Discurso no Senado Federal

ANALISE DA EVOLUÇÃO DO PROALCOOL.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • ANALISE DA EVOLUÇÃO DO PROALCOOL.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/1995 - Página 4269
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • ANALISE, DEFESA, PROGRAMA NACIONAL DO ALCOOL (PROALCOOL), COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, RESERVA ESTRATEGICA.
  • SOLICITAÇÃO, REGISTRO, ANAIS DO SENADO, SUGESTÃO, CIDADÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRIAÇÃO, IMPOSTOS, EMISSÃO, GAS CARBONICO, OBJETIVO, PROTEÇÃO, SAUDE PUBLICA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em tempo não tão remoto, quando os países exportadores de petróleo do Oriente Médio, reunidos em cartel, racionaram o fornecimento dos seus produtos e elevaram seus preços, o Brasil era um dos poucos países do mundo capazes de tomar imediatamente uma rota alternativa à do uso quase exclusivo do combustível fóssil. Há vinte anos, em novembro de 1975, o Governo brasileiro lançava, pioneiramente, o Programa Nacional do Álcool, com o propósito definido de reduzir o problema dessa dependência ao petróleo importado.

Numa primeira etapa, que se seguiu ao primeiro choque do petróleo, de 1973, o Programa objetivava somente o uso do etanol misturado à gasolina, prática que não envolvia problemas técnicos relevantes, visto que já se conheciam estudos nesse sentido, que demonstravam ser possível adicionar até vinte por cento de álcool à nafta, sem que fosse necessária qualquer alteração nos motores de ciclo Otto. Mais tarde, com o impacto do segundo choque, em 1979, foi preciso dar um passo mais adiante. O Programa passou a incluir a possibilidade de se utilizar motores que funcionassem com álcool anidro puro.

Assim, no dia quatro de maio de 1979, o Brasil se tornava o primeiro País do mundo a ter em operação postos regulares de serviço vendendo álcool carburante para veículos especialmente adaptados a esse combustível. Cinco postos da Petrobrás Distribuidora no Rio de Janeiro, cinco outros em São Paulo, três mais no Recife, dois em Brasília e um em Manaus começavam a atender os dois mil automóveis adaptados, que já rodavam em nossas ruas. Iniciava-se uma década de sucesso para uma alternativa energética, que muito ajudaria o País a enfrentar as dificuldades econômicas dos anos oitenta.

Apesar do grande aumento nos preços do petróleo, é verdade, continuava mais caro produzir-se a mesma quantidade de energia a partir do álcool que da gasolina. Aquele, no entanto, era inteiramente produzido no País, enquanto esta precisava ser importada, onerando uma balança de pagamentos que, a partir do início dos anos oitenta, mergulhava a Nação na chamada "crise da dívida", após a decretação da moratória mexicana. A capitalização interna e a geração de empregos, assim, eram fatores que precisavam ser pesados na contabilidade econômica do álcool contra a gasolina, afastando a análise simplista que consistiria em se compararem somente os respectivos custos de produção e comercialização.

A esses fatores, de natureza meramente econômica, precisamos somar três outros relevantes aspectos da inclusão do álcool na matriz energética brasileira. Primeiro, a dependência estratégica, de que o uso do álcool combustível livrava o País, a um insumo cujo suprimento se torna incerto por estarem seus maiores fornecedores localizados em uma das mais conturbadas regiões do globo, o Oriente Médio. Em segundo lugar, o Programa Nacional do Álcool propiciou ainda um grande estímulo ao desenvolvimento de tecnologia inteiramente nacional para o aprimoramento genético de cepas mais produtivas de cana-de-açúcar, para a melhoria das técnicas de plantio e colheita e para moagem da cana e refino do álcool.

Além de tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos o terceiro dos pontos a que me referia: o do combate à poluição. Essa questão comporta diversos aspectos, que precisam ser mencionados, ainda que de maneira rápida, neste pronunciamento. Primeiro, o ponto mais importante: a adição do etanol à gasolina aumenta o índice de octanas desta. O uso generalizado da mistura álcool-gasolina possibilitou ao Brasil ser o primeiro país do mundo a abolir inteiramente - eu disse, Srs. Senadores, abolir inteiramente - o emprego do venenosíssimo chumbo tetraetila como aditivo para incremento desse índice. A queima do álcool, além disso, tende a ser mais completa que a da gasolina. Isso implica a presença quase que somente de água e dióxido de carbono nas emissões dos motores a álcool, eliminando também o venenoso monóxido de carbono, que asfixia nossas cidades.

