Discurso no Senado Federal

REFERENCIAS AO PRONUNCIAMENTO DO SR. LUCIO ALCANTARA, PROFERIDO NA PRESENTE SESSÃO. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS METAS ESTABELECIDAS PARA A EDUCAÇÃO, ANUNCIADAS PELO SENHOR PRESIDENTE DA REPUBLICA, EM RECENTE REUNIÃO COM OS GOVERNADORES. APRESENTAÇÃO DE EMENDAS AO SUBSTITUTIVO DO SENADOR DARCY RIBEIRO AO PROJETO DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO.

Autor
José Roberto Arruda (S/PARTIDO - Sem Partido/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVISÃO TERRITORIAL. EDUCAÇÃO.:
  • REFERENCIAS AO PRONUNCIAMENTO DO SR. LUCIO ALCANTARA, PROFERIDO NA PRESENTE SESSÃO. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS METAS ESTABELECIDAS PARA A EDUCAÇÃO, ANUNCIADAS PELO SENHOR PRESIDENTE DA REPUBLICA, EM RECENTE REUNIÃO COM OS GOVERNADORES. APRESENTAÇÃO DE EMENDAS AO SUBSTITUTIVO DO SENADOR DARCY RIBEIRO AO PROJETO DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO.
Aparteantes
Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DCN2 de 06/09/1995 - Página 15466
Assunto
Outros > DIVISÃO TERRITORIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, LUCIO ALCANTARA, SENADOR, RELAÇÃO, NECESSIDADE, LIMITAÇÃO, PROCESSO, AUMENTO, NUMERO, CRIAÇÃO, MUNICIPIOS, PAIS, DEFESA, IMPORTANCIA, UNIÃO, BANCADA, REGIÃO CENTRO OESTE, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, SOLUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DESCENTRALIZAÇÃO, MERENDA ESCOLAR, SALARIO EDUCAÇÃO, PROJETO, INSTALAÇÃO, TELEVISÃO, OBJETIVO, MELHORIA, NIVEL, EDUCAÇÃO, PAIS, AMBITO, ENSINO FUNDAMENTAL, CONTEUDO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo inicialmente sublinhar uma reflexão em relação ao oportuno pronunciamento do Senador Lúcio Alcântara, na tarde de hoje, aqui no Senado. Entre outras coisas, S. Exª defendia maior rigor na criação de novos municípios no Brasil e uma legislação mais clara no que respeita às regiões metropolitanas.

No tocante à proliferação de municípios, penso que o Senador Lúcio Alcântara efetivamente tem razão. Estou convencido de que o Congresso Nacional, particularmente o Senado, tem que estudar formas adequadas de coibir o excesso, de evitar que a criação de novos municípios, ao invés de atender interesses sócio-econômicos legítimos de determinadas regiões, atenda na verdade particularidades políticas que não dizem respeito - às vezes até contradizem - aos interesses da sociedade, de comunidades municipais.

Relativamente às questões metropolitanas, ainda que concordando com o Senador Lúcio Alcântara com a necessidade de uma legislação mais específica para essas áreas, eu gostaria de lembrar - para que nos debates futuros sobre essa questão no Senado pudéssemos detalhá-la - que, na verdade, as regiões metropolitanas nasceram no Brasil com o advento das megalópoles, das grandes cidades, das grandes conurbações. Essas grandes cidades, na verdade, nada mais são do que conseqüência de um modelo de desenvolvimento, no mínimo, irracional, que concentrou renda, concentrando pessoas e obrigando, por força de vetores desse modelo de desenvolvimento, a que justamente as famílias mais humildes tenham que migrar das suas regiões de origem para os grandes centros urbanos. Pior que isso, deixam o interior do Brasil, as pequenas cidades, suas atividades agrícolas e de transformação de bens de consumo para habitarem na periferia das grandes cidades, nas favelas, nos cortiços, gerando as grandes conurbações, o caos da vida urbana, e mais do que isso, contribuindo para a elevação dos índices de miséria.

