Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA REFORMA AGRARIA. ELOGIOS A GESTÃO DO SR. FRANCISCO GRAZIANO, NA PRESIDENCIA DO INCRA.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DA REFORMA AGRARIA. ELOGIOS A GESTÃO DO SR. FRANCISCO GRAZIANO, NA PRESIDENCIA DO INCRA.
Aparteantes
Edison Lobão, Jefferson Peres, Júlio Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/1995 - Página 5428
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ELOGIO, GESTÃO, FRANCISCO GRAZIANO, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), ACELERAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • IMPORTANCIA, MOVIMENTAÇÃO, TRABALHADOR, SEM-TERRA, SITUAÇÃO, MISERIA, ZONA URBANA, CONTENÇÃO, VIOLENCIA, PRIORIDADE, REFORMA AGRARIA.
  • DESCRIÇÃO, REFORMA AGRARIA, GOVERNO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), CONDOMINIO RURAL, NECESSIDADE, APOIO, TECNOLOGIA, COOPERATIVA AGRICOLA, FIXAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DIFERENÇA, LEGISLAÇÃO, GARANTIA, POSSE, TERRAS.
  • IMPORTANCIA, MIGRAÇÃO INTERNA, TRABALHADOR RURAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), HISTORIA, COLONIZAÇÃO, INTERIOR, BRASIL.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente. Srªs e Srs. Senadores, pensei que falaria após a Ordem do Dia, mas, se for possível voltarei depois da Ordem do Dia, quando não há muitos oradores inscritos, para tratar de um tema importante nesse momento: a reforma agrária.

Dias atrás vim a esta tribuna na expectativa, fazendo votos de que o então Presidente do INCRA permanecesse no cargo, para que as questões e os dramas que aconteceram naquela oportunidade e que terminaram por afastá-lo não o afastassem. Eu achava tremendamente importante, significativo e necessário a presença do então Presidente do INCRA. Lamentavelmente, ele não ficou.

Não interessa a mim analisar as razões que determinaram o seu afastamento, mas sou obrigado a dizer que, no rápido período em que ocupou aquele cargo do Governo, tomou duas decisões, todas muitos importantes, referentes à reforma agrária. Primeira: vinha de longe, de muito longe, a tentativa de fazer com que as Forças Armadas cedessem parte da terra cujo uso detinham para a reforma agrária. Lá, no Rio Grande do Sul, como em vários Estados, em várias oportunidades, debateu-se essa matéria. Até então, tinha faltado a competência por parte das entidades políticas, do diálogo com as Forças Armadas, para isso conseguir.

Na rápida passagem pela Presidência do INCRA, o Sr. Francisco Graziano conseguiu - e as manchetes de sexta-feira, 24 de novembro, mostraram isso - que o Exército concordasse em entregar 3 milhões e 700 mil hectares, metade das terras distribuídas através do Brasil desde que ele foi descoberto, para a realização da reforma agrária. Essa foi uma medida tremendamente importante.

Quero crer que o fato de Francisco Graziano ter saído do INCRA não altera a decisão do Governo e das Forças Armadas. É verdade que há várias manchetes de jornais dizendo que grandes proprietários de terra saudaram com veemência o afastamento de Graziano, não pelo que teria acontecido, mas pelo impulso que ele estava dando à reforma agrária.

A segunda decisão tomada pelo Governo, por sugestão de Francisco Graziano foi a assinatura, pelo Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, em solenidade no dia 10 de novembro, em palácio, do Projeto de Lei Complementar que obriga a Justiça a conceder a posse de áreas desapropriadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no mesmo momento em que o Governo pagar o valor da indenização.

Todos sabemos que essa é a grande causa da crise generalizada em termos de reforma agrária. O Governo desapropria, paga, o proprietário recorre, e o processo leva 1, 2, 3, 4 anos tramitando na Justiça.

A Voz do Brasil, os jornais e a televisão noticiam: Governo desapropriou fazenda tal. O tempo vai passando e nada acontece. Cria-se um clima de revolta e vem a invasão.

Esse projeto encaminhado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, por sugestão do Sr. Graziano, que está aqui no Congresso Nacional, ao qual antecipo meu voto favorável, é uma das medidas mais importantes em se tratando racionalização e normalização da reforma agrária.

Lamentavelmente, Francisco Graziano saiu do INCRA e o Governo fica com a responsabilidade de escolher o seu sucessor. A imprensa tem noticiado que o futuro presidente do INCRA será exatamente o cidadão que foi o autor da Lei dos Desparecidos e que hoje trabalha no Ministério da Justiça, a quem manifesto a minha simpatia, que não representa nada e talvez até sirva para queimá-lo.

