Discurso no Senado Federal

RELATORIO DA VIAGEM DE S.EXA. E DO SENADOR NEY SUASSUNA, EM MISSÃO OFICIAL, PARA PARTICIPAREM DA REUNIÃO ANUAL DO FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL E DO BANCO MUNDIAL.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • RELATORIO DA VIAGEM DE S.EXA. E DO SENADOR NEY SUASSUNA, EM MISSÃO OFICIAL, PARA PARTICIPAREM DA REUNIÃO ANUAL DO FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL E DO BANCO MUNDIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/1995 - Página 1805
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, RELATORIO, VIAGEM, ORADOR, MISSÃO OFICIAL, PARTICIPAÇÃO, DELEGAÇÃO BRASILEIRA, REUNIÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, SISTEMA, FINANÇAS, MUNDO.
  • COMENTARIO, OBJETIVO, CRIAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL.
  • COMENTARIO, DISCUSSÃO, REUNIÃO, NECESSIDADE, URGENCIA, AUMENTO, RECURSOS FINANCEIROS, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL, DESTINAÇÃO, SOLUÇÃO, CRISE, SISTEMA, FINANÇAS, MUNDO.
  • SOLICITAÇÃO, INCLUSÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REUNIÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL.

            O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho à tribuna cumprir uma decisão que esta Casa adotou ao exigir dos Senadores que se ausentam do País em missão oficial a apresentação de um relatório em seu retorno.

            Estive ausente do País há alguns dias, designado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e, posteriormente, pela Mesa do Senado para integrar a delegação brasileira que participou da reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial e empresas pertencentes ao grupo do Banco Mundial, em companhia de V. Exª, Sr. Presidente, que hoje, para minha alegria, comanda esta sessão no momento em que presto contas de nosso trabalho.

            Passarei às mãos de V. Exª o relatório, que contém, em sua parte inicial, a relação das instituições que participaram do encontro: Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, International Finance Corporation, International Development Association, International Centre for Settlement of Investment Disputes, Multilateral Investment Guarantee Agency.

            A delegação brasileira, chefiada pelo Ministro da Fazenda, incorporou-se à reunião, que se instalou às 10h da manhã no Sheraton Washington Hotel e se encerrou no dia 12.

            Uma nota breve sobre as instituições: O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento - são instituições especializadas das Nações Unidas, criadas simultaneamente como organizações paralelas e complementares na Conferência das Nações Unidas sobre assuntos monetários e financeiros de Bretton Woods, em 1944.

            O FMI foi instituído para promover a cooperação monetária internacional e facilitar a expansão e o equilíbrio do comércio internacional. Tem sido uma instituição objeto de grandes críticas, que decorrem do que se considera a sua intervenção nos assuntos internos e na área econômico-financeira.

            Mas essa intervenção precisa ser compreendida. É que, além das obrigações que assumem de adquirir quotas do FMI ao se incorporarem a ele, os Estados obrigam-se a prestar informações amplas que habilitem os demais Estados-Membros a, devidamente informados do que se passa em todos eles, tomar medidas próprias, soberanas, acauteladoras dos seus interesses quando as medidas tomadas em um Estado possam prejudicar os interesses de outro.

            Daí a obrigação que assumem todos os Estados-Membros de oferecer ao Fundo Monetário o acesso necessário às suas contas e às suas políticas internas.

            O Banco Mundial, criado no pós-guerra, além dos seus objetivos permanentes de apoio ao desenvolvimento de nações economicamente deprimidas, teria como principal responsabilidade o financiamento da reconstrução dos países atingidos pela Segunda Grande Guerra.

            No decorrer da reunião, dois grandes temas de natureza interna operacional dominaram as preocupações. Os dois temas, na realidade, representam um só, que é a necessidade da ampliação dos recursos do FMI e do Banco Mundial a partir do momento em que as mudanças ocorridas na economia mundial podem determinar - como determinaram, no final do ano passado, com a crise mexicana - a necessidade de uso, em caráter de emergência, de recursos imprevistos - como foi o caso do México -, que precisam existir para serem mobilizados com relativa facilidade no momento em que situações de anormalidade se estabelecerem no mercado mundial.

            Por outro lado, além das preocupações em torno dos seus próprios recursos, havia uma preocupação de viabilizar recursos para os países mais atrasados do mundo, que não estão em condições de pagar os seus débitos e que precisam dramaticamente de recursos adicionais. Esses recursos são proporcionados por uma das subsidiárias do Banco Mundial, que é precisamente a Associação Internacional para o Desenvolvimento, que capta recursos dos chamados países doadores e os transfere, sob a forma de empréstimos sem juros, cobrando apenas uma taxa anual de serviço de 0,75%, por longo prazo.

            O problema é que os recursos da Associação não estão sendo pagos pelos países doadores, bastando informar a esta Casa que os Estados Unidos da América, por razões orçamentárias que estão alegando, recolheram até agora pouco mais de 60% dos recursos que contratualmente deveria ter transferido para a Agência a título de custeio dos recursos para proporcionar os chamados soft-loans.