Acredito que mais importante do que cuidar da legislação das regiões metropolitanas é unir, aqui, no Senado Federal, as bancadas do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste brasileiro. Esta tribuna tem sido um lugar comum da minha presença, para que juntos encontremos fórmulas de inversão desse vetor de desenvolvimento que concentra renda, riqueza, investimentos e incentivos justamente nas regiões mais ricas, as que já são mais produtivas. Tenho absoluta convicção de que as desigualdades regionais que existem neste País são a grande causa da má qualidade de vida da grande maioria da nossa população.

Mas, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, nesta tarde de hoje gostaria de fazer um registro sobre um assunto que, parece-me, vai tomar grande parte dos debates desta Casa a partir da próxima semana.

Trata-se da Educação fundamental brasileira. Isso acontecerá por, pelo menos, duas razões: a primeira é que a Comissão de Educação do Senado Federal aprovou o substitutivo do Senador Darcy Ribeiro, a Lei de Diretrizes e Bases, e o remeteu ao Plenário do Senado Federal; a segunda é que o Presidente da República, numa solenidade que contou com a presença dos Governadores de Estado, no último sábado, lançou um desafio a toda sociedade brasileira, abrindo - isto ocorre pela primeira vez no cenário da Educação nacional - uma discussão sobre os rumos da Educação fundamental no Brasil.

De acordo com as palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso, até o dia 15 de outubro Sua Excelência pretende recolher, das lideranças políticas e as do setor da Educação e da sociedade brasileira como um todo sugestões e críticas ao projeto que pretende assinar no dia 15 de outubro e remeter ao Congresso Nacional, como, inclusive, uma homenagem ao dia 15 de outubro, que é o Dia do Professor.

Nessa reunião do último sábado, o Presidente Fernando Henrique Cardoso levantava alguns pontos que me parecem importantes. O primeiro deles é o que diz respeito ao projeto TV Escola, que pretende instalar, em 45 mil estabelecimentos escolares do Brasil uma antena parabólica com um aparelho de retransmissão de TV, de tal sorte que essa TV Escola possa, com baixíssimo custo, melhorar o nível da Educação no Brasil, inicialmente nessas 45 mil escolas.

O segundo ponto, que me parece merecer atenção de todos, concerne à descentralização da merenda escolar. Na verdade, é um grande absurdo o que ocorre no País hoje, ter-se toda a merenda escolar centralizada nos escritórios burocráticos de Brasília a um custo alto, com perdas violentas, e muitas vezes com métodos administrativos na compra e distribuição dessa merenda, pelo menos, questionáveis.

Não tenho a menor dúvida de que a descentralização, que vale de uma forma geral para a administração pública, no caso da merenda escolar, tem ainda maior valia. Não tenho dúvida de que o diretor de uma escola, por mais humilde que seja essa escola, tem melhores condições de decidir sobre que merenda comprar, que merenda distribuir. O diretor da escola, no convívio diário com professores, alunos, famílias de alunos, terá condições de fazer um trabalho mais racional, até porque é cobrado diretamente pela comunidade.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Ouço V. Exª com o maior prazer, Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Eu queria cumprimentar V. Exª por trazer este assunto à baila. Há vários anos, autoridades, pais de alunos e professores vivem angustiados com o descaso quanto à Educação. Não há qualquer programa projetado para que realmente se saiba que rumo tomar para a condução desse tema, tão difícil e tão importante para a formação do caráter nacional. Conheço esse problema, pois vi com atenção, posso dizer, até com emoção, o caso de uma professora que educou os meus filhos, ensinou-lhes as primeiras letras. O seu sofrimento durante todo o desenvolvimento do seu trabalho em fazendas era grande. Chegou ao final da carreira decepcionada com o desinteresse dos governantes em estimular os professores ou, no mínimo, dar-lhes tempo para preparar as suas aulas. Esse projeto é interessante. Eu gostaria, ainda, de fortalecer o que V. Exª diz sobre a merenda escolar, sobre a descentralização das contas e o aproveitamento dos produtos in loco. V. Exª, como bom político e como homem atento às coisas públicas, deve ter lido e acompanhado sobre alimento da merenda escolar enterrado por ter passado o prazo de validade de consumo. Quero cumprimentar V. Exª e dizer-lhe que estarei ao seu lado para fiscalizar e fazer com que isso realmente seja cumprido. Parabéns, Senador.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito obrigado Senador Romeu Tuma.

