Discurso no Senado Federal

RESULTADOS PRATICOS DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL.:
  • RESULTADOS PRATICOS DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/1995 - Página 4805
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, HISTORIA, ECONOMIA, OCORRENCIA, INTERNACIONALIZAÇÃO, PRODUÇÃO, FINANÇAS, PAIS, MUNDO, REALIZAÇÃO, GRUPO ECONOMICO, MERCADO COMUM EUROPEU, ACORDO DE LIVRE COMERCIO DA AMERICA DO NORTE (NAFTA).

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nas etapas da história em que se pronunciam com vigor as transformações sócio-econômicas e políticas, os acontecimentos recentes deixam de corresponder àquilo que, na mente das pessoas, são modelos aparentemente imutáveis. As sociedades humanas sofrem mudanças profundas, porém muitos custam a aceitar como definitivo o novo formato das coisas.

Na evolução da economia mundial, a predominância das atividades agrárias durante milênios acabou cedendo lugar à era da civilização industrial, que alterou em seus fundamentos a organização da sociedade humana. Ali onde a energia mecânica e elétrica substituiu a força física do homem, as transformações estruturais fizeram ruir os pilares do modelo econômico anterior, baseado na atividade agropecuária.

A indústria provocou a transferência de excedentes demográficos do campo para as cidades, capacitou o homem a conviver com um estilo de produção inteiramente diverso e demoliu concepções do mundo fundadas em hipotética imutabilidade da vida rural. A vida social e política evoluiu a ponto de fazer desaparecer a identidade do modelo passado.

A atividade industrial, Sr. Presidente, concentrou massas de pessoas na zona urbana para atender às suas exigências; substituiu o relógio do Sol pelo relógio de ponto, rigoroso nas sanções contra atrasos; estabeleceu o regime de competição entre empresas e entre países; deu origem a guerras e chegou a desembocar em regimes políticos de propriedade coletiva, em lugar da propriedade individual, base da liberdade humana.

A marcha das atividades econômicas na busca de um formato planetário único se faz acompanhar de avanço da interdependência em grau tão elevado, que suprime o isolamento característico da vida das nações até anos depois de finda a segunda guerra mundial. Com a assinatura do Tratado de Roma, em 1957, a criação do Mercado Comum Europeu representou o grande passo na direção da União Européia, que hoje funde tantas soberanias nacionais. A U.E. constitui um bloco econômico e político que hoje comparece a assembléias internacionais com uma só delegação, uma só bandeira, em lugar das quatorze que distinguem as nações que a integram.

Movimento semelhante começou a ocorrer na parte setentrional de nosso hemisfério, depois de concluído o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio, NAFTA, inicialmente formado pelos Estados Unidos e o Canadá e agora incorporando também o México.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, no Extremo Oriente, interesses econômicos bem pronunciados fazem surgir, sob liderança nipônica, a nova Esfera de Co-Prosperidade, cujo caráter pacífico facilita a transferência de tecnologia e leva o progresso industrial a grande número de países. O Japão era a grande estrela solitária, antes do aparecimento dos chamados tigres asiáticos: Taiwan (Formosa), Coréia do Sul, Hong Kong e Cingapura. Agora surgem, com a mesma inclinação exportadora e com predominância da iniciativa privada, a Tailândia, a Malásia e a Indonésia, arrastando até mesmo o Vietnã.

Mais de dois terços do comércio mundial e a quase totalidade das transações financeiras, que nos permitem falar em globalização, realizam-se entre os grandes blocos econômicos. À medida que novos países aderem aos blocos existentes, sobram cada vez menos nações de relativa expressão econômica fora do grande cenário onde a perda de soberania se faz acompanhar de capacitação tecnológica e exuberante enriquecimento das nações participantes.

A globalização modifica a estrutura do comércio, expande em escala antes inimaginável as transações financeiras e provoca a minimização do poder de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Em seminário internacional recente, realizado no meio universitário paulista, cientistas sociais do País e do Exterior associaram a progressiva perda de identidade nacional e o fim do Estado-Nação à queda do Muro de Berlim e ao colapso da União Soviética.

O diagnóstico peca pela falta de exatidão. A procura da unidade européia se pronunciou desde os primeiros anos do pós-guerra. Em 1952, a formação da Comunidade do Carvão e do Aço exprimiu o desejo franco-germânico de uma plataforma de interesses comuns. Não é de agora que as nações de toda a Europa Ocidental trilham o caminho que leva à unidade. Seja no que hoje se reconhece como União Européia, seja na Associação Européia de Livre Comércio, as nações do Ocidente europeu há mais de quatro decênios se revelam animadas do propósito de formar um bloco econômico e político.

Na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade de Marília, SP, realizou-se, o Seminário Internacional sobre Globalização, Regionalização e Nacionalismo. O noticiário diz que o conclave contou com a participação de cientistas sociais, filósofos, sociólogos, economistas e historiadores ligados à várias instituições do Brasil, França, Estados Unidos e Itália.

Como definiu um dos oradores, "seminários como esses se justificam no momento em que a internacionalização da produção e das finanças força os Estados nacionais a reverem sua soberania".

Um dos oradores principais do evento, o sociólogo Octavio Ianni, da Unicamp, afirmou que o mundo está diante de uma ruptura histórica de grandes proporções. Acrescentou que o processo de globalização não é simplesmente econômico, mas também social, político e cultural. "Esta abrangência causa uma problemática dolorosa provocando perda de identidade, fragmentação e agravamento das contradições sociais nas nações", frisou o professor da Universidade de Campinas.