José Gregori, pelo que a imprensa tem noticiado, reúne as condições para manter a credibilidade da sociedade na reforma agrária, mas parece-me que ele não quer o cargo. O Presidente Fernando Henrique Cardoso poderia fazer com ele o que o Presidente Itamar Franco fez com o próprio Fernando Henrique: Sua Excelência também não queria ser Ministro da Fazenda, mas Itamar Franco o nomeou, e Fernando Henrique não teve alternativa. Eu, no lugar do Presidente da República, nomearia o Sr. Gregori. Acredito ser difícil ele não aceitar.

Assim como meu amigo Senador Josaphat Marinho, também eu corro o risco de ser considerado por certos grupos como pessoa retrógrada, que parou no tempo e não viu que o mundo avançou, que o mundo é outro; que o liberalismo e o Estado enxugadinho, bem fraquinho e a iniciativa privada forte são a saída.

Mas não vi em lugar nenhum, até hoje, ninguém que tenha dito, a não ser que tenha um bom aproveitamento da terra, ainda que com a tecnologia, que se diminui o número das pessoas que trabalham a terra. Graças à tecnologia, a produtividade aumentou estrondosamente; talvez até por isso, hoje é ridículo manter grandes extensões de terra. O mundo demonstra que, com a irrigação, com a plasticultura, praticamente se consegue milagre na produção numa extensão de terra praticamente sem grande significado. Por isso, saúdo a terceira medida que entendo importante e também revolucionária que é o projeto do Senador Darci Ribeiro.

O que diz o projeto do Senador Darci Ribeiro? Diz ele que na Constituição se deve dizer que todo cidadão pode ter a propriedade de terra que bem entender, desde que de sua propriedade explore um quarto, cultive um quarto. Reparem V. Exªs que podem ficar três quartos improdutivos. Três quartos podem ficar sem exploração, mas um quarto tem que ser explorado. Se a terra é de 1.000 hectares, 250 hectares têm que ser explorados. Se o cidadão tem 10.000 hectares, deve explorar 3 mil e 300 hectares. Se tem 100.000 hectares, tem de explorar 33 mil e 300 hectares Não dá para dizer que a proposta do Senador Darcy Ribeiro é comunista, socialista ou coisa que o valha. É uma proposta realista: ou explora, ou essas terras serão prioritárias para o Governo fazer assentamento rural. Já falei com o Senador Darcy Ribeiro que pretendo apresentar emenda a essa proposição, com o que ele concorda, dizendo que não será apenas como ele fez. Sua proposta diz o seguinte: quem tem terra tem que explorar um quarto, se não, perde. Deve haver uma limitação. Por exemplo, quem tem até 300 hectares, 1.000 hectares, 2.000 hectares, que lhe seja dado um prazo para fazer essa exploração.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com o maior prazer.

O Sr. Jefferson Péres - Também subscreverei a Emenda do Senador Darcy Ribeiro, o que já foi anunciado por ele aqui. Mas é preciso considerar as peculiaridades das regiões do Brasil, Senador Pedro Simon. Num Estado como o meu, o Amazonas, por exemplo, é preciso que seja precedido de um zoneamento ecológico. Noventa por cento ou mais do Estado do Amazonas é floresta equatorial. As chamadas terras firmes são terras de baixíssima fertilidade, impróprias para a agricultura. Se a proposta não ressalvar essas exceções, Senador Pedro Simon, o cidadão que lá possui 10.000 hectares e não os cultiva, mas conserva a mata intocada - como deve ser - vai ser obrigado a desmatar um quarto das terras, fazer uma devastação e fingir que planta para não sofrer desapropriação. De forma que uma coisa é São Paulo e Rio Grande do Sul, outra coisa é Amazônia ou Centro-Oeste. São realidades muito diferentes.

O SR. PEDRO SIMON - V. Exª está certo. Um dos grandes equívocos deste País é não ver a sua diversidade. Cinco mil hectares, no Rio Grande do Sul, representam um grande latifúndio. Em cinco mil hectares, na Amazônia, praticamente nada existe a fazer. V. Exª tem razão: é preciso adaptar o espírito da proposta de emenda constitucional do Senador Darcy Ribeiro à realidade de cada região. Mas a idéia em si é como V. Exª está analisando: cada qual de acordo com a sua realidade. Tenho certeza que o Governo não vai considerar área prioritária para reforma agrária a Floresta Amazônica, onde não há nenhuma infra-estrutura para que isso possa acontecer. Também não vai considerar área prioritária para reforma agrária determinadas regiões do Pantanal Mato-grossense, que inclusive é considerado reserva ecológica.

