Discurso no Senado Federal

CONTRARIO AO ACORDO PARA RETROATIVIDADE DAS PATENTES, CHAMADA 'PIPELINE', NO MOMENTO EM QUE ESTA SENDO RELATADA E APROVADA A LEI DE PATENTES.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL.:
  • CONTRARIO AO ACORDO PARA RETROATIVIDADE DAS PATENTES, CHAMADA 'PIPELINE', NO MOMENTO EM QUE ESTA SENDO RELATADA E APROVADA A LEI DE PATENTES.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/1995 - Página 5547
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, ACORDO, RETROATIVIDADE, PATENTE DE INVENÇÃO, IMPORTANCIA, PROPRIEDADE INTELECTUAL, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a grande maioria da população brasileira quando ouve a palavra patente não a decodifica ou sequer sabe o seu significado.

Hoje, no mundo moderno, é a propriedade industrial, talvez, a maior fonte de riqueza dos países desenvolvidos.

E o que é a propriedade intelectual?

A propriedade intelectual são as invenções, as coisas que as pessoas que se dedicam aos vários ramos inventam como, por exemplo: um tipo de tecido em que o vinco da calça não desmancha; o sabão solúvel que não polui; o sabão em pó; o leite que pode permanecer meses sem estragar. Enfim, são invenções que usamos na indústria alimentícia, na indústria farmacêutica, na indústria têxtil, nos perfumes, sabonetes etc. Ou seja, por tudo o que o homem moderno usa ele está pagando o direito de invenção para alguém que inventou.

Então, patente hoje é um assunto extremamente importante e que custa muito às nações em desenvolvimento e que arrecada muito para as nações desenvolvidas. No futuro, a maior fonte de receita dos países desenvolvidos serão exatamente as invenções, ou seja, os royalties oriundos de patentes.

No Brasil, desde 1971, não pagamos direitos intelectuais sobre alimentos, química fina e produtos farmacêuticos em geral. Isso ocorreu no Governo Geisel; e tivemos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aí, um longo período, vários anos, em que não pagamos patentes nessas áreas; e esperávamos ter desenvolvido muito mais as nossas pesquisas no Brasil.

Lamentavelmente, não progrediram as pesquisas, e as patentes nacionais não foram no volume que esperávamos. E o que é pior, os países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos da América do Norte, que têm uma legislação dura para aqueles que não cumprem as regras do comércio internacional como eles entendem que deve ser, nos puniram enormemente, utilizando a 300 e a 301. Essa legislação permitia que o que se deixasse de pagar de impostos, ou melhor, de royalties na área de patentes ou de qualquer outra área de comércio que estivesse sendo lesada, ou que os Estados Unidos se julgassem lesados, eles cobrariam em outras áreas. E tivermos os nossos produtos sobretaxados: o nosso ferro, o nosso suco de laranja, os nossos têxteis, enfim, a grande maioria dos produtos nacionais.

Na época do Presidente Collor, tentou-se fazer um acordo, e Sua Excelência fez algumas promessas que não deveria ter feito; prometeu, inclusive, a retroatividade dessas patentes. O Presidente que o sucedeu tentou manter esse acordo. E o atual Presidente, ao que tudo indica, insiste em manter esse acordo da retroatividade. Essa retroatividade das patentes, que já foram demonstradas, que já foram desvendadas no mundo, chamamos de pipeline. Esse é o maior problema que estamos enfrentando hoje, no Brasil, quando estamos relatando, quando estamos aprovando a Lei de Patentes.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após a proclamação do GATT, quando aderimos a ele, e lembram bem os Senadores mais antigos, isso ocorreu no finalzinho da Legislatura passada e de uma forma bem irregular. E por que irregular? Porque a legislação desta Casa dizia que não poderíamos aceitar documentos em língua estrangeira; tinha que haver a tradução. E das 600 páginas que aqui chegaram do GATT, quase 300 eram em língua estrangeira. Mas ou aderíamos e aprovávamos, naquele momento, ou não entraríamos no GATT. E o Senado preferiu aderir ao GATT. Cento e sessenta países também o fizeram.

Pelo GATT, não existiria pipeline, os microorganismos seriam patenteados, teríamos a produção local e a importação paralela. Sei que são expressões de difícil entendimento para a grande massa brasileira. Mas gostaria muito, Sr. Presidente, que os nossos Senadores começassem a se aprofundar cada vez mais no assunto, porque, antes do final desta Legislatura, deveremos estar votando no plenário da Casa esta legislação, que já passou pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e deve passar, na próxima quinta-feira, pela Comissão de Assuntos Econômicos, aportando, finalmente, ao plenário do Senado.

Essa será uma legislação que tirará, de uma vez por todas, as nossas diferenças com os países desenvolvidos, e o Brasil passará a ter uma lei de patentes que vai permitir com que fiquemos a nível de qualquer outro país do mundo ocidental; e, por que não dizer, do mundo desenvolvido, porque Japão, Coréia e outros não fazem parte do Ocidente e todos estão cumprindo hoje em dia patentes.

