Discurso no Senado Federal

ANALISE DA DISPUTA PRESIDENCIAL NAS ELEIÇÕES DE 1994. DEBATE SOBRE AS REFORMAS CONSTITUCIONAIS DO GOVERNO. OPORTUNIDADE PARA OS PARTIDOS QUE DÃO SUSTENTAÇÃO AO GOVERNO REPENSAREM SUAS POSIÇÕES.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • ANALISE DA DISPUTA PRESIDENCIAL NAS ELEIÇÕES DE 1994. DEBATE SOBRE AS REFORMAS CONSTITUCIONAIS DO GOVERNO. OPORTUNIDADE PARA OS PARTIDOS QUE DÃO SUSTENTAÇÃO AO GOVERNO REPENSAREM SUAS POSIÇÕES.
Aparteantes
Ney Suassuna, Ronaldo Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/1995 - Página 3942
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, ELEIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SIMULTANEIDADE, ACORDO, POLITICO, CONGRESSO NACIONAL, PARTIDO POLITICO, APOIO, GOVERNO.
  • NECESSIDADE, MELHORIA, DIALOGO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARTIDO POLITICO, APOIO, GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL, RESULTADO, DIVERGENCIA, EFEITO, ADIAMENTO, VOTAÇÃO, APRECIAÇÃO, MATERIA, FUNDO SOCIAL DE EMERGENCIA, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a disputa eleitoral para a Presidência da República, em 1994, polarizou-se, desde cedo, entre Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, acentuando-se uma forte tendência majoritária, nas pesquisas de opinião pública, em favor do candidato da coligação PSDB-PFL, na medida em que o sucesso do Plano Real, uma feliz iniciativa do então Presidente Itamar Franco, sob os auspícios de Fernando Henrique Cardoso, empolgava as nossas populações urbanas e rurais. Repetia-se, nas urnas de 1994, o mesmo fenômeno eleitoral de 1986, quando o Presidente José Sarney, no auge de sua popularidade, face ao êxito do Plano Cruzado, comandou a grande vitória do PMDB que, na época, elegeu 22 dos 23 governadores e a maioria absoluta do Senado e da Câmara dos Deputados.

Muito mais do que o discurso reformista de Fernando Henrique Cardoso, o que lhe deu a vitória foi o Plano Real. É bem verdade que o candidato, durante a campanha, se comprometeu a consolidar o Plano Real, através de reformas estruturais de caráter econômico, social e político. Entretanto, os candidatos de vários partidos, notadamente os do PMDB e do PDS, marcaram boa presença na campanha eleitoral, sobretudo nos programas de rádio e de televisão.

Naturalmente, ao radicalizar-se a eleição em torno dos dois principais candidatos, grande parte dos eleitores de Quércia e de Amin aderiu ao chamado voto útil, favorecendo, principalmente, Fernando Henrique Cardoso, que, embora candidato da aliança PSDB-PFL, foi eleito no primeiro turno graças aos votos de fortes contingentes do PMDB e do PDS e de outros partidos menores, mas, sobretudo do PMDB, partido do qual se originou o PSDB durante a Constituinte de 1987/88, em face de divergências estaduais irreconciliáveis, particularmente em São Paulo, em Minas Gerais, no Paraná e na Bahia.

Empossado na Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso logo sentiu a necessidade imperiosa de garantir maioria parlamentar no Congresso com os votos do PMDB, do PTB e do PL e de outros partidos na Câmara e no Senado, somados aos do PSDB e do PFL, seus aliados formais de campanha, já que o que perseguia era uma maioria ampla, que desse sustentação confortável às suas propostas de reforma, inclusive constitucionais, que precisariam de um apoio de 3/5 das duas Casas, em separado, ou em dois turnos, para serem aprovadas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não foi difícil ao Presidente Fernando Henrique Cardoso atingir o seu objetivo. Convidados a dialogar, os principais partidos entenderam o seu apelo, sem lhe exigir contrapartidas, embora Sua Excelência tenha recrutado alguns de seus integrantes para compor o seu Ministério.

Houve, porém, um ponto que, talvez, lamentavelmente, não tenha sido preestabelecido, e que nos leva, hoje, a um conflito, quase permanente entre o Presidente e os partidos que o apóiam, no Congresso Nacional. Refiro-me à discussão prévia com os partidos que formam a base parlamentar do Governo, a nível interno, das linhas gerais das políticas públicas e, bem assim, das principais propostas de reforma constitucional ou legislativa - complementar ou ordinária - a serem encaminhados ao Congresso Nacional.

Se esse procedimento tivesse sido acertado entre o Presidente e os partidos que o apóiam, dificilmente estaríamos assistindo, hoje, às conhecidas divergências, particularmente, no âmbito das reformas constitucionais, que levam Ministros de Estado a censurarem deputados e senadores, sobretudo os relatores, que eventualmente assumem posições contrárias as do Governo, mais por razões técnicas do que políticas, em importantes matérias em tramitação no Congresso Nacional.

Foram os casos, por exemplo, da reforma administrativa, na sua fase preliminar de admissibilidade, da prorrogação do Fundo Social de Emergência e da Reforma Previdenciária. E quem sabe, amanhã, da Reforma Tributária. Porque não se debateu, antecipadamente, com os partidos, sobretudo seus aspectos mais controvertidos que, por isso mesmo, poderiam gerar posições muitas vezes incontornáveis?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda está em tempo de se aprofundar o exame do mérito dessas reformas, no âmbito da Câmara dos Deputados, através, pelo menos, das lideranças partidárias, aí incluídas as do Senado, para evitar que, amanhã, cheguem a esta Casa decisões que deverão ser inapelavelmente revistas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta é uma forma de contribuir para um diálogo de alto nível entre o Senhor Presidente da República e os partidos que constituem a base de sustentação parlamentar do Governo e, por que não dizer, o Congresso Nacional.

