Discurso no Senado Federal

POSIÇÃO DE S.EXA. COM RELAÇÃO AO PROJETO SIVAM.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).:
  • POSIÇÃO DE S.EXA. COM RELAÇÃO AO PROJETO SIVAM.
Aparteantes
Ernandes Amorim, José Eduardo Dutra, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/1995 - Página 4719
Assunto
Outros > SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).
Indexação
  • ANALISE, CONVENIENCIA, ACEITAÇÃO, FINANCIAMENTO, BANCOS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OBJETIVO, IMPLANTAÇÃO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), PAIS.
  • DEFESA, POSIÇÃO, GOVERNO, RELAÇÃO, DESDOBRAMENTO, PROJETO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), MOTIVO, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acabamos de ouvir dois importantes pronunciamentos, ambos, evidentemente, contrários à política econômica do Governo e ensejando críticas a iniciativas que vêm sendo, ultimamente, tomadas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso.

Parece-nos importante analisar alguns aspectos, não só da questão do projeto SIVAM mas também da medida provisória dos bancos. Em primeiro lugar, é importante ressaltar o seguinte: esses recursos que vierem a ser dedicados ou destinados ao projeto SIVAM, através de uma liberação financeira do Eximbank americano, não são recursos que possam ser usados, segundo vontade do Governo brasileiro, para qualquer alocação ou para qualquer tipo de investimento, caso a empresa que venha a operar o projeto SIVAM seja americana, e não precisa ser necessariamente a Raytheon, pois fui informado de que há cerca de 11 empresas americanas que operam esse tipo de projeto e, portanto, estariam habilitadas desde que vencessem uma licitação, uma concorrência ou um processo seletivo.

De modo que o Governo americano, desejoso de prestigiar uma empresa americana, dispõe-se a liberar um financiamento com 12 anos de carência - portanto o Brasil só começa a pagar daqui a 12 anos -, com 20 anos de prazo e com juros que vão circular em torno de 6% ao ano, o que é um patamar muito abaixo dos níveis históricos dos juros internacionais, que são da ordem de 9%. Trata-se de um empréstimo extremamente barato, extremamente vantajoso para o Brasil, mas que virá desde que opere o projeto uma empresa americana.

Caso o Brasil opte por uma outra empresa, digamos uma empresa francesa, como a Thomson, os recursos já não virão do Eximbank, mas possivelmente virão liberados por algum banco francês, como o Banque Crédit Lyonnais ou o Banque Nationale de Paris. Neste caso, a oferta de financiamento é muito inferior, de tal modo inferior que o Brasil, se quisesse ter o projeto, teria que recorrer a empréstimos tomados normalmente junto à Banca Internacional, pagando juros elevados, que muitas vezes são incompatíveis com a atual situação de endividamento internacional do Brasil.

Sem entrar no mérito do projeto, até pode-se constatar que o projeto SIVAM é uma droga, não vale nada, tem que ser jogado na lata de lixo. Mas para quem sabe que o projeto tem um mínimo de validade, tem um mínimo de importância para a ocupação estratégica da Amazônia, é muito importante considerar, antes de mais nada, isto: não é U$1,4 bilhão que o Governo americano manda para o Brasil e que, uma vez chegado aqui, nós o pegamos e o destinamos para onde quisermos. Como se pudéssemos, por exemplo, fazer a seguinte opção: vem U$1,4 bilhão do Governo americano e agora o Presidente da República vai decidir se aplica esse dinheiro em reforma agrária, em construção de casas, em construção de escolas ou na implantação do projeto SIVAM. Não. Não havendo o projeto SIVAM - e até pode não haver, o Brasil pode decidir jogá-lo na lata de lixo -, desaparecem as fontes de financiamento. O dinheiro já não existe mais.

Havendo o projeto SIVAM, é evidente que há esta fonte de financiamento, à qual o Brasil também não está obrigado a recorrer. Se o Brasil quer implantar o projeto SIVAM, se acha que militar e economicamente, do ponto de vista estratégico do interesse nacional o projeto é importante, aí pode até optar: repudia o dinheiro do Eximbank e vai tomar dinheiro junto à Banca Internacional, junto ao sistema financeiro europeu, com uma taxa de spread e uma taxa de juros que seguramente são muito superiores àquelas com que o governo americano quer, digamos assim, dar suporte financeiro ao projeto SIVAM.