            Foi, portanto, uma reunião de extrema importância, a que compareceram todos os países-membros do FMI e do Banco Mundial, num total de 179. Estavam lá presentes Ministros, estavam lá as maiores autoridades desses países, tendo, inclusive, o Presidente da República dos Estados Unidos comparecido pessoalmente à reunião e lá proferido um discurso sobre a posição americana em relação às grandes questões que estão em marcha.

            É claro que no centro de toda a temática, o grande discurso que se universaliza hoje é o da necessidade de se reconhecer que o processo de globalização, de internacionalização da economia mundial é um processo que ganhou momentum, que ganhou impulso próprio, e que, por haver ganho esse impulso próprio, cada nação, já que nenhuma delas está em condições de deter esse processo, precisa encontrar formas de se ajustar a essa nova realidade.

            Um aspecto que consideramos importante neste relatório - e devo dizer, como espero ter dito no início, que falo em meu nome e em nome do Senador Ney Suassuna - é o da nova imagem do Brasil no exterior, que é perceptível sob todos os aspectos.

            Eu prefiro, agora, ler um trecho do relatório:

            Até há bem pouco tempo o Brasil era visto como responsável por uma dívida externa considerada impagável, dominado por uma inflação invencível e assaltado por lideranças corruptas e incompetentes.

            Hoje, entretanto, o Brasil é outro aos olhos de todos. É o Brasil que conseguiu:

            - criar e emitir uma nova moeda, adotando medidas, com prudência e firmeza, que foram capazes de garantir a sua estabilidade como padrão monetário;

            - dominar uma inflação crônica, cujo ímpeto devorador de 7.000% anuais reduziu-se aos níveis atuais, ao redor de 2% mensais;

            - transformar a questão da dívida externa em um problema do passado, já que estamos cumprindo as nossas obrigações sem dificuldade e, ao mesmo tempo, desfrutando de uma situação muito confortável em relação às reservas em divisas;

            - demonstrar a solidez da nova situação, pela forma como convivemos com a crise mexicana e a ultrapassamos sem os estragos que alguns anunciaram;

            - iniciar sem traumas um programa de reformas que não se conseguira realizar antes, quando teria sido uma revisão constitucionalmente prevista, e que agora, por uma decisão indiscutível da sociedade, se realiza madura e rapidamente, em uma atmosfera democrática, sem qualquer arranhão institucional.

            Nenhum povo realizaria uma obra desse porte se não estivesse determinado a isso e se não contasse com lideranças qualificadas política, moral, ética e intelectualmente.

            O povo brasileiro está determinado a essa obra e tem essas lideranças no Poder Executivo, no Congresso Nacional, nas organizações da sociedade civil.

            Investido dessa nova autoridade, o Brasil compareceu à reunião com uma delegação presidida pelo Ministro Pedro Malan, que, como nosso representante, é um dos governadores do FMI e do Banco Mundial.

            Em seu discurso proferido no dia 10 de outubro, o Ministro Pedro Malan falou pelo Brasil e por mais 22 países.

            Pelo seu representante, o Brasil e os demais países em nome de quem o nosso Ministro da Fazenda falava defenderam:

            - a ampliação da cooperação entre as autoridades monetárias dos diversos países;

            - maior coordenação das políticas macroeconômicas entre esses países;

            - maior monitoramento internacional em relação às políticas macroeconômicas domésticas, aumentando o grau de previsibilidade e transparência nos mercados financeiros;

            - expansão dos instrumentos existentes para proteger a estabilidade de moedas expostas a ataques especulativos; e, finalmente,

            - consideração, pelos países-membros, da possibilidade de duplicação das suas quotas do FMI, para atender às novas demandas resultantes da necessidade de prestar assistência a países que tenham de enfrentar reversões abruptas dos fluxos de capital ou ataques contra as suas moedas.

            O Ministro Pedro Malan definiu como o maior desafio ao País na área econômica o de alcançar a estabilidade em bases duradouras e reduzir a inflação a taxas anuais de um dígito, de forma gradual e firme.

            Referiu-se, igualmente, às reformas constitucionais, e aí fez referência e fez justiça ao Congresso Nacional, destacando a contribuição que o Congresso Nacional vem dando, com as reformas que já aprovou e com o debate que iniciou das demais.

            Resumiu os grandes compromissos do Governo, comandados pelo Presidente Fernando Henrique, ao afirmar que não serão poupados esforços para assegurar estabilidade de preços e crescimento econômico auto-sustentado.

            Concluiu as suas palavras expressando o equilíbrio e a firmeza com que o Brasil encara o seu futuro, nos termos a seguir, transcritos em tradução livre:

            Vim aqui para deixar uma mensagem de otimismo em relação à América Latina e ao Brasil, mas não uma mensagem de otimismo ingênuo. Estamos conscientes, com um sentimento de profunda humildade, dos desafios que continuam diante de nós, tanto na frente doméstica quanto na frente internacional. Entretanto, maior ainda é a nossa confiança no futuro da região.