Por sua vez, o economista Gilberto Dupas, do Instituto de Estudos Avançados da USP, declarou que "infelizmente o mundo caminha para uma globalização irreversível de sua economia". Referindo-se aos resultados práticos do processo de globalização, o professor Dupas disse que, ao mesmo tempo que aglutina o maior número de nações, a economia moderna "condena um grande contingente da população à margem da sociedade de consumo, rumo à miséria".

Já o historiador Jacob Gorender manifestou a opinião de que o Estado, como nação, corre o risco de perder suas funções neste mundo globalizante. O capital financeiro atual cria instabilidades, impossibilitando o Estado de interferir, pois "o processo é desigual e afeta desigualmente a todos". Em sua avaliação "teremos países cada vez mais ricos e outros, como o Brasil, cada vez mais pobres".

Não se pode esperar o reinado das opiniões unânimes diante do movimento da economia mundial na realização das operações de caráter global. Na verdade, as transações financeiras internacionais, aceleradas pelas novas tecnologias que revolucionam as telecomunicações, ainda não podem ser consideradas como a globalização integral das economias dos vários continentes. Ainda falta muito para isso.

Sr. Presidente, a Organização Mundial de Comércio, sucessora do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), enfrenta sérias divergências entre os grandes blocos econômicos, assim encarados, e entre nações isoladas. Os problemas tarifários, os conflitos entre diferentes sistemas tributários e as cotações flutuantes das moedas indicam que a globalização ainda exige muitos ajustes e complementos para atingir um estado que tenha o significado de unidade harmônica.

Mas não deixa de ser visto como fenômeno excepcional, num mundo que há apenas quarenta anos vivia em compartimentos estanques, esse movimento que agita os mercados de diferentes países e se traduz em cifras estonteantes. Muitos trilhões de dólares aparecem diariamente nos painéis das bolsas de valores, mercadorias e futuros, no quadro dos mercados de balcão ou nas seções próprias dos jornais especializados de todos os grandes centros financeiros do mundo.

Não se pode restringir a camadas intelectuais de esquerda a dificuldade em entender o significado e o sentido da mudança que ocorre no mundo de hoje. O sociólogo, cientista político e futurólogo Alvin Toffler relata que, reunindo professores universitários de diferentes disciplinas, na Casa Branca, o então presidente George Bush indagou dos presentes se eles acreditavam no desaparecimento da indústria de transformação, como se costumava propalar.

Coube a Alvin Toffler dar um esclarecimento importante. Disse ela que a agricultura norte-americana, que em tempos passados empregava a maior parte da população economicamente ativa dos Estados Unidos, havia reduzido a dois por cento do total a sua força de trabalho. Mas, empregando um contingente tão reduzido, a economia agrícola do país havia reunido uma capacidade de produção assombrosa. Na realidade, a agricultura americana pode inundar o mundo com seus produtos. Essa capacidade produtiva vem sendo controlada pelo governo, mediante quotas de produtos que o poder público concorda em adquirir de cada agricultor.

Esclareceu a socióloga que o mesmo fenômeno se deveria esperar da indústria manufatureira. Reduzindo progressivamente o seu contingente de trabalhadores, a indústria apresentava capacidade de produção cada vez maior.

Esse é um desenvolvimento sócio-econômico que deve inquietar os pensadores de esquerda. Pois, se a estratégia política marxista deposita na classe operária a sua esperança de mudar o sistema político, parece claro que a contínua redução do número de operários industriais não pode deixar de afetar a especulação esquerdista sobre o futuro da humanidade.

E no setor manufatureiro das nações de vanguarda, verificam-se distinções que aprofundam a aludida inquietação. Dentro das empresas industriais assume posição que tende a predominar a camada de trabalhadores que cuidam de tarefas altamente especializadas. Os operadores de máquinas de controle numérico são engenheiros que costumam freqüentar seguidos cursos de especialização. Pois a isso leva o constante avanço das tecnologias aplicadas à produção industrial. Desse modo, a reciclagem da mão-de-obra se constitui em parte importante das relações humanas dentro das fábricas, nos países de economia evoluída.

Essa transformação do operariado em classe média cria embaraços a um pensamento cuja formulação tem como espinha dorsal o hipotético caráter revolucionário da classe trabalhadora empregada na indústria.

Não parece fácil, portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aceitar a formação dos grandes blocos econômicos, a realização da maior parte do comércio internacional entre esses blocos e a expansão das transações financeiras em escala mundial. As pessoas nascidas após a segunda guerra mundial são contemporâneas da mudança. Construíram seus sistemas de idéias à luz de ensinamentos que refletiam realidades superadas antes mesmo de nascerem. De modo que representa esforço ingente a substituição de idéias arraigadas por novas concepções das relações internacionais num mundo de geografia econômica que se distingue pela renovação ininterrupta. As práticas de um passado que data da segunda metade deste século não mais se identificam com o funcionamento da economia mundial neste fim de milênio.

Basta dizer que os derivativos, na escala crescente em que se negociam, se confundem com as novidades do processamento eletrônico de dados, cujo avanço, nos últimos dez anos, causam os assombros da telemática, da multimídia, da robótica e dos processo industriais revolucionários.

Não há dúvida, Sr. Presidente Srªs e Srs. Senadores, que se torna necessária uma grande flexibilidade intelectual para não se cair em posições extremas. A condenação em bloco dos avanços sócio-econômicos, que ocorrem no mundo, reflete apego a modelos de raciocínio já vencidos pelo advento de nova era na evolução histórica de todas as nações do universo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/1995 - Página 4805