Discurso no Senado Federal

PAPEL DA UNIVERSIDADE PUBLICA NO BRASIL.

Autor
Beni Veras (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Benedito Clayton Veras Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • PAPEL DA UNIVERSIDADE PUBLICA NO BRASIL.
Aparteantes
Waldeck Ornelas.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/1995 - Página 4797
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • CRITICA, SISTEMA DE ENSINO, CURSO SUPERIOR, UNIVERSIDADE, BRASIL, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, FORMA, INGRESSO, UNIVERSIDADE FEDERAL, OBJETIVO, GARANTIA, ACESSO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, REFORMULAÇÃO, CONCEITO, AUTONOMIA, ENSINO SUPERIOR, PAIS.
  • SUGESTÃO, PROVIDENCIA, VIABILIDADE, REFORMA UNIVERSITARIA, MODERNIZAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, PAIS.

O SR. BENI VERAS (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) -Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, gostaria de saudar os representantes da universidades federais por ocasião da exposição de suas realizações e projetos nas dependências do Congresso Nacional.

Por outro lado, assisti recentemente na televisão a um filme de responsabilidade da ANDES - Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior -, que, de forma radical e primitiva, dizia que, se a Universidade se tornar paga, em breve estaremos vegetando na idade da pedra.

Não quero deixar passar esta oportunidade que nos oferecem os docentes do ensino superior, sem tecer algumas considerações sobre o papel representado pelas universidades públicas e a responsabilidade que cabe aos seus membros.

Não vacilo em afirmar que, entre as diversas instituições em nosso País, a universidade pública é a que mais tem resistido a processos de atualização por que passamos. Tem-lhe faltado - a ela como instituição e a seus membros como corporação - a visão crítica de nossa sociedade e do papel que deveriam desempenhar na formulação dos novos tempos. Nada é mais frustante do que participar de um debate com a comunidade universitária. Ele começa e termina nos estreitos limites das discussões salariais ou da autonomia universitária, como se o principal papel da instituição fosse manter o seu pessoal, se possível, protegido da visão crítica da sociedade, que nada lhe deveria cobrar. Não se discute sobre o seu custo social, não se faz uma avaliação realista do seu custo-benefício, nem se procura responder à questão que me parece crucial: que tipo de produto a sociedade está recebendo em troca do enorme sacrifício que faz para manter esse mastodonte orçamentário que consome anualmente cerca de R$10 bilhões e que ainda assim se acha freqüentemente a braços com sérios problemas de financiamento?

A primeira dúvida que me ocorre é descobrir qual a lógica de um sistema educacional que nitidamente privilegia o ensino universitário em detrimento da educação básica (compreendida em seus aspectos do ensino fundamental e do médio). A segunda é quanto à justeza de termos um ensino superior gratuito, norma que se tornou dogma de fé da comunidade universitária e de expressivos grupos da esquerda brasileira. Se atinarmos para o fato de que uma enorme parcela do ensino fundamental e a maior parte do ensino médio são pagos, torna-se ainda mais difícil entender esta política.

Acresce a tudo isso o fato de o acesso ao ensino superior se dar pela via do vestibular, antecedido, quase sempre, dos chamados "cursinhos", sempre de alto custo. Aí, chegamos à triste conclusão de que armamos um sistema que retira oportunidade dos alunos de baixa renda, aumentando as chances dos oriundos das classes privilegiadas, que vencem fácil os seus concorrentes, procedentes das classes de renda inferior.

Temos também várias dúvidas quanto à ordem de prioridade que é dada, na universidade pública, aos seus diversos objetivos. Todas elas querem se dedicar simultaneamente à extensão, à graduação e à pesquisa, usando de critérios superficiais para distribuir as verbas entre as três atividades. Na verdade, o indicado, nas condições do nosso País, seria verificar o nível de preparação de cada unidade de ensino, sua disponibilidade de conhecimentos, tudo isso em relação ao meio em que se acha situada, com sua especificidade de demanda, e atribuir a umas a dedicação intensiva em graduação, a outras as atividades de extensão e, por último, às mais maduras, as atividades de pesquisa, extensão e de ensino (graduação e pós-graduação).