Assim, toda vez que se vai fazer um julgamento político ou se parte das premissas com as quais o Governo conta ou se parte das premissas que estão dadas pela realidade ou, então, não se diz nada a respeito, porque fazer conjecturas e afirmações com premissas falsas não tem sentido algum.

Se o Brasil quiser esparramar o Exército ao largo da fronteira amazônica, ele terá que contar com seus recursos próprios. Portanto, não é ou o Projeto SIVAM ou a polícia e militares na fronteira da Amazônia. Esta é uma premissa que não está dada ao Presidente. É uma premissa falsa, imaginária, que só está dada a quem se senta nesta cadeira de Senador e pode dizer o que quiser porque aqui não tem que cumprir nada, ninguém vai lhe cobrar.

Mas o Presidente da República não age assim. Sua Excelência só conta com duas alternativas: ter o Projeto SIVAM ou não. Se o Presidente Fernando Henrique Cardoso adotar o Projeto SIVAM, tem-se o financiamento que é uma decorrência do processo; se o Presidente da República não o adotar, não há projeto, não há dinheiro, não há mais recurso algum. E se o Chefe da Nação quiser implantar na fronteira amazônica um projeto semelhante, terá que tomar outros recursos, recorrer a outros bens, a outras fontes.

Supor, por exemplo, que basta ir à Rússia e pedir a técnicos russos que implantem no Brasil um sistema mais ou menos semelhante ao SIVAM, acho possível. No entanto, é preciso dizer onde se vai conseguir US$600 milhões, com 12 anos de carência, isto é, sem pagar um tostão; 20 anos para pagar com taxa de 6% ao ano, a contar da data da tomada do empréstimo. Esta é a outra face da moeda que tem de ser encarada com realismo.

Se o Governo Russo está disposto, em apoio ao projeto científico russo, a conceder um financiamento ao Brasil com as mesmas facilidades, pelo amor de Deus, já está decidido que será implantado aqui o projeto russo.

O mesmo ocorre com o governo Francês. O governo Francês disse ao Governo Brasileiro: "Nós financiaremos uma parte do projeto e, para a outra, o Brasil terá de lançar bônus no mercado internacional." São bônus de endividamento quase que imediato e com taxas de juros que sempre são muito ruins para o Brasil, porque o nosso País tem baixa credibilidade internacional, e países de baixa credibilidade financeira - isso não só vale para o Brasil, vale para o México e para a Argentina - que têm coragem e ousadia de lançar bônus, geralmente esse lançamento é feito com taxas de juros muito elevadas e, às vezes, muito acima das de mercado, senão o oferecedor do dinheiro não toma o título e não dá o dinheiro ao Governo brasileiro.

Podemos ter a posição que tivermos: sou contra o SIVAM, sou a favor do SIVAM, sou contra isso, sou contra aquilo, penso que está tudo ruim, tem-se que acabar com tudo a respeito do SIVAM. Só não posso partir de premissas falsas para fazer opções falsas. Partindo da premissa de que o dinheiro existe para essa finalidade, então, sim, tome uma posição e diga: não quero o SIVAM, não quero o dinheiro, não quero mais nada. Pronto. É legítimo. É aceitável. O que não é legítimo é acusar o Governo brasileiro de estar fazendo uma opção que ele não tem de fazer. O Governo não tem como fazer a seguinte opção: pegar esse dinheiro e aplicá-lo em outra coisa ou pegar esse dinheiro e dar a ele um destino diferente no que tange a um projeto semelhante, isto é, pegar o dinheiro do Eximbank para financiar um projeto russo. Isso não é possível. Quem tem de fornecer dinheiro para um projeto russo é o governo russo; quem tem de dar o dinheiro para um projeto francês é o governo francês. São essas as premissas com que trabalha, com que lida o Governo.

