Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A AIDS, A PROPOSITO DO TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA PRIMEIRO DE DEZEMBRO, DO 'DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA A AIDS'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • REFLEXÕES SOBRE A AIDS, A PROPOSITO DO TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA PRIMEIRO DE DEZEMBRO, DO 'DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA A AIDS'.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/1995 - Página 4802
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, EPIDEMIA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), MUNDO, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, LUTA, COMBATE, DOENÇA TRANSMISSIVEL.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a celebração, no dia primeiro de dezembro, do Dia Mundial de Luta Contra a AIDS impele-nos a uma necessária reflexão a respeito dessa que já é apontada como a principal pandemia deste século.

           A doença, identificada há não mais de quinze anos, vem-se alastrando com velocidade assustadora. Dados recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS) estimam o número de pessoas infectadas pelo HIV no planeta em dezenove e meio milhões, dentre as quais um milhão e meio de crianças. O mais alarmante, porém, é a projeção de que esse número mais que duplicará nos próximos cinco anos! No ano 2000, serão quarenta milhões de pessoas infectadas no mundo inteiro! E, como sempre acontece, o ônus mais pesado será suportado pelos pobres: nada menos de noventa por cento dessas quarenta milhões de vítimas estarão nos países em desenvolvimento!

           Muito embora o aparecimento da doença possa tardar vários anos após o momento da contaminação, quando ela se manifesta o desfecho é um só e inevitável: a morte.

           Trata-se de um vírus particularmente insidioso e de difícil combate.

           No que tange às defesas orgânicas naturais, o irônico e perverso é que o HIV dirige-se exatamente contra elas. Enquanto que contra outros agressores -- ainda que potentes -- o organismo conta com a reação do sistema imunológico, na infecção pelo HIV tudo torna-se mais difícil, pois o efeito mais pernicioso do vírus é, exatamente, a drástica diminuição das defesas imunológicas. Assim sendo, além da impotência do organismo para curar-se da própria AIDS, o paciente resta indefeso contra uma infinidade de outras moléstias, que passam a manifestar-se sucessivamente e a agravar-se progressivamente. Essa escalada crescente e repetida de agressões leva o indivíduo a um estado de extrema debilidade e enormes sofrimentos. Via de regra, o alívio da morte só vem após intenso penar.

           No que concerne ao combate que a ciência moderna vem-se esforçando em dar à doença, as dificuldades também têm-se mostrado portentosas. Muito embora todos os países tenham-se engajado na pesquisa da síndrome, buscando intensamente o desenvolvimento de uma vacina e de terapêuticas eficazes, os resultados, até o presente, não podem ser qualificados de muito animadores. É bem verdade que a massa de informações produzida acerca do vírus e da doença é imensa, mas, apesar disso, estamos ainda a cinco anos, no mínimo, da aprovação de uma vacina, e as drogas que vêm sendo usadas na terapêutica têm sua eficácia freqüentemente questionada pela comunidade científica.

           A dificuldade para o desenvolvimento de uma vacina reside principalmente na grande variação genética do vírus. Os pesquisadores já apuraram que a variação pode chegar a trinta e cinco por cento em relação à proteína que forma a membrana do HIV, a gp120, alvo dos anticorpos anti-HIV.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           Como vimos anteriormente, as estimativas são da ordem de dezenove e meio milhões de pessoas infectadas pelo HIV em todo o mundo. A maior parcela delas encontra-se no continente africano, onde os infectados são cerca de onze milhões. No entanto, a maior velocidade de propagação da AIDS, atualmente, é encontrada no Sul e Sudeste da Ásia, que já conta com três milhões de portadores do vírus. Dentre os infectados no mundo inteiro, quatro e meio milhões já desenvolveram a doença.

           No Brasil, também, a situação é muito preocupante, visto que ocupamos o quarto lugar mundial em número de casos de AIDS. É verdade que, se relativizarmos esse dado, levando em conta a população do País, nossa colocação cairá muito. Em termos de percentagem da população contaminada, estamos em quadragésimo oitavo lugar no mundo. Ainda assim, trata-se de um grave problema de saúde pública, do qual não podemos descuidar.