Um outro ponto levantado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso nessa reunião com governadores foi a questão do salário-educação. Pretende nessa proposta o Governo Federal descentralizar o salário-educação para cento e oitenta mil escolas, o que atenderia diretamente a 27 milhões de alunos. Outro ponto seria a distribuição em todo o território nacional de cento e dez milhões de livros escolares. E, ao final, uma proposta que me parece fundamental, qual seja, a criação de um piso salarial para os professores de I Grau. Essa medida me parece essencial. Há alguns municípios brasileiros onde o salário do professor não chega mais a ser aviltante. Ele, na verdade, inexiste, e milhares de professores, por este país afora, exercem ainda, com dignidade, a sua profissão, mas, na verdade, à custa dos maiores sacrifícios.

Há algumas décadas a professora primária era respeitada no seu bairro, na sua ruae , na sua cidade pela importância que efetivamente tem na criação de uma sociedade mais justa. Hoje, pela queda do nível de ensino, pelo aviltamento dos salários, pela falta de condições para o professor estar em sala de aula, essa importante categoria de profissionais está numa situação efetivamente muito ruim.

O estabelecimento de um piso mínimo, obviamente, deve ser discutido em relação ao País, para que nenhum professor primário ganhe menos que aquele determinado valor e os que têm curso superior ou outros cursos de aperfeiçoamento possam ter pisos acima deste mínimo. Essa é uma condição básica para a melhoria do ensino no Brasil. Estou citando apenas esses dados para, modestamente, alertar esta Casa, dizendo que o Presidente da República fez o chamamento nacional para que todos nós, trazendo nossas críticas, sugestões, propostas e idéias venhamos participar deste debate nacional, que, talvez, seja o mais importante. Quais medidas poderá o Governo Federal propor no dia 15 de outubro, Dia do Professor, para que a educação brasileira, pela primeira vez, possa se tornar prioridade nacional?

Pretendo fazer neste plenário na próxima semana um pronunciamento, defendendo algumas emendas, as quais já coloquei ao nível da Comissão de Educação, na Lei de Diretrizes e Bases. O art. 81 do projeto substitutivo do Senador Darcy Ribeiro estabelece que a educação brasileira deve ter um período de dez anos, a contar da publicação da LDB, de total prioridade nacional.

Proponho no art. 82 que nesse período de prioridade à educação brasileira tentássemos erradicar o analfabetismo; nesses dez anos em que tentaríamos levar todas as crianças de sete a quatorze anos para as escolas públicas; nesses dez anos em que estaríamos projetando o futuro do País a partir da educação básica e igual para todos, nesses dez anos tentaríamos o projeto de renda mínima através do salário-educação.

O projeto de renda mínima, que nasceu de uma ação parlamentar efetiva do Senador Eduardo Suplicy e, posteriormente, do Senador Ney Suassuna, previa a complementação de renda mínima em todo o Território nacional para todas as famílias abaixo da linha da pobreza.

O projeto de renda mínima, embora meritório ao nível social, possui inviabilidades econômicas que não são ultrapassáveis a curto prazo. Por isso, proponho que esse projeto seja vinculado a dois outros vetores. O primeiro deles é o salário-educação. Ou seja, faria jus a essa bolsa-escola a família com filhos na idade escolar matriculados e freqüentando as aulas da rede pública regularmente e com assiduidade superior a 90%.

O segundo vetor é a contenção das correntes migratórias. E aí proponho que essa bolsa-escola sirva apenas às famílias que residam em municípios de população inferior a 50 mil habitantes. Isso por algumas razões: primeiro, porque nesses municípios com população inferior a 50 mil habitantes estão concentradas, por dados do IBGE, praticamente 60% das famílias abaixo da linha mínima da pobreza; em segundo lugar, porque este seria o primeiro grande incentivo para que as famílias não mudem das pequenas cidades, das vilas, do campo, em direção às médias e grandes cidades. Ou seja, que comecemos por aí a construir um País em que as pessoas não precisem mudar das suas cidades de origem para conseguir criar os seus filhos.