A composição desse "mix" seria ditada, portanto, pelo estoque de meios disponíveis e pelas carências e vocações do meio sócio-econômico e ambiental em que se encontrasse situada a unidade. Nas condições de nosso País, com tantas desigualdades, tentar fazer tudo em todas as unidades, me parece uma grande falta de objetividade, além de um enorme desperdício.

Nas condições brasileiras, também ponho em questão se são adequados os atuais níveis de autonomia de que gozam as universidades. Para isso, basta ver a relação de cursos que são ministrados pelas diversas escolas. Razões de prestígio, ou mero desejo de atender a situações clientelísticas, levam-nas a criar ou manter cursos inadequados ou menos necessários ao meio em que se situam.

A este respeito a nossa universidade mantém uma postura olímpica, distante da realidade. Há cursos que não guardam qualquer relação com as necessidades do mercado, nem com os requerimentos sócio-culturais mais amplos, que influenciam na escolha de ocupações e profissões, mas que são mantidos assim mesmo, sem qualquer razão maior.

Acobertados pelo instituto da autonomia universitária, perdemos a oportunidade de montar um sistema integrado, em que as diversas universidades, sobretudo aquelas que oferecem cursos caros (algumas engenharias, certas áreas de saúde, e outras) pudessem funcionar coordenadamente, de modo que as duplicações fossem evitadas. Se o conjunto das universidades federais pudesse ser objeto de uma análise compreensiva e ampla, seguramente o sistema funcionaria com maior eficiência e maior produtividade. Também por trás da autonomia, são montadas estruturas paternalistas, que funcionam no atendimento de interesses menores.

Alguns números a respeito do ensino universitário podem nos ajudar na avaliação de sua eficácia. De uma despesa total com educação de R$8,5 bilhões, o Governo Federal gasta com o ensino universitário em torno de R$6 bilhões. Deste total, cerca de R$1 bilhão é gasto com inativos e R$700 milhões são gastos com hospitais universitários. Além disso, os governos estaduais acrescentam a esta despesa cerca de R$2 bilhões/ano (somente o Estado de São Paulo gasta R$1,2 bilhão). O sistema universitário, como um todo, atende a 1,6 milhão de alunos, dos quais 350 mil nas universidades federais e 100 mil nas estaduais. Cabe ainda acrescentar que cerca de R$1,5 bilhão são alocados por diversas agências públicas (CNPq, FINEP, FAPESP etc.) para fins exclusivos de pesquisa.

A maior parte destes recursos é canalizada para as instituições de ensino superior. No total, é razoável estimar-se em cerca de R$10 bilhões/ano, o investimento nacional em ensino superior para fins de ensino e pesquisa.

Em termos relativos, estes valores são por demais elevados, representando cerca de 2%a do PIB. O investimento público total (União, Estados e Municípios) em educação é de cerca de R$20 bilhões, destinando-se, portanto, a metade para o ensino superior.

Por uma série de razões, os recursos para o ensino superior são alocados de forma a gerar sérias deficiências:

- São distribuídos mediante critérios inerciais ou históricos. Algumas instituições e alguns Estados abocanham mais recursos que outros, independentemente de necessidade, desempenho, qualidade ou outros critérios;

- Há diversos entraves constitucionais, institucionais, legais e administrativos que contribuem para o uso ineficiente dos recursos, como o regime único de pessoal, cargas horárias uniformes, mecanismos de orçamentação distorcidos, entre outros;

Não existe, praticamente, nenhum mecanismo que incentive ou mesmo que permita que um dirigente procure maior eficiência no seu trabalho.

Disso resultam índices baixíssimos de produtividade do sistema, entre os quais se ressaltam:

- O custo médio por aluno/ano é de cerca de U$17 mil, mais que o dobro do custo nos Estados Unidos ou na Europa;

- O Governo Federal poderia estar financiando 1 milhão de alunos a R$5 mil/ano por aluno, se os recursos ora destinados pelo Ministério da Educação às universidades federais fossem alocados diretamente ao alunado e não às instituições. Isto significa que 2/3 dos alunos de todas as instituições de ensino superior poderiam dispor de recursos para financiar seus estudos, ao invés dos 380 mil atualmente beneficiados pelo Governo Federal;

- O tempo médio por aluno é de 8,77 anos, já que o sistema tinha, em 1994, 363.000 alunos para apenas 42.420 formandos. Esse dado é revelador de uma das maiores distorções do sistema, gerada pela gratuidade do ensino, e pelo sistema de créditos adotado em má hora e ainda não revisto por razões que desconhecemos.

