses parâmetros.

O problema não é só desses pequenos municípios. Lembro-me de que, por ocasião da Constituinte, estava-se tentando criar o município da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro - faço a referência em homenagem a um dos seus moradores mais ilustres, o Senador Ney Suassuna. O então Constituinte Deputado Dornelles, preocupado com essa possibilidade, fez emenda - está no parágrafo que acabei de citar - que estabeleceu que o desmembramento e a fusão deverão preservar a continuidade e a unidade histórico-cultural do meio urbano. Há os que querem transformar bairros em municípios, querem dividir cidades, na tentativa de estabelecer condomínios de poder dentro de uma cidade que tem unidade cultural histórica. O que precisamos cobrar do Governo da União, do Governo Federal, é melhor legislação para as administrações metropolitanas. Lidamos mal com essas conurbações de cidades, com as regiões metropolitana; até regredimos, já tratamos isso melhor no Brasil. São regiões metropolitanas em que os municípios se juntam, há uma certa coordenação de esforços administrativos, de políticas públicas, municipais que melhoram a condição daquela comunidade como um todo. Não podemos esfacelar cidades para tentar criar municípios, pequenos feudos, divididos entre si apenas por uma rua, ou por uma avenida, como se isso pudesse, de alguma maneira, contribuir para melhorar a condição de vida dessas populações.

É preciso cobrar uma política para regiões metropolitanas no Brasil, inclusive legislação que melhor defina responsabilidades e atribuições das autoridades nessa área.

O Sr. Jefferson Péres - Permite V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o nobre Senador Jefferson Peres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª tem inteira razão no que tange à excessiva proliferação de municípios. A realidade mostra que os recursos de Fundo de Participação estão sendo pulverizados, em total desvirtuamento da sua finalidade, que seria dar capacidade de investimento aos municípios do País. A Constituição de 1988 foi uma "constituição-mãe" para com os municípios, no que tange ao aumento de repasses federais. No entanto, a multiplicação desses pequenos municípios, sem condições para ganhar autonomia, apenas prejudicou grandemente os municípios dos quais foram desmembrados e retiram recursos. E, como V. Exª acentuou, utilizam todo o dinheiro do Fundo de Participação, que dependem do repasse do ICMS dos Estados e do FPM, exclusivamente por que não têm receita própria para pagar vereadores, prefeitos e vice-prefeitos. Em tese, até concordaria com o Senador Ademir Andrade quando S. Exª fala em não remunerar os vereadores desses pequenos municípios, mas isso é impraticável.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Seria voltar aos homens bons, como se falava na linguagem colonial.

O Sr. Jefferson Péres - Seria até um retrocesso, porque, afinal de contas, a remuneração parlamentar foi uma das grandes reivindicações do movimento cartista. Lembro-me que na Revisão Constitucional, quando o atual Ministro Nelson Jobim, então Relator, propôs a gratuidade dos mandatos dos pequenos municípios, S. Exª quase foi agredido fisicamente numa reunião de vereadores aqui em Brasília. O lobby é tamanho que, na verdade, é inviável se pensar em incluir tal matéria na Constituição. Assim, acredito que a solução, ilustre Senador Lúcio Alcântara, será a própria Constituição Federal estabelecer, mediante uma emenda, critérios mais rígidos que impeçam essa proliferação cancerosa de municípios.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, nobre Senador Jefferson Péres.