Não penso ser respeitoso, principalmente em relação à verdade, partir de premissas falsas. Até concordo com aquelas pessoas que vêm aqui e dizem que o Projeto SIVAM é improcedente, desnecessário, ruim, tecnicamente inadequado, que o Brasil não precisa dele, que deve-se jogá-lo fora. Tudo bem! Penso que podemos fazer isso. Mas dizer: o projeto é bom, é necessário, mas esse dinheiro tem de ser aplicado em outra coisa. Isto não! Isto não existe. Esta é uma afirmação sem base, sem nenhum fundamento na realidade.

Então, quando fazemos o julgamento das ações de Governo, podemos criticá-las da forma mais contundente possível porque é legítimo, respeitável e defensável. Sem uma oposição séria nenhum país é sério. Mas é preciso raciocinar dentro das premissas reais, consistentes com a situação que estamos vivendo.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador José Fogaça, temos que registrar aqui a responsabilidade envolvida na polêmica do caso SIVAM, sem falarmos na questão do grampo e do tráfico de influências, até porque isso ainda está muito nebuloso. Na minha opinião, o problema começou na forma como foi aprovado o empréstimo: na undécima hora de uma sessão do dia 22 de dezembro, em que o espírito natalino já povoava os corações e as mentes de todos os senadores. Confesso que, hoje, sinto-me confuso em relação à posição a ser tomada quanto ao Projeto SIVAM. Se votarmos pela confirmação do projeto de resolução já aprovado e pela continuidade da Raytheon, poderemos, no futuro, ser acusados ou poderão ser comprovadas as posições apresentadas pelo Senador Gilberto Miranda, principalmente se levarmos em consideração que S. Exª foi o relator do primeiro projeto e o defendeu. Por outro lado, se votarmos pela revogação dessas resoluções, a história poderá mostrar que acabaremos por favorecer outras empresas ou que o projeto estava correto. Até porque se introduziu uma discussão sobre a qual nós, senadores, não temos obrigação de conhecer: sobre WAAS etc.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - De forma alguma. Acredito que nunca chegaremos a um conhecimento real do aspecto técnico.

O Sr. José Eduardo Dutra - Essa é quase uma discussão de ficção científica para todos nós por mais que tenhamos visto Guerra nas Estrelas e outros filmes do gênero. Estamos, segundo um ditado popular, "num mato sem cachorro", porque vamos ter de nos debruçar sobre questões técnicas para poder definir, efetivamente, a posição que interessa ao Brasil. Eu, particularmente, assim como o meu partido, me posiciono em defesa da soberania da Amazônia, de se estabelecer um sistema de controle de tráfego aéreo naquela região. Sabemos que a Amazônia é uma região para onde convergem interesses internacionais e que é preciso que o Brasil tenha instrumentos que possibilitem a efetivação dessa soberania. Confesso, Senador José Fogaça, que hoje a minha posição é procurar estudar o assunto. Hoje tenho dificuldade para dizer se vou votar a favor do segundo relatório do Senador Gilberto Miranda ou se a favor do primeiro em função de todos esses aspectos que envolvem essa discussão. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado, Senador. Agradeço pela profunda sinceridade com que V. Exª se manifesta.

Tenho também uma grande dúvida a respeito dos aspectos técnicos. A única certeza que tenho é que essas dúvidas dificilmente serão inteiramente resolvidas, porque, por mais que eu seja informado, de um lado ou de outro, nunca terei um conhecimento prévio que me instrumente a avaliar com serenidade e consciência o quanto é correto e viável esse projeto e o quanto é correto e viável aquele projeto.

