Discurso no Senado Federal

VERGONHOSA DECADENCIA DO ENSINO NO BRASIL, EVIDENCIADA PELA ULTIMA PESQUISA DO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA-IBGE.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • VERGONHOSA DECADENCIA DO ENSINO NO BRASIL, EVIDENCIADA PELA ULTIMA PESQUISA DO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA-IBGE.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/1995 - Página 5372
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, JUVENTUDE, ESCOLHA, VOTO, NECESSIDADE, ETICA, GOVERNANTE.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEMONSTRAÇÃO, DECADENCIA, ENSINO, CRESCIMENTO, ANALFABETISMO, SITUAÇÃO, INFERIORIDADE, BRASIL, RELAÇÃO, PRIMEIRO MUNDO, AMERICA LATINA.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando cobramos das autoridades constituídas do nosso País um comportamento moral compatível com o regime democrático, com o de uma nação civilizada, às vezes nos esquecemos de que essa condição moral exigida pela sociedade está vinculada ao problema da educação, da educação da nossa juventude, a fim de que tenha o preparo necessário, pelo menos para saber escolher os seus representantes, ter a consciência de que é o Presidente da República, é o governador, é o parlamentar, são as autoridades eleitas pela população que vão dar essa estrutura moral que cobramos a toda hora e a todo instante no âmbito do Senado Federal.

Estamos preocupados, sim, com a falta de ética existente ainda hoje no Brasil apesar dos constrangimentos causados à Nação com a CPI que cassou um Presidente da República, com o noticiário que veicula, quase que diariamente, escândalos e mais escândalos na Administração Federal, na Administração dos Estados, na Administração dos Municípios.

Estamos preocupados com o efeito, mas não estamos tão preocupados com a causa que configura essa desestruturação do nosso País: a falta de credibilidade dos nossos políticos, de nossas lideranças, aqueles que estão nos postos-chave da Nação, com a população estarrecida, com a população descrente, sem entusiasmo diante dos seus líderes.

Sr. Presidente, é triste a constatação que trago a esta Casa, daquilo que causa realmente a situação de constrangimento, pecaminosa, de promiscuidade, que, certamente, em qualquer outra nação da Europa ou mesmo nos Estados Unidos, causaria um quadro até da quebra do regime democrático, da substituição iminente dos dirigentes maiores.

Aqui está, Sr. Presidente, o retrato vivo do que estou falando sobre a educação no Brasil: pelo menos 4 milhões de jovens, na faixa etária de 11 a 17 anos, o que compõe 16,1% da população, estão fora da escola. Em 1980, esse grupo constituía 20%. Aparentemente, houve um acréscimo, ou seja, o analfabetismo decresceu no País. Digo aparentemente, porque, na realidade, o padrão considerado aceitável, em vez de 16,1%, que é a taxa de analfabetismo no Brasil na faixa etária de 11 a 17 anos, é de 5%, estabelecido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Adolescência. São números desanimadores, Sr. Presidente. Entre os países do Terceiro Mundo, o Brasil ocupa o 7º lugar em analfabetismo. Há mais analfabetos no Brasil do que, por exemplo, na Nicarágua, em Cuba, na Jamaica.

Entretanto, o mais alto grau de analfabetismo no Brasil está na zona rural: 35,1%. É aí que está o gargalo do crescimento de determinados Partidos políticos, de alto conservadorismo. Lá, na zona rural, basta saber riscar o nome que o cidadão já pode votar e é considerado, para efeito de estatísticas, um homem alfabetizado. Mas que conscientização tem esse homem, que depende da cesta básica, que depende de um frasco de remédio, que depende do transporte, que depende até, para sua sobrevivência no município, do chefe político local? Que independência tem esse homem para eleger um Deputado Federal, um Senador, para escolher um Presidente da República ou um Governador de Estado? É aí que está, Sr. Presidente, o gargalo. É a disparidade regional que envergonha a todos nós, não apenas nos números, que configuram a diferenciação econômica, a pobreza de umas regiões em detrimento da riqueza de outras.