            Cópia do discurso do Ministro da Fazenda está sendo anexada a este relatório. Neste momento, requeiro à Mesa que determine a sua transcrição nos Anais desta Casa.

            À margem do encontro, ao lado do Senador Ney Suassuna, visitei, no dia 10 de outubro, o Sr. Marcos Caramuru de Paiva, Diretor brasileiro do Banco Mundial. No dia seguinte, estivemos com o Sr. Ricardo Santiago, Gerente do Departamento de Operações Regionais daquela instituição.

            A ambos solicitamos informações completas sobre o andamento de projetos contratados e em análise de interesse do Brasil, para determinar se existe algum tipo de colaboração, de apoio ou de intervenção do Congresso Nacional que se possa fazer. Ao serem recebidos esses relatórios, nós os encaminharemos ao conhecimento do Senado Federal.

            Em conclusão, Sr. Presidente, vimos, nesta oportunidade, serem discutidas questões cruciais para os interesses da economia mundial, no encontro de que participamos V. Exª e eu.

            A participação dos Congressistas brasileiros permitiu que fossem recolhidas as informações que agora estamos repassando a esta Casa, do mesmo modo que nos habilitou a oferecer um testemunho sobre a visão internacional que se percebe em torno dos esforços e dos rumos que o nosso País está adotando.

            A economia mundial está sendo construída segundo uma nova arquitetura. As noções antigas de dominação e de dependência cedem lugar a um conceito de interdependência, que, embora não elimine o peso dos mais poderosos em relação aos mais fracos, abre a perspectiva de ser alterado o grau de exposição unilateral de umas economias frente a outras.

            Maior espaço e, portanto, maiores benefícios conquistarão aqueles países que melhor e mais rapidamente edificarem internamente o ambiente que favoreça a atração de investimentos e o avanço tecnológico. Ao lado de relações técnicas tradicionais, que quase sempre se limitavam a avaliar a densidade de capital ou a intensidade de mão-de-obra, o conteúdo atual das mudanças tecnológicas e a sua substância permitem introduzir o conceito da intensidade do conhecimento.

            Portanto, um País como o nosso, apto a mobilizar uma enorme potencialidade econômica e maduro para absorver e desenvolver o conhecimento, se não houvesse assumido consciente e firmemente a decisão de incorporar-se a essas transformações que estão em marcha, e se não tivesse tido a coragem e a competência de complementar tudo isso com as medidas internas que vem tomando, estaria cometendo uma irresponsabilidade histórica irremissível.

            Não se entenda com isso que não haja divergências, que sejam consensuais os itinerários já percorridos e a percorrer.

            Os juros internos continuam absurdamente acima dos patamares que seriam suficientes para que cumprissem o seu papel de instrumento de desaquecimento da atividade econômica sem causar a devastação que estão causando junto aos segmentos mais descapitalizados da produção nacional.

            Continua ausente a proposta de uma política agrícola adequada que ofereça ao setor a possibilidade de compensar-se pela brutal transferência de renda que financiou praticamente sozinho, através do sistema de preços e dos juros que pagou.

            Continuamos aceitando retaliações ou ouvindo ameaças de retaliações pelo protecionismo que temos praticado em relação a alguns setores, enquanto, em relação à agricultura, somos importadores de subsídios e não temos tido a iniciativa ou a coragem de proteger o produtor nacional, seja com a outorga dos mesmos subsídios, seja com barreiras aduaneiras apropriadas, como fazem os nossos parceiros, principalmente os da Comunidade Econômica Européia.

            Continuamos atuando apenas sobre a demanda, procurando conter o consumo em um País de consumo baixo, à míngua de uma proposta igualmente consistente e igualmente eficiente para ampliar a oferta.

            Esses pontos de divergência pontual não nos impedem de dizer, com a ênfase que seja necessária, da nossa convicção de que a estrada escolhida realmente nos leva ao ponto do futuro, onde desejamos ver instalado um dia o povo brasileiro. Podemos não gostar dos desconfortos que a estrada impõe; podemos discordar da velocidade com que percorremos alguns trechos; talvez preferíssemos que certos obstáculos fossem contornados de outra maneira. Enfim, podemos dizer que a estrada não é boa, mas não podemos dizer que escolhemos a estrada errada.

            Finalmente, o aplauso a essa política não pode deixar de ser dirigido também ao Congresso Nacional, destinatário das propostas de mudança e autor de todas elas, não sendo justo omitir-se da sociedade o fato de que não existe uma única obra no processo de reformas que não tenha, ao pé da página, a assinatura do Parlamento brasileiro.

            Esse é o nosso relatório Sr. Presidente e Srs. Senadores.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/1995 - Página 1805