Portanto, partindo de um pressuposto, de uma opção técnica, é muito difícil que o Senado venha a fazer isso. É por isso que não está cabendo ao Senado fazer a opção técnica, não está dado ao Senado essa decisão, não está passada ou transferida essa decisão para nós. A nós cabe - esse é o papel constitucional e a premissa do caso - em função disso tudo, tomar uma decisão, primeiro, a partir de uma opção do Governo brasileiro, no qual confiamos ou não - quem não confiar deve votar contra e quem confiar pode fazer a opção de votar a favor - e dos seus militares, que, por intermédio do Conselho de Defesa Nacional, convocado pelo Presidente Itamar Franco, num pronunciamento que não foi público, mas foi transparente, e nada pode impedir que um pronunciamento do Conselho de Defesa Nacional tenha reservas - ele tem que ter reservas, mas há pessoas que acham que só é transparente aquilo que é publicado nos jornais. O Presidente Itamar Franco agiu com inteira transparência, mas preservou a reserva e o sigilo necessários à configuração de segurança do projeto. O Presidente do Senado compareceu, o Presidente da Câmara compareceu, o Ministro do Planejamento, o Ministro da Justiça, os Ministros militares, e juntos tomaram essa decisão, olhando nos olhos um do outro, cada um ciente da sua responsabilidade e sabendo que teria de responder por sua decisão perante a História.

Portanto, o Presidente Itamar Franco, em quem confio - e não estou cobrando que alguém o faça - procurou agir com transparência. A partir dessa premissa, passei a julgar o projeto confiável. Na verdade, quando ele chegou ao Senado e obteve parecer favorável do Senador Gilberto Miranda, eu já detinha, de certa maneira, mínima noção da sua importância estratégica.

Não nos cabe decidir sobre a sua validade, porque isso já foi definido pelo Conselho de Defesa Nacional. A validade militar e a econômica são dadas pelo Conselho de Defesa, pelo Ministério do Planejamento e pela Presidência da República. Cabe-nos dizer se é conveniente que o Brasil assuma, em nome desse projeto, o financiamento que lhe quer oferecer o Governo americano, nas bases em que está sendo proposto.

Não quero fazer parti pris do projeto; podemos até rejeitá-lo ou optar por outro, mas ainda nos será perguntado se aceitamos que o Brasil se endivide de determinada maneira, para apoiar o Projeto SIVAM de outra empresa. Isso não é valido somente para a Raytheon, mas para qualquer uma das doze empresas americanas que operam esse tipo de projeto.

Se não for uma empresa apoiada pelo Governo americano, não teremos o financiamento do Eximbank; se for francesa, virá, possivelmente, do Banque Nationale de Paris ou do Credit Lyonnais. Em qualquer caso, teremos de examinar as condições - quanto vai ser cobrado de juros, a carência, o prazo - e analisar se esse endividamento interessa ou não ao Brasil. Esta é a parcela de responsabilidade do Senado: saber se o endividamento, nos moldes em que está sendo proposto, compensa o que está sendo comprometido em termos de Projeto SIVAM.

Tenho certeza de que dificilmente outro governo oferecerá um financiamento tão facilitado, quase em caráter de semidoação, ao Governo brasileiro.

Não quero, com isso, convencer nenhum dos Srs. Senadores de que deve aprovar esse projeto. Nunca fiz nenhum pronunciamento pela defesa do projeto; só não posso deixar passar decisões, opções ou discursos que tenham como pressuposto premissas que não existem e matérias sobre as quais não nos cabe decidir.

De modo que, nesse prisma, considero muito importante a intervenção do Senador José Eduardo Dutra, porque me parece que as dúvidas de S. Exª são as mesmas de todos os demais Senadores. É legítima essa fonte de dúvida.

Se for provado, é possível que, no futuro, se comprove que tais e tais irregularidades minaram totalmente o projeto. Se não for aprovado, é possível que o nosso País fique por mais várias décadas sem o efetivo controle da Amazônia. E não controlar a Amazônia, do ponto de vista do interesse do Governo, do interesse estratégico, do interesse público e do interesse nacional, significa terras de índios invadidas, significa zonas de extrativismo serem objeto de violência, significa áreas de desmatamento ampliadas, significa absoluto descontrole do interesse público e interesse nacional sobre a Amazônia. Por quê? Porque é uma região vastíssima; uma área sobre a qual não temos domínio. A Amazônia é saudavelmente indomável.

No entanto, se permanece como algo inatingível, como algo que não domamos, ou não dominamos, o processo de ocupação se dará pela violência da garimpagem, pela destruição dos sistemas ecológicos, pela invasão de terras indígenas e, principalmente, pela afronta às zonas de extrativismo que foram asseguradas: uma quebra, uma ruptura do zoneamento ecológico, do zoneamento agrícola, do zoneamento estratégico ali estabelecido.