           O número de casos da doença notificados, desde 1980, chega a quase sessenta e oito mil, mas as autoridades da área avaliam que o número total de casos no País já pode estar em noventa e um mil, levando-se em consideração que, seguramente, muitos casos não chegam a ser notificados. Nesses quinze anos desde seu aparecimento, a doença já matou mais de vinte e cinco mil pessoas, representando trinta e sete por cento dos doentes notificados ao Ministério da Saúde. Quanto ao número de pessoas infectadas, a estimativa do Ministério da Saúde é de quatrocentas e cinqüenta mil.

           A proporção, em nível nacional, levando-se em conta apenas os casos notificados, é superior a quarenta e oito pessoas acometidas pela AIDS em cada grupo de cem mil habitantes. Já em São Paulo, a unidade da federação mais atingida pela epidemia, essa proporção é de 124 doentes para cada cem mil habitantes, enquanto que no Rio chega a oitenta e um para cem mil.

           No que tange à distribuição por sexo, a tendência que se tem verificado nos últimos tempos é do grande aumento da incidência da doença entre as mulheres. Em 1984, tínhamos uma proporção de uma mulher para cada quarenta e quatro homens atingidos pela AIDS. Hoje, para cada mulher há cerca de cinco homens. Como se pode ver, o mito absurdo de que se tratava de uma doença de homossexuais caiu completamente por terra. Cada vez mais deparamo-nos com mulheres infectadas pelo HIV, inclusive donas-de-casa casadas e fiéis que são contaminadas por seus maridos. Por outro lado, esse forte avanço da epidemia entre as mulheres já fez surgir a tese da terceira onda: a partir de agora e nos próximos anos, as mulheres estariam deixando a condição de vítimas da contaminação pelos homens e passando ao papel de disseminadoras do vírus.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           Como se pode ver, essa terrível moléstia propaga-se também entre a população brasileira, e motivos para que nos preocupemos com isso não faltam. A toda evidência, o custo da epidemia deve ser medido, em primeiro lugar, em relação ao sofrimento dos doentes e de seus familiares. Mas além desse custo direto, há custos derivados.

           Nos últimos tempos, começamos a defrontar-nos com o doloroso problema dos órfãos de pais portadores do vírus da AIDS. No ano 2000, segundo a OMS, entre cinco e dez milhões de crianças em todo o mundo terão perdido a mãe ou o pai por causa da AIDS.

           Há um outro custo acessório que, em um país pobre como o nosso, acaba também representando sofrimento humano, via agravamento das carências. Refiro-me aos prejuízos que a epidemia traz para a economia. Nos países ainda não industrializados, ou em processo de industrialização, a AIDS ameaça diretamente seu desenvolvimento. Em função da prevalência da síndrome nas faixas etárias mais jovens, milhares de pessoas são forçadas a abandonar seus empregos quando estão na idade mais produtiva. Outras sequer chegam a ingressar no mercado de trabalho. Nosso Ministério da Saúde estima que a AIDS, ao atingir mais de meio por cento da população na faixa de quinze a sessenta anos, causa ao País perdas superiores a dois e meio bilhões de reais por ano. A Tailândia, por seu turno, avalia em onze bilhões de dólares o custo da epidemia de AIDS até o ano 2000.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           Se a moléstia causa tantos e tão grandes sofrimentos àqueles que por ela são acometidos; se resulta fatalmente em óbito, deixando muitas vezes a seqüela de crianças órfãs; se prejudica o desenvolvimento das nações, com isso agravando as já dramáticas carências sociais; se a descoberta de uma vacina ou de uma cura é ainda uma perspectiva remota; o que se pode fazer de imediato para limitar ou até sustar a expansão da epidemia?

           A resposta está na ponta da língua de qualquer pessoa medianamente informada: prevenir!

           A prevenção contra o vírus é ainda a melhor arma de que dispomos para enfrentar a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. No que respeita à transmissão sexual do HIV, temos no preservativo masculino um instrumento muito eficaz para bloqueá-la. Observe-se que, usado corretamente, o preservativo é eficaz em noventa e cinco por cento dos casos, índice superior ao garantido por qualquer vacina utilizada contra qualquer doença. No Brasil, contudo, além das objeções de ordem cultural, existe um empecilho bastante concreto à disseminação do uso da "camisinha": o preço. Ele é muito elevado, tornando o produto inacessível às camadas menos favorecidas da população, nas quais o vírus tem-se disseminado com grande velocidade. O Governo deveria empenhar-se em aumentar a distribuição gratuita de preservativos e em tentar baixar seu custo.