- A relação professor/aluno é de um professor para 8,34 alunos, quando nos Estados Unidos essa mesma relação é superior a 20 alunos por professor. Há um funcionário para cada grupo de 3,69 alunos, coeficiente altíssimo, e que resulta do clientelismo imperante no sistema, levando-o, como conseqüência, a consumir 90% dos recursos orçamentários somente com a folha de pessoal.

À primeira vista, poderia parecer que os salários são exorbitantes e que, portanto, deveriam ser contidos. Mas não é isso o que ocorre. Tanto os professores quanto os funcionários têm salários relativamente modestos e que, em muitos casos, deveriam ser melhorados. Acontece que, por falta de uma gestão racional e moderna, os recursos humanos são mal utilizados. Também se permitem liberalidades, ditadas por uma administração que não tem em vista resultados nem é avaliada em função destes. Se fizermos uma análise da utilização dos professores, veremos que um grande número deles, às vezes a maior parte, não freqüenta as salas de aula, nem os laboratórios de pesquisa, achando-se entregue a tarefas menores, quando não dedicados a tratar de interesses particulares.

Nesta questão, acredito que o mal maior é que nossas universidades são administradas de maneira empírica. Os reitores são originários do corpo de professores, produtos de uma eleição em que são levados a assumir compromissos com a corporação. Ao chegarem à reitoria, acham-se prisioneiros de uma ligação indissolúvel com o status quo, sem condições, portanto, de executar as reformas necessárias para a modernização da instituição. Para que a reforma da universidade se torne possível é essencial a mudança dos critérios de gestão, de preferência com reitores profissionais, escolhidos por sua capacidade administrativa, e liberados de compromissos corporativistas. É uma mudança difícil, por seu caráter revolucionário, mas essencial para um processo efetivo de modernização da instituição.

Outro absurdo que precisa ser corrigido é o da aposentadoria precoce dos professores, que hoje se dá com 25 anos para as mulheres e 30 anos para os homens. Este sistema faz com que a vida útil de um professor seja muito curta: se considerarmos o tempo despendido nos cursos de mestrado e doutorado, além das licenças-prêmios, o professor pode entrar na inatividade com apenas 17 anos de trabalho efetivo, no caso das mulheres, e cerca de 22 anos no caso dos homens, e ainda por cima, via de regra, com menos de 50 anos de idade! Convenhamos que isto se configura como um verdadeiro absurdo, até porque um professor com 50 anos de idade está iniciando a fase mais fecunda de sua carreira, e seu desligamento, nesta altura, constitui uma perda, sob todos os aspectos, injustificável. Nas grandes universidades do mundo, os mestres de 60 a 70 anos são os mais valorizados, dada a importância de sua experiência acumulada na longa convivência com seus pares, alunos e pesquisadores, inclusive de outras áreas e especialidades. No nosso caso, a aberração é tão grande que o professor chega a ser estimulado, por meio de um aumento salarial, a se aposentar precocemente, com enorme prejuízo para a instituição de que faz parte.

Nesta comédia de equívocos, alinhamos a injustificável determinação de que o ensino universitário público deve ser indiscriminadamente gratuito. Essa garantia leva ao alongamento desmedido do tempo para conclusão dos cursos, uma vez que nada pune o aluno relapso. Ele leva anos infindos para terminar o seu curso e tem garantida a sua vaga pelo tempo que lhe aprouver. Não se pode alegar que a intenção é ajudar os mais pobres, uma vez que estes têm menor possibilidade de acesso à universidade, a qual, como vimos, respalda um verdadeiro sistema de distribuição de renda às avessas, que começa com a impossibilidade de acesso econômico dos mais pobres aos "cursinhos" de preparação para o vestibular. De fato, o papel do Estado, nesse contexto, é o de reiterar e financiar a exclusão dos mais pobres.