Quando o Governo tiver o controle da Amazônia - o controle a que me refiro é o das informações - será muito difícil haver, por exemplo, invasão de terras indígenas, migrações populacionais ofensivas aos direitos indígenas sem que o Governo as controle e sem que possa, antecipadamente, tomar as providências necessárias.

Não consigo entender como alguns ainda têm dúvida sobre isso.

A Srª Marina Silva - Senador José Fogaça, V. Exª permite-me um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Pois não, Senadora, em seguida.

Quem acha que o processo da Amazônia tem que ser esse mesmo, indomável, desculpe-me, mas não pode reclamar quando houver acusação de morte de índios na fronteira da Venezuela, porque é impossível, pelo atual sistema de controle das informações, saber das tendências migratórias e das tendências populacionais. O processo é desordenado. A ocupação da mata se dá violenta e desrespeitosamente, e o equilíbrio ecológico fica profundamente ameaçado.

Se o Governo tem controle, é até possível que governos irresponsáveis, no futuro, tenham o controle e deixem isso acontecer, mas quero dizer que será muito mais difícil ocorrer a violência, a quebra do respeito aos limites territoriais das possessões indígenas e muito mais difícil será o desmatamento insano, desordenado, que obedece a nenhum critério de base em microclimas.

Se não tenho um estudo real do microclima, não posso saber se aquelas terras são boas para a agricultura, se podem ser usadas para pecuária extensiva, se podem ficar apenas na mineração ou se são terras de absoluto preservacionismo, de absoluta intocabilidade. Há vários microclimas da mais absoluta intangibilidade na Amazônia e, assim, têm que prevalecer seculum ad seculum. Mas isso vai depender, e depende sempre, de um controle do sistema de informações.

A SRª Marina Silva - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Ouço a Senadora Marina Silva, com muito prazer.

A Sra. Marina Silva - Nobre Senador José Fogaça, parabenizo V. Exª pela preocupação e pela forma como está tratando o assunto, sem paixões, o que nem sempre acontece. No caso da Amazônia - e já tive oportunidade de colocar isso em outros momentos - não há nenhuma dúvida, pelo menos da minha parte e da nossa Bancada, da importância de um projeto dessa natureza, por todas as razões que foram colocadas por V. Exª, pelas razões colocadas pelo Senador José Eduardo Dutra. Mais ainda tenho eu essas razões. Sei o quanto é importante que se tenha as informações corretas, do ponto de vista técnico, usando os avanços tecnológicos, para se fazer o necessário para o desenvolvimento adequado da Amazônia. Sei também que isso nos coloca diante do desafio de termos os dados mas eles não serem processados e encaminhados na prática. Reporto-me aqui ao INPE, que fez o levantamento das queimadas durante esses anos todos, mas as informações não foram processadas. Todos sabem que houve um aumento do número de queimadas, e nós passamos pelo constrangimento de não dispor dos dados. Recentemente, estive num seminário na Universidade de Chicago, em que nos perguntavam sobre o aumento ou não das queimadas. Para ser honesta e ética com o Brasil, tive de dizer que realmente houve um aumento do número de queimadas, mas não tinha como informar se era queimada de floresta ou de pastagem. E há uma diferença. Como as informações não foram processadas, a idéia que fica é a de que, de fato, houve um aumento exagerado das queimadas. Eu acredito - e quem está falando é uma Senadora de Oposição - que houve um aumento, mas mesmo com o avanço das queimadas sobre as florestas, ainda não foi na mesma dimensão de outros anos. Houve também um aumento exagerado com relação às pastagens; entretanto, não temos essas informações, porque não foram processadas. É importante que a Amazônia disponha de um projeto da natureza do SIVAM. Mas é importante também que haja os meios, os mecanismos, para que essas informações não se percam por não serem trabalhadas. V. Exª colocou que não temos o poder de pegar esses recursos e remanejá-los para uma outra atividade, porque não é da natureza do projeto, e tem V. Exª inteira razão. E essa ajuda é importante: o tráfego aéreo na Amazônia é um desastre. É importante com relação às questões ambientais, com relação à questão das terras indígenas, com relação ao zoneamento ecológico e econômico, aos diferentes ecossistemas, que precisam ser entendidos na Amazônia. Aqueles que nos querem ajudar, querem-no para uma determinada atividade, e não para outras. E não temos nem como...