É verdade que a destilação do álcool a partir da cana-de-açúcar resultava na eliminação de um subproduto que se apresentava terrível: a vinhaça. Para piorar, produziam-se dez a onze volumes de vinhaça para cada volume de álcool. Cedo, porém, os próprios agricultores da cana-de-açúcar aprenderam a purificar e a utilizar a vinhaça como fertilizante, aproveitando seu elevado teor de compostos de nitrogênio. O trabalho do Professor Octávio Valsechi, publicado em fevereiro de 1974 na revista Brasil Açucareiro, demonstra cabalmente o aumento de produtividade de diversas culturas a partir do emprego da vinhaça como fertilizante. Na verdade, trata-se de mais uma economia possibilitada pelo álcool: a de reduzir a dependência do Brasil de fertilizantes sofisticados, caros e importados, substituindo-o por um subproduto, que sai por custo ínfimo.

A grande vantagem do combustível de biomassa, no entanto, provém do fato de ser uma matéria-prima verde e renovável. Não precisaremos recear a perspectiva do esgotamento das reservas mundiais de petróleo, se dispusermos do combustível alternativo para nossos motores. Nesse sentido, algum dos Srs. Senadores poderia argumentar que o álcool substituiu somente a gasolina, combustível dos automóveis particulares. Por um erro de planejamento, é verdade, continuamos dependendo do transporte rodoviário, basicamente feito por veículos propulsionados por motores do ciclo diesel, para o escoamento da maior parte de nossa produção agrícola e industrial, bem como para o deslocamento de grande contingente de nossa mão-de-obra entre seu local de residência e seu posto de trabalho.

De acordo, porém, com um artigo publicado no número de abril de 1978 dos Deutsche-Brasilianische Hefte, a Mercedez-Benz do Brasil teria realizado, já àquela época, experimentos que apontam para a possibilidade concreta de se empregar o álcool em motores do ciclo diesel, a depender tão-somente do uso de certos aditivos, basicamente óleos vegetais, e de uma adaptação nas bombas injetoras daqueles motores. Isso quer dizer que, mesmo sem precisarmos reformular inteiramente nossa estrutura de transportes - embora eu não negue a importância de voltarmos nossa atenção para as modalidades ferroviária e hidroviária, por tanto tempo desprezadas -, podemos nos libertar quase inteiramente da necessidade de importação de petróleo para finalidade combustível.

Por tudo isso, gostaria de apresentar a meus Pares e fazer registrar nos Anais desta Casa a sugestão de C. O. Belodi, da cidade de Promissão, Estado de São Paulo, um cidadão, como tantos outros, preocupado com os problemas nacionais. Enviou-me, aquele cidadão, correspondência em que apresenta a idéia da criação de um imposto sobre emissão de carbono. Talvez os Senhores se alarmem com a sugestão de mais um imposto, num país em que já existe um número tão grande de tributos. A idéia, porém, já era defendida pelo insigne Doutor José Goldemberg, em coluna publicada pelo diário O Estado de S.Paulo, a 8 de junho de 1993. Ali, o grande físico brasileiro, comentando a tramitação, no Congresso dos Estados Unidos da América, de um projeto de lei tributando o consumo de energia, criticava a oportunidade perdida por aquela nação de fazer incidir o tributo sobre, exatamente, "a quantidade de carbono emitida". Naturalmente, fontes de energia como a eólica e a solar estariam isentas e poderiam ser muito estimuladas. Por emitir menos carbono que os combustíveis fósseis, o combustível de biomassa seria também favorecido.

Resumidamente, as conseqüências da adoção de tal medida seriam: a captação de recursos para a melhoria do estado da saúde e da educação públicas do País; a melhoria ambiental dos conglomerados urbanos; a geração de grande número de empregos; e, finalmente, o retorno à atividade plena do parque industrial sucro-alcooleiro já instalado, subutilizado desde a crise do fornecimento de álcool ocorrida nos anos de 1989 e 1990, que abalou a credibilidade do combustível alternativo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, não devemos permitir que uma solução nacional e pioneira seja desacreditada pela falta de firmeza de nosso Governo em manter um plano de tão grande importância estratégica. Por isso, é dever de todos - políticos, usineiros, motoristas e o cidadão em geral - compreender o valor desse Programa para o desenvolvimento do País, com menor sacrifício do meio ambiente e melhores retornos econômicos. Nessa direção, faz sentido a sugestão de nosso cidadão Belodi, que deve ser examinada com a devida atenção pelas autoridades do setor.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/1995 - Página 4269