Aproveitando o aparte de V. Exª, gostaria de lembrar uma publicação de artigo do Jornal do Brasil de segunda-feira, 4 de setembro: Política e Governo. Aqui está dito que é verdade que mesmo havendo o desmembramento do município, se esse tiver menos de 10 mil habitantes, elem passam a receber um valor único, tenha o município 5 mil, 2 mil, 3 mil, 4 mil ou 7 mil habitantes. Realmente, isso corrobora com o que V. Exª disse sobre a pulverização do Fundo de Participação, que é um instrumento de redistribuição dos tributos, porque o Município e o Estado, muitas vezes, não têm capacidade de cobrar esse tributo, e ele é redistribuído. Agora, é preciso um mínimo de capacidade financeira para ser município; sem isso, não se pode admitir autonomia política, porque ela não corresponderá a uma realidade econômica.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Concedo um aparte ao nobre Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Senador Lúcio Alcântara, queria louvar o discurso de V. Exª e só lamentar que ele, infelizmente, tenha sido pronunciado na sessão de hoje, pois trata-se de discurso tão importante que deveria ser feito numa sessão em que houvesse maior movimento no Senado, dada a relevância do tema que V. Exª trata. Talvez, para os municípios brasileiros, nada mais importante do que esse assunto. Tive a coragem de, no meu último governo na Bahia, não permitir que se criasse um município sequer, inclusive enfrentando até correligionários meus na Assembléia Legislativa.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Incompreensões de toda ordem.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Incompreensões de todos os tipos, porque, nesse ponto, a Assembléia quase que se reunia, no sentido de criar municípios para que cada um viesse a obter as vantagens nas vésperas das eleições. Mas eu consegui que nenhum fosse sequer votado na Assembléia. Acho que procedi não só com a minha consciência, mas, sobretudo, com o interesse público do meu Estado e do próprio País. Mas nós teremos que, agora, urgentemente, fazer isso no Congresso Nacional: não permitir que haja qualquer brecha. Há, sem dúvida, casos excepcionais, sobretudo nos municípios maiores, em que isso talvez seja indispensável. Mas nos Estados onde for dispensável, é um crime a criação de municípios. Já há inclusive um pensamento, creio que do Governo Federal, de que, se o município for criado, o Fundo de Participação - que é um dos motivos de criação de municípios -, seja descontado apenas do município onde ele será criado. Isso vai diminuir muito a fúria de criação de municípios e o interesse político de criá-los. Mas, seja como for, acho urgente que esse tema seja resolvido, se possível ainda este ano, antes das eleições municipais do ano próximo. É um dever do Congresso Nacional, é um dever do Poder Executivo, imediatamente, cuidar disso com os Líderes no Congresso, com os de todos os partidos, independente de cor partidária; isso é um assunto de interesse público nacional. De modo que queria felicitar V. Exª pela justeza do tema, pela colocação de suas palavras e lamentar somente isso: que este discurso, se não vier a ter o eco necessário, deverá tê-lo de qualquer outra maneira, porque é um tema fundamental para o próprio País.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Agradeço a intervenção de V. Exª, Senador Antonio Carlos Magalhães, porque mostra que V. Exª é um homem que tem realmente o espírito público como acondicionante maior de sua atuação na vida política. É muito difícil. Não são muitos os exemplos, mas citei aqui os que conheço de perto, como os dos Governadores Tasso e Ciro Gomes, que sofreram esses mesmos constrangimentos que V. Exª sofreu, inclusive de correligionários. Afinal de contas é simpática a idéia de se dar emancipação àqueles distritos, de transformá-los em municípios, de aparecer como "pai" de um novo município, mas isso realmente não consulta o interesse público. Temos que ter coragem de tomar decisões como essa. A criação de um município não pode ser regra, tem que ser exceção - como V. Exª bem disse. Grande área territorial ou uma localidade que sofreu um excepcional surto de desenvolvimento, por razões de ordem econômica, de infra-estrutura ou qualquer que seja que se justifique, tudo bem. Além do mais, o município-mãe não tem como se defender, porque a consulta é feita apenas no distrito que pretende emancipar-se, e aí a situação fica mais complexa.

(O Sr. Presidente Júlio Campos faz soar a campainha.)

Consulto V. Exª se ainda tenho tempo para ouvir os Senadores Ney Suassuna e Guilherme Palmeira.

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - V. Exª já ultrapassou seu tempo em 4 minutos e ainda há 13 oradores inscritos, todos presentes na Casa.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Sr. Presidente, e se cada um dos nobres Senadores quiser dar um aparte breve? Também o Senador Antonio Carlos Magalhães - como muitos de nós - acredita que essa matéria requer uma mobilização imediata de nossa parte.