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Podemos até recusar isso e achar que não nos serve.

A Sra. Marina Silva - Exatamente. E o Brasil não tem nem a possibilidade de dizer que quer ser ajudado nisso e não naquilo. Ainda não nos foi dada essa chance. Na Amazônia, nem sequer podemos dizer ao Governo brasileiro que queremos ser ajudados em determinada questão. Ainda não é assim. Numa lista de 10 itens de prioridades para a Amazônia, eu colocaria o Projeto SIVAM em décimo lugar. Se implementássemos todos os projetos necessários à Amazônia, com certeza, o Projeto SIVAM seria um complemento sofisticado de algo que precisaria ser controlado e preservado. Infelizmente, não temos ainda essa possibilidade. Mas temos a capacidade - e é isso que me entristece, que me envergonha até - de, quando vamos ser ajudados, transformar isso num problema, num escândalo. O dinheiro poderia vir. Mas precisaria ter o favorecimento de empresas, como está sendo denunciado? Na revista Veja desta semana, há o depoimento de um Senador que diz saber muito mais coisas do que o Pedro Collor e que "não vai ser fritado sozinho" - parece-me que são essas as palavras -, e que tem informações de quem pegou dinheiro de quem, quem pagou a quem, referindo-se talvez à fita, quando, num trocadilho, alguém diz quem pegou o dinheiro. Isso me entristece, porque um recurso importante para um projeto destinado ao controle estratégico da Amazônia transforma-se num escândalo, com inúmeras denúncias de corrupção. Não sei como vamos sair desse imbróglio, porque, tecnicamente, estamos impotentes para dar as devidas respostas. Do ponto de vista político, estamos numa encruzilhada, porque poderemos pecar por omissão ou por tomarmos a atitude incorreta. Sinceramente, devemos ter um pouco mais de cautela. Com relação a todas essas denúncias de irregularidades envolvendo o Projeto SIVAM, devemos investigá-las com afinco, porque senão estará maculada a imagem de todo esse processo e um outro projeto que vier será como se estivéssemos tentando cobrir o sol com a peneira.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Agradeço, Senadora. É de tal bom senso a sua intervenção, que não tenho nenhum acréscimo, nenhum aditamento a fazer, a não ser o fato de que não tenho, em relação ao Senador Gilberto Miranda, nenhuma suspeição. Estou entre aqueles que confiam no Senador. No entanto, aqui hoje, estou manifestando uma discordância quanto à sua orientação no parecer que está dando; e é uma discordância quanto à natureza do seu parecer. Em relação a qualquer outra coisa, não fiz nenhum observação, nenhuma crítica, nenhum levantamento de dúvida em meu pronunciamento.

O SR. ERNANDES AMORIM - Permite um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Pois não, Senador Ernandes Amorim.

O SR. ERNANDES AMORIM - Senador José Fogaça, em nosso discurso, falávamos do problema da Amazônia, da necessidade de se ocupar a fronteira da Amazônia. V. Exª está correto quando diz que o dinheiro está canalizado para um fim determinado. Nós falamos das necessidades que temos na Amazônia. Ao se buscar esses recursos, colocam o Brasil numa situação de "ou pega ou larga"; ou pega para comprar o que eles querem, caro, superfaturado, ou então não há dinheiro. Não vejo por que toda essa pressa em querer tomar esses recursos. Dizem lá que, com esse dinheiro, os Estados Unidos criariam vinte mil empregos para os americanos. Existe um compromisso entre o Presidente da República e o Presidente dos Estados Unidos, ou não sei quem, para gastar esse dinheiro que vem de lá. Por que não gastá-lo com maquinário, com tratores para desenvolver a agricultura? Sabemos da necessidade de um projeto ao nível do SIVAM. É preciso que se tenha uma fiscalização sobre a Amazônia. Aliás, já existe: existe um sistema de radar que identifica queimadas...