           Para prevenir a contaminação via transfusão sangüínea, dispomos da testagem dos doadores, instrumento que, felizmente, os cientistas conseguiram concretizar há mais de dez anos. Desde então, a eficácia dos testes vem sendo comprovada na prática, com o declínio radical da contaminação por essa via, a tal ponto que hoje esse já pode ser considerado como um problema resolvido. Transfusão com sangue contaminado, atualmente, só poderá ocorrer em caso de negligência do pessoal de saúde.

           Quanto à disseminação do vírus entre usuários de drogas injetáveis, o melhor meio para limitá-la é a distribuição de seringas descartáveis. Não encontra qualquer justificativa o temor de que essa medida poderia representar estímulo ao uso de drogas. Não se trata disso, mas sim de uma necessidade de caráter estritamente sanitário. Nos locais onde adotou-se essa prática, os resultados foram altamente satisfatórios, com acentuada queda nos índices de contaminação desse grupo de risco.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           O Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS do Ministério da Saúde realizou, alguns meses atrás, pesquisa para avaliar a campanha de publicidade que havia pouco se encerrara, intitulada Quem se ama se cuida. Os resultados dessa pesquisa indicaram claramente um bom nível de informação a respeito das formas de contágio e de prevenção, mas um baixíssimo nível de adoção das medidas preventivas. Em outras palavras, existe informação mas não uma efetiva conscientização. Segundo Lair Guerra, coordenadora do Programa,

"Eles conhecem o mecanismo de prevenção, mas não se previnem, ou seja, sabem que o preservativo protege e não usam, que devem ser fiéis e não são (...) Nosso maior desafio é diminuir a dicotomia entre o que as pessoas sabem e o que as pessoas fazem".

           Ora, se as pessoas conhecem as medidas preventivas e não as adotam, provavelmente assim agem por não estarem bem conscientizadas quanto às altas probabilidades de contágio, exercendo o velho e fácil raciocínio de que "comigo isso nunca vai acontecer"; ou talvez não estejam bem conscientizadas das terríveis implicações da doença. De um jeito ou de outro, fica evidente que está faltando conscientização, a qual representa um passo além da mera informação.

           Aprofundar a conscientização a respeito da doença, do sofrimento que ela envolve, da alta probabilidade do contágio no caso de relação sexual com pessoa infectada ou uso de seringa contaminada. Esse é, sem dúvida, o caminho para combater a dicotomia apontada pela pesquisa antes mencionada.

           Nessa medida, queremos saudar a persistência das autoridade do Ministério da Saúde, que não cessam de investir em novos programas informativos e conscientizadores. É com satisfação que registramos o lançamento, por ocasião deste Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, de uma nova campanha especialmente orientada para os estudantes brasileiros, público que foi escolhido em virtude de se ter detectado uma elevação do número de casos de AIDS nessa faixa etária.

           Trata-se de um programa de educação à distância que busca atingir nada menos de trinta mil escolas e vinte e um milhões de estudantes com informações a respeito da prevenção da AIDS. O programa, em cujo projeto a equipe especializada está engajada há dois anos, incluirá a distribuição de manuais diferenciados para professores, programadores de currículos e alunos, bem como a exibição de dez vídeos educativos sobre o tema. A meta para 1997 é atingir cento e oitenta mil escolas. Na opinião da Dra. Lair Guerra, "É o projeto mais bonito e completo do ministério sobre o tema."

           Paralelamente, o Ministério está desenvolvendo programa de treinamento de adolescentes para atuar como agentes de saúde. O projeto já treinou o considerável número de três mil e seiscentos monitores adolescentes desde março deste ano, os quais receberam de cento e oitenta técnicos as orientações que repassarão a setenta e dois mil outros jovens em todo o País. Cada um dos monitores recebe um "kit" composto de uma mochila, uma camiseta, um "gibi" com informações sobre prevenção de AIDS e, ainda, "camisinhas". Num demonstrativo de que excelentes iniciativas podem ter custo baixo, o programa, dirigido a jovens de treze a dezenove anos de dez Estados brasileiros, custou ao Ministério apenas duzentos e cinqüenta mil reais.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           A AIDS é um inimigo tenebroso que, por enquanto, só podemos combater pela via da prevenção. Investir mais e mais na conscientização da população; engajar a comunidade na tarefa de multiplicar as informações. Essa é a única maneira de diminuir a disseminação da epidemia. Esse é o dever do Governo Federal.

           Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/1995 - Página 4802