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - Um minuto para cada um.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Lúcio Alcântara, ouso discordar de V. Exªs, porque, quanto mais perto estiver a administração, melhor será para o povo, desde haja critério para fazer a divisão do Fundo, sem que o País seja lesado, sem que se tire de outros senão os da divisão. Gostaria de lembrar que Los Angeles tem 40 municípios; Miami tem 18 municípios; Lisboa tem 8 municípios. Portanto, cada vez que se divide e o prefeito fica mais próximo, tanto melhor, porque melhor será a cobrança. É impossível alguém administrar uma cidade de dez milhões de habitantes, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro ou a de São Paulo, onde o prefeito é mais do que um governador, mas muito mais do que é o governador de todos os outros Estados. Então, não se trata de proibir o município, mas de criar critérios que não lesem a República. Poderia ser colocado dessa forma, até porque essa é a regra do mundo todo. Só que no Brasil acontecem exceções. Onde se não há condições é que se faz. Faz-se porque o Fundo de Participação é um atrativo. Então, concordo com o Senador Antonio Carlos Magalhães no caso de mudarmos a regra do Fundo, mas dentro de critérios que venham trazer o contribuinte para mais próximo do seu administrador, ou melhor, o administrador mais próximo do seu contribuinte. Dessa forma, teríamos mais desenvolvimento, porque teríamos, com certeza, mais fiscalização.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Concedo o aparte ao Senador Guilherme Palmeira, para concluir, rapidamente, o meu pronunciamento.

O Sr. Guilherme Palmeira - Agradeço a V. Exª por me conceder essa oportunidade, pois é quase uníssona a opinião de todos. Há necessidade de critérios mais rígidos na criação de municípios; tais critérios são importantes em determinadas ocasiões e em determinadas circunstâncias, sob pena de desmoralizar todo o municipalismo, que quase todos nós defendemos.

Estamos marchando para a desmoralização do municipalismo. Como queremos descentralizar a administração se os municípios são frágeis e incompetentes? Portanto, há necessidade de que a Constituição Federal ou a Lei Complementar seja revista - como colocaram o Senador Ademir Andrade e outros colegas - de tal maneira que os municípios possam ser criados, ajudem na descentralização, mas que seja um trabalho racional e dentro de critérios sérios e rígidos. Quero parabenizar também V. Exª pelo oportunismo do tema.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Guilherme Palmeira.

Gostaria de concluir, mas não sem antes manter a minha discordância com o pronunciamento do Senador Ney Suassuna. O que devemos exigir das administrações municipais é a eficiência, o atendimento as suas populações. É evidente que populações abandonadas nos distritos são presas fáceis desse canto de sereia, de uma emancipação que também não leva a nada. O que é preciso é a descentralização administrativa nas grandes cidades, é a administração metropolitana nas grandes regiões; do contrário, vamos ver apenas municípios que são ficções políticas, ou seja, que não podem exercer o seu papel porque não têm arrecadação própria, não têm receita própria. Tudo o que recebem é do Fundo de Participação dos Municípios.

Há uma leniência nacional com a criação de novos municípios. Temos que ser muito mais rigorosos nisso. Devemos enfrentar essa questão como um problema importante para o País a fim de que não se perpetue esse quadro. Há alguns anos, num congresso de Procuradores Municipais, ouvi de um grande tributarista, Gilberto de Ulhôa Canto, sobre a penúria dos municípios, dos Estados e da União, o que voltou a ser um tema atual. O município se queixa do Estado, o Estado queixa-se da União e a União queixava-se do FMI. O FMI saiu de moda, e eu não sei de quem a União vai se queixar agora.

De forma que temos que enfrentar essa questão, o Senado é o fórum próprio para isso.

Agradeço a tolerância da Presidência e os apartes dos Senadores, os quais enriqueceram meu discurso.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 06/09/1995 - Página 15457