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Mas V. Exª está falando em projeto para tratores, etc, através do governo americano?

O Sr. Ernandes Amorim - Claro. Se ele quiser vender alguma coisa ao Brasil...

O SR. JOSÉ FOGAÇA - V. Exª deve ir à Casa Branca e dizer ao Presidente Clinton que ele está equivocado com o Brasil.

O Sr. Ernandes Amorim - Estamos discutindo o assunto. Até por falta de conhecimento meu e do povo da Amazônia... Nós temos necessidade de recursos.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Se fôssemos decidir, é possível que tivéssemos outras prioridades.

O Sr. Ernandes Amorim - Mas somos representantes deste País.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Não é com essa premissa que lida o Governo brasileiro. É isso que quero explicar a V. Exª. V. Exª insiste em repor uma premissa que não existe.

O Sr. Ernandes Amorim - Pois é. É por isso que este Brasil está desse jeito, porque vamos sempre atender o que interessa a essas pessoas. Temos prioridades na Amazônia.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - É só pegarmos recursos do Tesouro brasileiro, do Orçamento, e investir na Amazônia.

O Sr. Ernandes Amorim - V. Exª está vendo onde está sendo usado o caixa do Orçamento? No atendimento a problemas de bancos, de Estados falidos.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - O problema é nosso, interno. Já não é culpa do Presidente Clinton.

O Sr. Ernandes Amorim - Na verdade, existe a necessidade de os americanos mandarem dinheiro para este País, fazendo com que o Brasil fique endividado. Dizem que é um dinheiro barato, a longo prazo. Mas vamos ter de pagar. Se vai ser pago esse dinheiro, por que ele não é aplicado corretamente ou se espera o momento para comprar o "vale quanto pesa"? Por que pagar um bilhão acima do valor? Sabemos da necessidade do Projeto SIVAM.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - V. Exª deve dizer aos seus eleitores, com honestidade, com transparência e com clareza, que é contra o Projeto SIVAM.

O Sr. Ernandes Amorim - Sou contra esse projeto que se encontra aí.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Quanto a isso, não tenho nenhuma palavra a dizer. Respeito V. Exª totalmente nessa posição. V. Exª resolveu um problema que outros Senadores ainda não resolveram. Eu, por exemplo, não sou contra o projeto e tenho profundas dúvidas quanto à forma como ele veio encaminhado e tratado, em toda essa sistemática, à qual se referiram outros Senadores. V. Exª, não. V. Exª é um homem tranqüilo. Já tomou uma posição: contra o projeto, contra o financiamento.

O Sr. Ernandes Amorim -  Contra o projeto na modalidade em que aí está. Sou a favor de que se cancele a licitação e se faça uma outra, para evitar o que está ocorrendo, até porque na praça, na cidade, diante do eleitor, fica a impressão de que o Senado Federal está envolvido nessas acusações e no que está acontecendo. Sou a favor do projeto, desde que dentro do preço real. E o Brasil teria que se impor, não aceitando ser a colônia desse povo aí fora.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Acho que a Senadora acabou de deixar bem claro uma coisa: os Estados Unidos, quando apoiaram esse projeto e liberaram o financiamento, não pediram que o tratamento dado aqui fosse dessa natureza e da forma como as revistas estão mostrando. Quem criou essa celeuma, essa bombástica forma escandalosa de tratar as coisas foi o Brasil. V. Exª está confundindo alhos com bugalhos.

O Sr. Ernandes Amorim - V. Exª está alegando a violência dos garimpos.

O SR. PRESIDENTE (José Eduardo Dutra) - Senador José Fogaça, V. Exª já esgotou seu tempo em 17 minutos. Como V. Exª foi o último inscrito, a Mesa foi liberal, mas solicita que conclua.

O SR. JOSÉ FOGAÇA -  Como V. Exª usou sete minutos, a Senadora Marina Silva cinco minutos e o Senador Ernandes Amorim cinco minutos, somaram-se os 17 minutos a mais que o meu pronunciamento acabou tendo.

Agradeço a V. Exª. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/1995 - Página 4719