Mas todas essas propostas, Sr. Presidente, têm uma palavra-chave: descentralização. E uma outra proposta que quero trazer é que, retirando-se a parcela de recursos necessária a pagamento de folha de pessoal, ou seja, retirando-se o salário dos professores e dos funcionários das escolas, os outros recursos, todos os outros recursos da educação básica no Brasil sejam, gradativamente, descentralizados, até que as experiências já vividas no Estado de Santa Catarina e no Estado do Ceará possam ser uma realidade nacional. Pretendo que cheguemos ao ponto de que o diretor da escola possa ter os recursos para a compra do giz, do material escolar, da reforma das salas de aula, da merenda escola e possa ele, com um conselho de professores, funcionários e pais de alunos, gerir esses recursos da melhor maneira possível.

Se o diretor da pequena escola do pequeno município do interior do Brasil consegue, por exemplo, a doação de alguns fazendeiros de alguns gêneros alimentícios para fazer a sopa, para fazer a merenda escolar, por que não usar o dinheiro da merenda para construir uma sala de aula a mais? Se em outro município o diretor consegue reunir os pais de alunos, a comunidade, os comerciantes e ter a doação do giz, por exemplo, ou do material básico para a escola, por que ele não pode usar esses recursos para o melhoramento da sua escola?

Enfim, a descentralização dos recursos, além - falando claro - de diminuir o nível de corrupção, dá à sociedade local a responsabilidade na gestão desses recursos. Mais do que isso: ela, de uma forma muito clara, otimiza a aplicação desses recursos em benefício do aluno.

Poder-se-ia, por exemplo, criar a unidade escolar para o aluno. E o diretor da escola receberia, anualmente, tantas unidades aluno conforme o número de alunos matriculados naquela escola.

Em última análise, acho que se inicia um grande debate nacional pela educação brasileira. E isso já tardava, até porque as nações que no pós-guerra conseguiram soerguer suas economias, conseguiram gerar um modelo de desenvolvimento mais justo, todas elas investiram basicamente em educação, ciência e tecnologia. Com o nível educacional em que hoje se encontra a maioria da nossa população é impossível imaginarmos um País mais justo.

Concluiria este pronunciamento, Sr. Presidente, dizendo que, muitas vezes, quando entro neste plenário, com essas poltronas azuis, com esse ambiente - não quero usar a palavra luxuoso -, pelo menos, próximo do monumental, fico pensando que o meu pai era um ferroviário que tinha segundo ano primário, ganhava pouco mais de um salário mínimo mas conseguiu educar os seus 5 filhos. E se, apesar de ter essa origem humilde, eu consigo chegar ao Senado, é porque, lá na minha cidade, em Itajubá, no Sul de Minas, pude estudar numa escola primária.

Fiz o meu curso primário no Grupo Escolar Rafael Magalhães, uma escola primária, de bairro, humilde, mas que tinha um bom ensino. Pude, depois, fazer o curso ginasial e o curso científico em um colégio estadual, o Colégio Estadual João XXIII, humilde, carente, com professores humildes, só que digno, porque tinha um altíssimo padrão de ensino. Não tive recursos para fazer cursinho de vestibular, mas, mesmo sem fazer cursinho, consegui, como aconteceu também com meus irmãos, fazer vestibular a uma escola de engenharia, que era federal, e cursar engenharia.

Isso foi possível no nosso País há 20, 25 anos. Ou seja: entrei no primeiro ano de grupo, primeiro ano primário, e me formei em engenharia sem nunca ter pago um tostão de escola, sempre freqüentando escolas públicas.

Pergunto: quantos meninos na idade de sete a quatorze anos, quantas crianças brasileiras poderão ter o privilégio que tive de ir da escola primária ao curso superior sem freqüentar escolas particulares, com o nível de ensino que temos hoje?

Concluo dizendo que iniciamos, neste momento da vida nacional, um debate que me parece fértil, um debate que me parece importante sobre os rumos que vamos dar à educação brasileira.

Penso que seja justo registrar aqui que o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, não enviou simplesmente um projeto, uma proposta ao Congresso Nacional. Antes, reuniu-se com governadores e, num pronunciamento público, fez um chamamento a toda a população brasileira, para que contribua no sentido de que esse projeto seja coletivo, aprimorado, e que venha ao Congresso já contendo propostas de todos os que pensam a educação brasileira, de todos os que sonham um País mais justo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 06/09/1995 - Página 15466