O que não se deve é expor o Senhor Presidente da República no constante noticiário sobre possíveis retaliações, que, nem de longe, se coadunam com a sua formação de homem público.

Na minha longa vida parlamentar, atuando sempre muito mais na oposição do que no Governo, inclusive na oposição ao regime militar, durante vinte anos passei por algumas experiências, inclusive no Governo Sarney, quando, no decorrer da Assembléia Nacional Constituinte, cogitava-se diminuir o mandato de seis anos do então Presidente da República. Dezenas de senadores e deputados que integravam as bancadas de apoio ao Governo, sobretudo do PMDB, que tinha quatro dos seus filiados no Ministério, opunham-se, tenazmente, às teses do Palácio do Planalto, sem que tal atitude merecesse qualquer discriminação de natureza político-partidária.

Em suma, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nessa ampla base interpartidária de apoio ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, é indispensável que as agremiações políticas que a integram definam o balizamento dos seus compromissos, sem esquecer de reivindicarem - repito - um prévio debate em torno das políticas de Governo e, especialmente, das principais proposições a serem apreciadas pelo Congresso Nacional, pois o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, que já foi Senador dos mais atuantes nesta Casa, sabe que não há, e nem pode haver apoio incondicional de senadores e deputados e, muito menos, de partidos políticos ao seu Governo.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª, nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senador Humberto Lucena, ouço com muita satisfação as observações de V. Exª. Realmente, é preciso que os partidos políticos saibam onde chegar e o que querem. Quase sempre, o que temos visto é a surpresa e uma base muitas vezes mal-informada das matérias que estão sendo votadas. Mais do que isso, não sabe sequer o que será discutido. Tal situação deve-se à falta de comunicação ou de convivência política necessária. Creio mesmo, Senador, que está faltando coordenação política ao Palácio do Planalto, porque são tantos os desacertos, medidas provisórias que saem na madrugada. As informações são contraditórias. V. Exª coloca o dedo na chaga. É preciso que os partidos digam o que querem, se definam e haja uma sintonia maior da Presidência com as bases que a apóiam.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Senador Humberto Lucena, lamento ter que interromper o discurso brilhante que V. Exª faz. Mas na esteira do aparte do Senador Ney Suassuna devo dizer que, quando V. Exª invoca a sua experiência de uma longa vida parlamentar, que muito nos orgulha, pelo seu espírito público, pela defesa intransigente das causas que abraça e defende, o nobre Senador traz uma contribuição à classe política como um todo, aos partidos que dão sustentação política e às posições do Presidente nesta Casa.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - V. Exª traz essa experiência para advertir e até lembrar da oportunidade indispensável, neste momento, de um diálogo mais amplo do Governo com as bases de sustentação. Isso para que não sejamos surpreendidos com algumas medidas e possamos dar também a nossa colaboração no sentido da formulação dessas políticas de Governo. Em seu pronunciamento, V. Exª chega a fazer distinção muito oportuna do comportamento, se estivéssemos no regime parlamentarista. Como estamos no regime presidencialista, V. Exª mostra a distinção de comportamento e a necessidade desse diálogo prévio, desse entendimento para as definições em torno das políticas do Governo, lembrando a necessidade de todas as proposições serem apreciadas pelo Congresso Nacional, pois o próprio Presidente da República está sugerindo a atuação nesse setor para profundas modificações. Os nossos aplausos pela oportunidade do seu discurso e pelo brilhantismo que ele encerra.

O SR. HUMBERTO LUCENA -  Grato a V. Exª, Senador Ronaldo Cunha Lima. Retomo as minhas considerações, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Realmente, se estivéssemos no parlamentarismo, aí sim, Sr. Presidente, poderia o Senhor Chefe do Governo - no caso o Primeiro-Ministro - encaminhar ao Congresso suas propostas, independentemente do seu exame antecipado pelos partidos que lhe dariam apoio, pois, amanhã, em uma questão mais fundamental, se o Governo fosse derrotado, estaria aberto o caminho para a queda não só do Primeiro Ministro, mas também de todo o seu Ministério.

No presidencialismo, porém, é diferente. A base parlamentar do Governo deve dar apoio às propostas presidenciais, mas não pode ser surpreendida por iniciativas que nas suas linhas gerais, ou, às vezes, em alguns aspectos, não se compatibilizam com as diretrizes emanadas das lideranças, ou até mesmo com princípios programáticos dos partidos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lanço essas idéias na esperança de alertar os partidos que apóiam o Governo no Senado e na Câmara, pois ainda é tempo de melhorar a articulação do Governo com o Congresso Nacional, não através "de cargos, mas de encargos", como afirmou Otávio Mangabeira, nos idos de 1950, quando o então Presidente Dutra convidou a UDN para integrar o seu Governo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta é a mensagem que levarei oportunamente ao Conselho Nacional do PMDB, tão logo se reúna em Brasília, porque entendo que, a começar pelo meu Partido, temos que rever o nosso relacionamento com o atual Governo, não para fazer oposição, mas para melhor servir ao País. Não é com subserviência, dizendo sim a tudo o que vem do Palácio do Planalto que haveremos, de consolidar o regime democrático no Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em outras palavras, muito mais importante do que ocupar altos cargos, para os Partidos que dão sustentação parlamentar ao Governo no Congresso, é a participação efetiva no exame das políticas governamentais e no encaminhamento das propostas delas decorrentes à apreciação do Legislativo.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/1995 - Página 3942