Basta dizer que os números tabulados pelo IBGE, que serão divulgados no próximo dia 11 e que foram objeto de uma reportagem do Jornal do Brasil do último domingo, mostram dados sobre a alfabetização e são uma boa maneira de se perceber as desigualdades sócio-econômicas entre as várias regiões do País.

O Norte tem 22,9% de analfabetos; o Sul tem 3,6% de analfabetos; o Centro-Oeste tem 8% de analfabetos; o Sudeste, 5,4%, e, pasmem, o Nordeste, 34% de analfabetos.

Levando-se em consideração que pelo menos um terço da representação federal vem do Nordeste, V. Exªs podem aquilatar a responsabilidade das nossas Lideranças nesse quadro dantesco, desanimador, no setor da educação brasileira.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Concedo o aparte, com muito prazer, ao nobre Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Veja, Senador Antonio Carlos Valadares, que V. Exª, quando cita esses percentuais, está se referindo aos analfabetos absolutos. Mas existem ainda - e em maior número - os analfabetos funcionais, ou seja, aquelas pessoas que não são capazes de ler e interpretar, por exemplo, um manual de instruções. Então, o percentual vai, creio, a 50% da população ou mais. Mas se ampliarmos ainda mais o conceito, para analfabetismo político, realmente, Senador, verificaremos que isso não acontece apenas nos níveis sócio-culturais mais baixos, mas em grande parte da classe média, que vende, troca seu voto também por empregos para parentes, por viagens, por passagens aéreas, e que não tem nenhuma capacidade de avaliação política. Quantas pessoas eu conheço, Senador Antonio Carlos Valadares, quantas - isso é comum -, de anel no dedo, diploma na mão, que olham com desprezo para o pobre, o proletário, o analfabeto, que, segundo elas, não teriam consciência política. E elas próprias, quantas delas, avaliam um governo, por exemplo, e votam nele - em qualquer governo - pelas obras realizadas. Não importa se as obras são superfaturadas, se não são prioritárias! Quantas pessoas de classe média entram na história do "rouba, mas faz", Senador.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - E o pior é que a classe média, em muitos lugares, é que faz a cabeça da população.

O Sr. Jefferson Péres - Isso mesmo, faz a cabeça da população! O "rouba, mas faz", para eles, é tranqüilo. Não importa se roubam. Roubar é tranqüilo, contanto que o Governo faça. De forma que aprofundando mais a sua análise, o panorama é realmente desanimador.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Agradeço a V. Exª esse aparte que veio substancialmente contribuir para o nosso pronunciamento.

Continuando, Sr. Presidente, segundo a socióloga Ana Lúcia Sabóia, que é também do IBGE, a taxa de apenas 38% das nossas crianças entre 4 e 13 anos matriculadas em alguma escola revela a vergonhosa decadência do ensino no Brasil. Um atraso de 30, em relação, por exemplo, à França, que tem 100% de suas crianças matriculadas desde o ano de 1980. Enquanto no Brasil apenas 38% das crianças na faixa de 4 a 13 anos estão matriculadas.

Ainda segundo a socióloga Ana Lúcia Sabóia, esse mapa mostra que o País não está preparado para disputar uma vaga no time das grandes potências econômicas, apesar das medidas de abertura do mercado mundial. E ela faz a seguinte indagação:

      "Como se pode querer mão-de-obra qualificada, pronta para ingressar numa economia globalizada, com adolescentes de 14 anos completamente analfabetos? Como esse jovem vai aprender a lidar com um computador?"

Ele não sabe ler, não sabe escrever, nem contar, nem assinar o nome!

Para este País, que deseja chegar a uma situação privilegiada entre as nações mais desenvolvidas do mundo, realmente o quadro é difícil; é difícil acreditarmos em uma proposta que não é apenas do Governo, mas é intenção de todos os brasileiros.

Sr. Presidente, esse quadro que foi apresentado pela pesquisa efetuada recentemente pelo IBGE, mostrando a situação de inferioridade do Brasil em relação às outras nações, inclusive da própria América Latina, na área da educação de sua juventude, precisa mudar o quanto antes. Há preocupação com isso.