Para superar tais distorções, a orientação mais equânime seria: gratuidade para o ensino fundamental, tanto quanto possível extensiva para o ensino médio, e o ensino universitário pago, com um sistema ampliado de crédito educativo, ao qual teriam acesso os alunos de baixa renda. Dessa forma, os estudantes seriam mais aplicados em seus estudos, e não nos depararíamos com este alto índice médio de tempo de permanência na universidade, de cerca de nove anos.

Por tudo isso, atrevo-me a sugerir que esta Casa se dedique, em suas Comissões de Educação e de Assuntos Sociais, a um exame acurado do ensino universitário, procurando tirá-lo da situação crítica em que se encontra.

Algumas medidas parecem-me maduras para serem implementadas:

1. Ensino universitário pago e utilização dos recursos fiscais assim economizados para a formação de um fundo destinado a financiar os alunos de baixa renda, por intermédio da ampliação do crédito educativo;

2. Cessação da aposentadoria por tempo de serviço, fixando-se em 65 anos a idade mínima para entrar na inatividade e em 70 anos a idade-limite para a aposentadoria compulsória;

3. Classificação das instituições públicas de ensino superior em três categorias: a) as dedicadas exclusivamente à graduação; b) as dedicadas à graduação e extensão; c) as que, por fim, se ocupariam das atividades de ensino (graduação e pós-graduação), da pesquisa e da extensão;

4. Reintrodução do Sistema Seriado (de classes) em complementação ou substituição ao Sistema de Créditos, que se revelou muitas vezes inadequado, sendo um dos maiores responsáveis pela absurda duração do período médio de graduação. (Os alunos seriam jubilados na segunda reprovação. Esta medida contribuiria para a redução do tempo médio despendido na graduação, que deveria se situar em torno de seis anos, o que implicaria uma melhoria de cerca de 30% no aproveitamento do sistema).

O Sr. Waldeck Ornelas - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BENI VERAS - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Waldeck Ornelas - Senador Beni Veras, V. Exª trata de um assunto da maior importância para o País, qual seja, a reforma universitária. Na medida em que estamos vendo esta era da globalização e da informatização, estamos andando em tempo real. A questão da educação é fundamental para o País. A universidade, na sua reforma administrativa anterior, como que atomizou-se. Cada departamento, mais propriamente cada professor, negocia os seus projetos, os seus recursos e com isso a universidade perdeu a sua identidade. Cada universidade em si perdeu a sua identidade e a sua unidade. De outro lado, tramita aqui no Senado um projeto de lei que trata da eleição dos reitores, restabelecendo o peso do magistério no conjunto do colégio eleitoral e estabelecendo como requisitos os dois últimos níveis para que um professor universitário seja reitor. É preciso que se recupere, que se restabeleça a dignidade da reitoria e a dignidade da universidade. Tramita também no Congresso Nacional este projeto que me parece relevante, que me parece significativo, que me parece importante: a proposta mandada pelo Governo que cria o Fundo de Valorização do Magistério e de Ensino Fundamental - os fundos estaduais. Prevê-se com isso a aplicação de uma porcentagem na remuneração do magistério. Isso é muito importante, mas é preciso também ver os desdobramentos. O fato de os Municípios e Estados aplicarem determinados valores nesse fundo terá um reflexo também na tabela de remuneração dos professores de nível médio e de nível superior. É preciso, sobretudo, que essas contas sejam feitas, para que se possam votar e tomar decisões com base em números efetivos e objetivos que se conheçam. Sabemos que, em relação à União, o Governo Federal concentra basicamente as aplicações de recursos fiscais, os seus 18% no ensino superior, dedicando ao ensino fundamental apenas os recursos do salário educação, que deveriam pertencer a Estados e Municípios. Então, de um lado, há a maior necessidade de uma participação de recursos fiscais da União em relação ao ensino fundamental e, de outro lado, há a necessidade de canalizar-se adequadamente a estrutura de gastos dos Estados e dos Municípios com os diversos níveis de ensino. V. Exª, valendo-se da oportunidade desta exposição que as universidades fazem aqui no Salão Negro do Congresso, traz à discussão um tema que é da maior importância e para o qual o Senado não pode ficar de costas. Temos que, efetivamente, aprofundar a discussão desse tema e contribuir para encontrarmos os caminhos por meio dos quais o Brasil possa avançar no setor da educação e da ciência e tecnologia.

