Discurso no Senado Federal

CRITICAS A ATUAÇÃO GOVERNAMENTAL NA PROMOÇÃO DO SANEAMENTO AMBIENTAL.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA.:
  • CRITICAS A ATUAÇÃO GOVERNAMENTAL NA PROMOÇÃO DO SANEAMENTO AMBIENTAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 06/09/1995 - Página 15477
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, AUTORIDADE PUBLICA, AUTORIDADE FEDERAL, EMPENHO, OBJETIVO, MELHORIA, CONDIÇÕES SANITARIAS, APLICAÇÃO DE RECURSOS, SETOR, SANEAMENTO AMBIENTAL, PAIS.

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um ano o pequeno município de Teotônio Vilela, no interior do Estado de Alagoas, foi alvo de atenções no Brasil e no exterior. Dolorosamente, o município ganhou as manchetes dos jornais e as chamadas da mídia eletrônica, para opróbrio das autoridades, da classe política e da população alagoana, em razão dos elevados índices de mortalidade infantil ali registrados.

Um quadro devastador de doenças acometeu a população de Teotônio Vilela, matando impiedosamente adultos e crianças, estas últimas em maior proporção. Como é do conhecimento geral, Sr. Presidente, a causa de tamanha mortandade não foi o surgimento de algum potente vírus ou de alguma nova doença, dessas que costumam desafiar os conhecimentos médicos do seu tempo. Foi, vergonhosamente, a absoluta ausência das mínimas condições de saneamento, o que resultou na contaminação das águas potáveis.

O triste episódio provocou imediata mobilização do Governo Federal, que mandou distribuir setenta e duas toneladas de alimentos à população do município flagelado, e despertou o interesse do UNICEF.

A carência de dados estatísticos confiáveis no Brasil é fato conhecido. No entanto, levantamentos da Secretaria Municipal de Saúde, ainda que possam ser incompletos, são suficientes para ensejar perplexidade e revolta, espelhando a deterioração das condições sanitárias: ao longo do ano de 1993 morreram em Teotônio Vilela 116 das 822 crianças de até um ano de idade, número já estarrecedor e inaceitável mesmo para padrões de países do Terceiro Mundo. No ano passado, apenas no primeiro semestre, registraram-se 142 óbitos para 392 nascimentos.

Esses números, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tristemente eloqüentes, dispensariam quaisquer comentários. No entanto, o episódio de Teotônio Vilela torna-se mais trágico quando se sabe que não configura uma exceção, mas um detalhe do grotesco quadro predominante no Brasil, e especialmente na Região Nordeste, no tocante à questão sanitária.

Em termos de esgotamento sanitário especificamente, o Brasil estancou no tempo. Aliás, talvez seja mais correto dizer que o Brasil regrediu no tempo, em face dos acanhados recursos aplicados no setor, que vêm decaindo a cada ano, e em face, também, do surgimento, da incidência ou do recrudescimento de numerosas doenças de veiculação hídrica, como diarréias, cólera, esquistossomose, verminoses, hepatite e dengue, entre outras. Não se poderia mesmo esperar situação diversa, quando se apura que somente 27,64 por cento da população brasileira urbana são atendidos pelo sistema de esgotamento sanitário.

Se esses dados da situação brasileira são vexatórios, os que se referem ao Nordeste são escandalosos. Apenas 76 localidades urbanas da região - 70 sedes de municípios e seis distritos - são servidos por esgotamento sanitário. As perspectivas também são mais do que preocupantes: em 1992 havia apenas 59 projetos de esgotamento sanitário, conforme o Catálogo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, em contraposição a 1478 municípios desprovidos desse sistema. Em todo o País, apenas 240 municipalidades, eram servidas por redes de esgoto, de acordo com a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária - ABES, que estimava em 10 bilhões de litros o volume de esgoto despejado diariamente nos cursos d´água. Além disso, dos 23 milhões de metros cúbicos de esgoto sanitário produzidos diariamente, apenas 2 milhões são tratados.

Se a situação nordestina é mais grave do que a média nacional, a situação do Estado de Alagoas é ainda pior. Dos 100 municípios alagoanos, apenas um - a Capital, Maceió - dispõe de sistema de esgotamento sanitário, que é bom salientar, beneficia apenas 175 mil dos seus quase 700 mil habitantes.