Vamos encontrar nesse debate duas opiniões diversas, a do relatório que vem da CCJ, que não admite pipeline, retroatividade; e uma outra que virá da CAE, admitindo pipeline. Deve estar passando pela cabeça dos senhores as seguintes indagações: o que vai haver de diferença? E o que poderia acarretar para o Brasil a simples aprovação de uma expressão ou de um mecanismo que é apenas uma frase no papel?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na hora em que aprovarmos o pipeline, estaremos dando a retroatividade de até oito a dez anos para patentes que já foram divulgadas lá fora e que já estão sendo produzidas, muitas vezes, no Brasil. Os americanos estimam que isso representa US$600 milhões anuais, que, vezes 8 anos, dará US$4,8 bilhões, ou, vezes 10 anos, US$6 bilhões.

Hoje, os representantes da indústria farmacêutica, principalmente americana, dizem que não é assim, que não querem receber nada. Mas pergunto: a quem querem enganar? Por que iriam lutar tanto para aprovar o pipeline se não fosse para cobrar?

Sou empresário, antes de ser político, e nunca vi, no mundo empresarial, alguém lutar por alguma coisa que não seja para auferir lucro. Ainda mais numa luta tremenda em que estão enfrentando as multinacionais, tentando fazer com que o Congresso brasileiro aprove o pipeline.

Estou alertando a Casa porque teremos aqui, em breve, este debate, que poderá significar principalmente a abertura de nossa guarda para sermos acionados judicialmente na cobrança dos atrasados. O povo brasileiro já vive por demais sacrificado para que permitamos que sejam cobradas contas atrasadas que não são devidas, porque a legislação brasileira, como a de muitos países, cobriam totalmente essa situação nacional. Poderia não ser ético, mas não era irregular.

E se nós aderimos ao GATT, que permite que não haja retroatividade, por que dar à população brasileira a infelicidade de poder vir a pagar uma conta que ela não deve?

Por isso, Sr.Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo hoje esta tribuna para dizer que na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quinta-feira passada, tivemos a felicidade de ver aprovado por unanimidade o parecer apresentado àquela Comissão, em que foi negado o pipeline. Não só negamos o pipeline como também obrigamos a produção local. Se alguém chega e pede para fabricar aqui no Brasil este copo, ele não pode alegar que não fabricou porque não tem aqui ressarcimento financeiro. Se não tem ressarcimento financeiro, não peça a patente, porque se pede é para fabricar aqui.

E por que queremos que sejam fabricados aqui produtos e invenções cujas patentes foram requeridas? Para que nós, brasileiros, possamos ter a transferência tecnológica necessária para fabricar esse produto. Por isso, o parecer da CCJ também obriga a produção local. Como também diz que se alguém aqui no Brasil pede a fabricação de um determinado mecanismo ou um determinado produto e o faz de má qualidade, a um preço exorbitante, enquanto, em outro país, o mesmo produto está sendo fabricado por um preço razoável e de boa qualidade, haverá a possibilidade de o brasileiro solicitar a importação paralela, ou seja, solicitar a importação do produto de melhor qualidade e de preço mais barato, passando por cima desse monopólio que estaria sendo lesivo aos brasileiros.

Todos esses mecanismos foram colocados neste projeto de lei, que virá nas próximas semanas a este plenário e que defende os interesses do povo brasileiro. Chegarão dois pareceres diversos: um da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e um da Comissão de Assuntos Econômicos. Caberá, então, a cada Senador tomar a sua decisão de consciência.

Não porque o Governo Collor, o Governo Itamar ou o Governo atual resolveram apoiar pipeline para serem bonzinhos com os americanos ou com outros estrangeiros, mas porque temos que legislar para o povo brasileiro, buscando o melhor para a nossa comunidade.

Ocupo hoje a tribuna para fazer este apelo. Estaremos distribuindo a todos os Senadores os textos e as explicações do que é lesivo aos interesses da nossa nacionalidade, da importância da não aprovação do pipeline, da importância da aprovação da produção local, da importância da importação paralela, que são termos herméticos, eu sei, do mundo comercial, mas, se cochilarmos nesta Casa, vão custar muito dinheiro ao nosso País, dinheiro esse que já falta para a Saúde, para a Educação e para a Segurança.

Por isso, alerto os meus companheiros para que, atentos, estejamos a defender os interesses do povo sofrido que nos colocou aqui a representá-los.

Estarei, nos próximos dias, à disposição de todos os meus Pares, dando as explicações possíveis, mostrando o que aconteceu, por exemplo, na Argentina, onde está havendo uma verdadeira batalha entre Governo e Congresso, porque o Governo quer ser bonzinho com os americanos e o Congresso não deixa, determinando oito anos de prazo e, mais do que isso, determinando também que não exista o pipeline.

Outros países têm feito a mesma coisa e muitas vezes têm negado o pipeline; muitas vezes vimos os adeptos dessa concessão dizerem que existem países que cedem. Só quem cedeu, até hoje, foi o México, numa situação dificílima, e os países do leste europeu, porque vivem em grande dificuldade econômica e se dobram para conseguir qualquer ajuda do governo norte-americano.

Encerro, portanto, Sr. Presidente, dizendo que se aproxima a hora da decisão: ou vamos defender os interesses do povo brasileiro, negando o pipeline e fazendo as demais autorizações para que haja importação paralela, produção local, um INPI forte para coibir os abusos das multinacionais ou vamos fraquejar diante do poderio dos fabricantes de medicamentos americanos, cedendo a nossa soberania àqueles que só se interessam em levar do nosso povo o sangue e o suor.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/1995 - Página 5547