O SR. BENI VERAS - Obrigado pelo aparte de V. Exª. Busco neste discurso demonstrar que há muito o que se fazer na organização do ensino universitário. Precisamos pensar nele, porque o País necessita de uma universidade dinâmica e capaz de formar quadros adequados ao nosso desenvolvimento, coisa que muito nos falta.

A iniciativa do Ministério da Educação em dar prioridade ao ensino de 1º grau, como está fazendo agora, parece altamente salutar, mas penso que ele não deve perder a oportunidade de rever a organização do ensino superior, de forma a poder adequá-lo aos novos tempos.

Continuo:

5. Encerramento de qualquer curso que tenha utilização abaixo de 66% (dois terços) de suas vagas, salvo aqueles considerados de interesse público relevante.

6. Mudança na estrutura e objetivos dos cursos de 2º Grau, para que assumam características de empreendimento com caráter de terminalidade, conteúdos práticos e escopo profissionalizante, quando esta for a opção do alunado, em vez de servirem como mera preparação para o exame vestibular.

Em face dos grandes entraves à modernização do ensino universitário, desejo ainda levantar algumas propostas mais gerais, com as soluções que indicaria como mais adequadas em cada caso:

1. Rever e atualizar o conceito de universidade.

O sistema federal de ensino se baseia num conceito único de universidade, compreendendo esta como a instituição que faz ensino, pesquisa e extensão, requerendo, por isso, um corpo de profissionais com elevado nível de titulação e dedicação em tempo integral. Na prática, poucas de nossas universidades federais se qualificariam como universidades, mas apresentam custos de universidades.

Solução:

Alterar a Constituição. Estabelecer diversas categorias de instituições de ensino superior, cada uma com características próprias. Isso poderia contribuir para reduzir os custos de muitas instituições e viabilizar uma melhor alocação de recursos públicos.

2. Redefinir o conceito de autonomia.

O conceito de autonomia universitária definido na Constituição Federal é inadequado e cria distorções indesejáveis. Confunde-se liberdade acadêmica - que deveria ser um privilégio de qualquer instituição de ensino superior - com a liberdade para abrir e fechar cursos, independentemente de autorização específica. Ou seja, o conceito de autonomia é eminentemente cartorial. Em nosso modelo atual, só as instituições denominadas "universidades" (no conceito rígido acima) gozam de autonomia. Daí a pressão crescente do setor privado em criar universidades.

A solução seria rever o conceito de autonomia na Constituição e na legislação que rege o ensino; aplicá-lo onde for devido, tanto a instituições públicas quanto privadas; concentrar o papel do Governo (sobretudo pela ação compartilhada entre o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação) não no cartorial controle das vagas, mas no controle de qualidade, por meio de critérios substantivos; no caso das instituições públicas, dotá-las de regras e incentivos que permitam uma gestão eficiente de seus recursos patrimoniais, financeiros e humanos (autonomia administrativo-financeira).

3. Atualizar as regras de pessoal.

A Constituição de 1988 unificou o regime do trabalho dos professores das instituições federais de ensino superior; criou a aposentadoria aos 30 e 25 anos de serviço. Além disso, a legislação prevê vencimentos e vantagens iguais para pessoal da ativa e os inativos.

Solução:

Eliminar o Regime Jurídico Único e as aposentadorias especiais; permitir que as universidades federais tenham regras próprias de pessoal e remuneração, dentro de limites gerais.

4. Repensar a formação médica.

Os hospitais universitários representam um enorme volume de esforço, atenção e custo para as universidades federais. Tal como concebidos e operados, apenas marginalmente relacionam-se com a necessidade estrita da formação de médicos.

Solução:

Repensar a função, estrutura e custeio dos hospitais universitários, bem como alternativas para a formação médica; na pior das hipóteses, separar o custeio dos hospitais de tal forma que apenas os custos educacionais e de pesquisa recaiam sobre o orçamento da educação.