A precariedade no setor de saneamento, porém, não se resume ao esgotamento sanitário. A ABES denuncia a existência de 30 milhões de brasileiros que não têm água tratada em casa, e dados do IBGE, citados pelo jornal O Estado de S. Paulo, indicam que 34 milhões de habitantes das cidades brasileiras não são atendidos por coleta de lixo. Além disso, levantamentos indicam que, das 100 mil toneladas de lixo recolhidas diariamente, 75 por cento são jogadas em depósitos a céu aberto. A coleta seletiva e a reciclagem do lixo doméstico somente agora começam a sensibilizar as comunidades e a merecer a atenção, isolada, de algumas autoridades sanitárias.

O Ministro da Saúde, Adib Jatene, abordando certa ocasião a incidência das chamadas doenças diarréicas, resumiu a questão: "Não se trata de deficiência na área da saúde, mas de saneamento. As doenças e as mortes prosperam onde faltam coleta de lixo, tratamento de água, rede de esgotos, comida e habitação".

Não bastasse o aspecto humanístico da questão, que deve ser o preponderante, é consabido que a prevenção de doenças, além de ser mais eficaz, é muito menos onerosa ao Estado do que o tratamento. A ação preventiva, que começa na promoção das condições de saneamento, não requer tecnologia sofisticada, nem equipamentos caros ou recursos humanos de alta qualificação. O Sistema Único de Saúde despende verbas enormes para tratar de pacientes que poderiam facilmente estar imunes a doenças, se dispusessem de água tratada e de esgotamento sanitário. Basta dizer que 65 por cento das internações hospitalares no Brasil ocorrem em conseqüência de doenças transmitidas pela água.

O agravamento das condições de saneamento ambiental no Brasil deu-se com a extinção do BNH, em 1986, e, conseqüentemente, do suporte financeiro do Planasa - Plano Nacional de Saneamento, que chegou a abastecer com água tratada a esmagadora maioria das populações brasileiras urbanas. Estima-se que o Brasil necessitaria investir pelo menos três e meio bilhões de dólares anualmente em programas sanitários, mas os gastos globais não chegam a um bilhão de dólares anuais. Investe-se hoje no setor, com as condições de saneamento agravadas e a população ainda mais concentrada nas grandes cidades, metade do que chegou a ser aplicado anualmente no década de setenta.

Além de verbas escassas, o saneamento ambiental carece de uma efetiva política nacional de saúde. As ações no setor desenvolvem-se atualmente sob a gestão da Secretaria de Política Urbana, do Ministério do Planejamento. No início do ano o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, vetou integralmente projeto de lei que havia sido aprovado nesta Casa Legislativa, em dezembro do ano passado, de autoria da Deputada Irma Passoni.

O projeto de lei instituía a Política Nacional de Saneamento e foi vetado sob a alegação de burocratizar e onerar a ação governamental. Alegou ainda, o Chefe do Executivo, que o referido projeto possibilitava indiretamente a transferência de gastos próprios dos Estados e Municípios para a União, além de gerar conflitos de objetivos com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e a Seguridade Social.

Até agora, entretanto, o Governo Federal não apresentou alternativa ao projeto vetado, em que pese a relevância e a urgência da matéria. A Secretaria de Política Urbana, que desenvolve quatro programas na área de saneamento, admite que o setor ficou desarticulado com a extinção do Planasa. O Ministério da Saúde que também desenvolve ações de Saneamento, infelizmente está limitado a programas dirigidos a regiões mais carentes ou vitimadas por endemias e epidemias.

Ao nosso ver, a atuação governamental na promoção do saneamento ambiental deve ter um comando único, assumido pelo próprio Ministério da Saúde. De qualquer forma, o que não se pode admitir é a manutenção das condições atuais, de uma política desarticulada, sem planejamento, sem conhecimento profundo da realidade epidemiológica e sem a participação das comunidades.

A impressão que se tem, Sr. Presidente, é que o saneamento e a prevenção de doenças ainda não são preocupações prioritárias para nossas autoridades. Enquanto isso, as moléstias continuam matando milhares de brasileiros, como ocorreu em Teotônio Vilela no ano passado, quando 95 por cento dos óbitos de crianças decorreram de doenças causadas por desnutrição e água contaminada. Ao fazer um apelo ás autoridades governamentais para que se empenhem na melhoria das condições de saúde, e, portanto, de saneamento ambiental, conclamo também os nobres Colegas a empunharem essa bandeira, para que possamos reverter o quadro sombrio de miséria, doenças e mortes que vêm flagelando enormes contingentes da população brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 06/09/1995 - Página 15477