Discurso no Senado Federal

FALTA DE DIALOGO DO PRIMEIRO ESCALÃO DO GOVERNO COM A CLASSE POLITICA, CAUSANDO ATRASO NAS REFORMAS.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • FALTA DE DIALOGO DO PRIMEIRO ESCALÃO DO GOVERNO COM A CLASSE POLITICA, CAUSANDO ATRASO NAS REFORMAS.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/1995 - Página 4268
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, DIALOGO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, CLASSE POLITICA, ATRASO, REFORMA POLITICA, REFORMA ADMINISTRATIVA, COMPROMETIMENTO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RETOMADA, DIREÇÃO, LIDERANÇA, PROCESSO, REGULAMENTAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, PAIS.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os canais da política não estão à altura deste Governo. Temos um Presidente político e com gosto pela política; temos a indiscutível competência dos Líderes no Congresso e temos Deputados e Senadores no Ministério. Tudo é favorável, menos os mecanismos de acesso e diálogo com o Poder, que estão obstruídos. Vocação para entender os caminhos mais simples da dinâmica democrática e apetite para conversar são moedas escassas na burocracia que está enquistada nos postos-chave do Executivo. Discriminando a via política para legitimar suas decisões, esses escalões não despacham com a sociedade que elegeu o Governo e assume o caminho perigoso da prepotência intelectual.

Culpa do Presidente Fernando Henrique Cardoso? Eu diria que em parte. Afinal, foi de Sua Excelência a escolha de burocratas para ocupar esses postos, contrariando os princípios do bom senso e da tradição. No Gabinete Civil, por exemplo, onde havia portas abertas para ouvir, sentir, dissentir ou conciliar, existe hoje o sítio fechado dos conciliábulos palacianos. A questão é que a coordenação política não é lugar para acadêmico, mas para operadores políticos experientes.

Ainda ontem tive o privilégio de assistir a uma aula irrepreensível sobre política do Presidente da República, na solenidade em que formalizou o acordo com a agricultura. Elogiou o Congresso pela capacidade de dirimir divergências, enfatizou sua fé na força do diálogo para a construção democrática e louvou o espírito de compreensão com os superiores interesses do País nas decisões mais recentes que têm marcado a vida do Parlamento. Mas também têm sido constantes as queixas de Sua Excelência segundo o registro da imprensa. Fica a impressão de que não há sintonia entre a orientação presidencial e a ação dos seus assessores. Ainda recentemente, desabafou que, se os ministros não têm tempo para conversar com os políticos, ele tem. O Presidente está certo nas intenções do recado, mas está errado na expectativa de sua disponibilidade para o dia-a-dia da política.

Os fatos mais recentes mostram que o Presidente da República está dramaticamente exposto. O episódio rumoroso do SIVAM exibiu um Palácio do Planalto sem amortecedores e sem pára-choques para absorver as pancadas. Cioso como tem sido com a chamada liturgia do cargo, o Presidente Fernando Henrique Cardoso apareceu insistentemente no noticiário como coordenador pessoal das medidas de satisfação à opinião pública. Sua figura soberana sofreu desgastes lamentáveis, porque teve de avançar para a linha de frente, já que esta carece de alguém em condições de assumir os espaços críticos nos momentos de crise.

Nomes respeitados da crônica política têm registrado sintomas de insatisfação entre os líderes, que carecem de rotinas formais de contato para orientar sua ação no Congresso. É lamentável, mas é verdade. O ideal é que o Presidente converse com o coordenador político, que converse com todos, fixando uma linha comum de atuação e uma corrente homogênea de pensamento. Fora disso, estarão esgarçados os tecidos que se entrelaçam nas relações harmônicas entre o Governo e seus representantes partidários. A falta de interlocutores acaba levando à prática do "cada um por si", que seria injusta aos propósitos patrióticos do Presidente da República.

A crise do SIVAM escancarou essa realidade que estava exposta à vista de todos. Cabe ao Presidente Fernando Henrique Cardoso dar uma resposta imediata, indicando para o Gabinete Civil um nome capaz de empolgar o mundo político. O Congresso é uma assembléia rica de opções para escolha do Presidente da República. Temos aqui - outros passaram por aqui - dezenas de ex-Governadores testados na sua capacidade de articulação, experientes no trato da coisa pública e calejados na formulação de tarefas administrativas.

Oriundo do Senado, o Presidente conhece de sobra o valor de cada um dos ex-colegas, que poderão dividir com Sua Excelência um novo esforço de reordenação do entendimento político. Um homem capaz de quebrar arestas, de lubrificar as vias de entendimento com áreas até agora pouco sensíveis. Alguém que permita a liberação do Presidente da República, por exemplo, para reorientar o Ministério do Planejamento. É preciso acabar com a ótica que cultiva exclusivamente o controle de despesas, sem a visão macro do planejamento estratégico e dos grandes projetos nacionais.

Desejo sinceramente que o Presidente Fernando Henrique Cardoso seja liberado das tarefas corriqueiras para assumir o papel integral do estadista que é. Todos respeitamos o propósito do Senhor Presidente, anunciado no começo do Governo, de cumprir as tarefas de coordenação política. É óbvio que esse projeto está fracassado, não por inaptidão do Presidente, mas pela imposição dos fatos. Sua Excelência fará muito ao País, e não lhe faltarão méritos para a reeleição, colocando-se na linha de frente das reformas estruturais e da abertura econômica, praticando o diálogo de nível mais elevado com a sociedade, dialogando com os governadores, e buscando investimentos internacionais com a sua inegável competência para negociar, conquistar novos aliados e derrubar preconceitos. O Presidente precisa de tempo para liderar o processo de regulamentação das reformas, que está paralisado, comprometendo o desenvolvimento. Não queremos um maestro preocupado com a afinação de um piano, mas um condutor que se preocupe com a orquestra.

Por todo o raciocínio que desenvolvo neste rápido pronunciamento, tento chegar à conclusão de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso está desperdiçando a sua liderança natural para a concepção e a condução dos grandes projetos estratégicos que são exigidos pelo futuro de nosso País, e de que a identidade serena e construtiva com o Congresso é parte irrecusável desse processo.

O Presidente tem as cartas na mão. Resta-nos desejar que as use com sabedoria. Este é o momento hamletiano para que o Presidente se reencontre com o bom-senso. O País precisa sair do "rame-rame" das pequenas questões para assumir o debate dos grandes temas, com o Presidente da República retomando a direção do palco, mas colocando em sua companhia operadores adequados para o espetáculo da democracia.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/1995 - Página 4268