5. Aprimorar os mecanismos de financiamento.

Os mecanismos de financiamento atualmente utilizados pelo Governo Federal/MEC geram enormes distorções. Baseiam-se em critérios históricos e inerciais, não ponderam devidamente o esforço de pesquisa e não possuem nenhuma relação com a qualidade. Além disso, praticamente todos os recursos destinam-se ao financiamento das instituições federais de ensino, reservando apenas R$200 milhões para o programa de crédito educativo e alguns poucos recursos para a formação de mestres e doutores provenientes de instituições privadas.

Solução:

Promover alterações na Constituição Federal e nos mecanismos de financiamento.

Algumas sugestões:

a) permitir e estimular a cobrança de matrículas e taxas;

b) ampliar e estender o crédito educativo a estudantes de universidades públicas e privadas;

c) transformar o atual mecanismo de financiamento de instituições em um mecanismo de financiamento ao aluno, de maneira a incentivar a eficiência e qualidade;

d) estabelecer linhas de financiamento de longo prazo para investimentos pelas instituições públicas e privadas, com ou sem retorno;

e) envolver as instituições federais de ensino superior no processo de planejamento integrado do desenvolvimento dos Estados em que elas se encravam, abrindo espaços para que estes participem do custeio daquelas;

f) criar fontes estáveis para o financiamento da pesquisa.

Tenho consciência de que as propostas aqui sugeridas encontram fortes resistências em vários grupos da sociedade e são de difícil implementação. Por isso, antes de concluir, alinho algumas idéias sobre as razões que estão na base dessas resistências e que podem até explicá-las, mas dificilmente as justificam:

A situação do financiamento da educação no Brasil repete o padrão de desigualdade de distribuição de renda. Como os recursos são escassos, a diretriz governamental para emprestar prioridade ao ensino fundamental esbarra na dificuldade de um profundo rearranjo na forma de financiar o ensino superior. Independentemente da realocação intersetorial de recursos, no entanto, as próprias distorções do financiamento do ensino superior requereriam alterações mais profundas do que aquelas que as elites estão preparadas para considerar. Ou seja, parte-se do pressuposto de que o que está aí deve ficar como está e qualquer alteração deve tomar essa realidade como ponto de partida. Essa postura, embora majoritária, possivelmente é insustentável, tendo em vista as restrições fiscais.

Predomina no País, mesmo dentro do Governo, uma mentalidade cartorial e burocrática e um espírito de tutela governamental sobre a sociedade em geral e particularmente sobre o setor privado, no caso do ensino superior. Oferecer ensino é visto como uma concessão do poder público. Predomina, também, um mito a respeito do que deva ser uma universidade. Isso prejudica pensar e abrir novas formas de ensino pós-secundário.

Inexiste, no Território Nacional, experiência e tradição com mecanismos e instrumentos substantivos de controle de qualidade. Perdura, dessa forma, a velha prática do extinto Conselho Federal de Educação, associada às distorções que dele decorrem, ao adotarem-se critérios eminentemente formais de avaliação, que redundam ou no formalismo, ou na corrupção, ou em ambos.

As reformas que afetariam as universidades federais dependem de modificações mais amplas na Constituição, nas leis e na atitude do Legislativo e do Executivo em relação à autonomia que deve ser outorgada a essas instituições. Até que isso ocorra, haverá uma paralisia no setor. O MEC, em vista disso, terminará por ser tragado pela insaciável demanda das folhas de pagamento das universidades federais.

Existe forte reação à idéia de que alunos das instituições públicas de ensino superior devem contribuir financeiramente para a sua formação. Até mesmo acabar com restaurantes universitários, que subsidiam refeições para estudantes universitários, ainda encontra fortes resistências.

Apesar de antever todas estas dificuldades, acho que não posso me furtar ao dever inalienável de chamar a atenção desta Casa para este problema que me parece um dos mais relevantes de nossa Nação.

Não faltam recursos para a educação, atrevo-me a afirmar. Falta, sim, racionalidade no sistema educativo, que, por ser indispensável ao atual processo de modernização do País, não pode continuar sendo território exclusivo das corporações que, reacionárias, hoje o dominam. A educação é um problema grande demais para ser deixado aos cuidados apenas dos educadores. Ela tem que ser encarada como o grande instrumento para a construção do Brasil com que todos sonhamos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/1995 - Página 4797