Como o Senador Jader Barbalho, ontem, os Senadores Jefferson Péres, Bernardo Cabral e Pedro Simon, hoje, fazem reparos à situação de falta de ética no Brasil e também aos gastos descabidos com um setor da economia que sempre foi privilegiado nas crises econômicas em que se envolveu o povo brasileiro, um segmento que ganhou muito dinheiro, o segmento bancário.

Enquanto se injeta, para salvar bancos, quase R$20 bilhões para bancos - do tipo Nacional, Banespa, Banerj, Econômico, etc. -, as nossas crianças que têm olhos para ver a luz do dia, que percorrem as estradas da vida, não podem enxergar o mundo como nós, que estudamos e estamos a enxergar; não têm o discernimento necessário, porque as portas das escolas para elas não foram abertas de forma adequada, a fim de que pudessem se integrar à civilização nacional.

Sr. Presidente, o Jornal do Brasil de domingo, dia 3 de dezembro, à página 8, estampa matéria sobre o panorama do Terceiro Mundo, na área de Educação, com os seguintes dados: Haiti, 57% de analfabetos; Guatemala, 43%; El Salvador, 31%; Honduras, 28%; República Dominicana, 23%; Bolívia, 23%; Brasil, 16%; Peru, 13%; Nicarágua, 12% -já ganha do Brasil; Equador, 12%; México, 11%; Venezuela, 11%; Colômbia, 10%; Panamá, 10%; Paraguai, 9%; Chile, 7%; Costa Rica, 6%; Argentina, 5%; Uruguai, 5%; Cuba, 3%; Trinidade e Tobago, 3% e Jamaica, 2%.

A taxa de analfabetismo da população de 11 a 14 anos de idade, nas regiões metropolitanas brasileiras, também é um quadro interessante. Mencionarei apenas quatro cidades: uma do Norte, outra do Nordeste e duas do Sul do País.

Em 1991, Belém possuía uma taxa de analfabetismo de 8,6% e Fortaleza, de 22,6%. Agora, passemos a uma cidade do Sul do País: em São Paulo, ao invés dos 22,6% de Fortaleza, a taxa de analfabetismo é de 2,6%, na faixa de 11 a 14 anos; e Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, - e aí parabenizo o nobre Senador Pedro Simon - tem uma taxa de apenas 3,1%.

O Sr. Bernardo Cabral - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Gostaria de ouvir o nobre Senador Bernardo Cabral, pelo Estado do Amazonas, que honra esta Casa com a sua presença, com a sua voz e com a sua inteligência marcantes.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª traça um perfil para que não se confundam apedeutas com analfabetos. Se os primeiros são ignorantes por falta de instrução, os segundos são explorados por aqueles que querem sempre que o analfabetismo viceje para aquelas circunstâncias que V. Exª argüia, aduzia, enumerava no início do seu discurso, como mandar, de algumas regiões, parlamentares federais que recebem o voto daqueles que mal aprenderam a escrever o nome. O assunto é muito sério. Aqueles que exerceram o Governo do Estado, o magistério ou que foram Ministros, ao virem para esta Alta Casa trazem uma experiência e falam ex-cathedra, como V. Exª está agora a fazer. Educação é um dos problemas mais sérios neste País. Os índices que V. Exª mostra são matemáticos e, conseqüentemente, um pouco distanciados apenas da estatística. Espero que V. Exª volte à tribuna numa outra hora. Esse é um assunto que não se esgota num só pronunciamento. Volte após a Ordem do Dia, quando disporá de 50 minutos, porque quero ter o prazer, como estou tendo agora, de ouvi-lo com intensa alegria.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Senador Bernardo Cabral, a sua participação nesta sessão de hoje, aparteando o meu discurso, representa para mim uma honra muito grande. Agradeço a V. Exª.

Sr. Presidente, ao encerrar as minhas palavras, perguntarei: por trás dos casos PC Farias, SIVAM, Bingo, escutas telefônicas, escândalo da "pasta rosa", por trás de todos os casos que enlameiam a política brasileira, não há, por acaso, como causa fundamental desse aspecto hediondo da falta de moralidade na política brasileira, a falta de educação do nosso povo, que ainda não está devidamente consciente das suas responsabilidades ao escolherem os seus representantes?

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/1995 - Página 5372