Creio, Sr. Presidente, que a análise feita desta tribuna por vários Senadores - e de modo especial pelo Senador Darcy Ribeiro - é muito importante.

Outro dia, chamei a atenção para aquela notícia publicada pela imprensa, na qual não acredito, de que estaria havendo ligações de Santeiro, do outro lado da fronteira, com produtores do Brasil, com sem-terra do Brasil; a possibilidade existe. A possibilidade de querer politizar esse movimento existe. Não há, hoje, um movimento de tanta ação, de tanta presença, como o movimento dos sem-terra. Esse movimento é real, concreto.

Lamentavelmente, nós, do Rio Grande do Sul, perdemos. Vejo aqui o Senador Josaphat Marinho, da Bahia; V. Exª, Senador Jefferson Péres, do Amazonas; vejo representantes do Mato Grosso, do Maranhão. Os colonos gaúchos largaram o Rio Grande para explorar terras nessas regiões. Estão eles explorando o arroz no sul de Mato Grosso, inclusive o filho do ex-Presidente da República João Goulart, Vicente Goulart. Lá estão eles a levar o progresso e o desenvolvimento para o norte do Mato Grosso, para Rondônia, para Roraima. Lá estão eles fazendo com que terras consideradas improdutivas na Bahia hoje produzam soja. Aqui estão, na região do Distrito Federal, produzindo o que antes se considerava impossível. De certa forma, foi um erro grave que se cometeu no Rio Grande do Sul, onde os imigrantes italianos e alemães começaram a colonização, há 160 anos, trazidos por D. Pedro, que lhes deu um pedaço de terra de não mais de 25 a 30 hectares. E no meio da floresta, que era o que tinha, na minha região, Caxias do Sul, eles fizeram o milagre da reforma agrária. Eles fizeram o milagre do desenvolvimento, do crescimento real.

A importância história do que está acontecendo hoje deve ser analisada. Estamos vivendo um movimento sério, que é o movimento dos sem-terra. Não interessa saber se o cidadão está sendo organizado aqui ou lá, ou quem está por trás dele. O movimento é real.

De outro lado, temos a presença de um movimento concreto constituído pelas zonas de miséria, da fome, das favelas e das vilas das médias e grandes cidades. São dois acontecimentos paralelos.

Disse a ex-Deputada Sandra Cavalcanti, numa manchete que li nos jornais e que me emocionou, o seguinte: "No meu tempo, quando eu fazia política, o rico estava na Zona Sul, a classe média estava na Zona Norte e a favela era ocupada pelos pobres. Hoje, os ricos estão na Zona Sul - e muitos deles estão na Zona Norte -, a classe média está na favela e os miseráveis estão debaixo da ponte."

Os miseráveis estão praticamente ao Deus dará. Os números chocam e machucam: Brasil, campeão mundial da concentração da renda. Não há no mundo, nos últimos vinte anos, país que tenha concentrado mais renda nas mãos de minorias do que o Brasil. Isso é grave, trágico.

Quando iniciei minha carreira política como Deputado Estadual na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, chocavam-me - tenho vários pronunciamentos a esse respeito -, a mim que era professor universitário de Economia Política e Sociologia, as manchetes que diziam que na Bahia estava se formando um novo tipo humano: o nanico. A pessoa crescia menos do que o normal, estava acostumada a conviver com a fome e seu organismo estava se adaptando. As pessoas eram menores, com estômagos menores, com os órgãos internos menores, porque estavam se adaptando a viver no regime da fome. Aquilo me chocava. A primeira vez que tive oportunidade, fui, com Dom Helder, ao Nordeste e ao Grande Recife, para verificar essas questões e tomar conhecimento delas.

Hoje tenho em mãos o jornal Zero Hora do dia 28 de abril: "A fome reduz a altura dos gaúchos." Aquilo que há alguns começou a acontecer Nordeste, a Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre está demonstrando que está acontecendo nas vilas e favelas da Grande Porto Alegre.

O Estado do Rio Grande do Sul produz 28 milhões de toneladas de grãos e, ao longo da sua história, serviu de padrão. Nunca tivemos as imensas riquezas de São Paulo, nem os grandes fazendeiros de café ou de cacau, mas tivemos uma classe média de gabarito e uma distribuição de pequena e média propriedades. A classe produtiva praticamente atingia todo o Rio Grande do Sul, menos a fronteira.

Hoje, os chamados nanicos estão nascendo também no Rio Grande do Sul; quase um terço das crianças nascem com pouco peso, mudando a sua forma de ser. Portanto, essa realidade atinge o nosso Brasil. Há dois brasis: o Brasil da Bélgica, em que se convive com um nível de Primeiro Mundo, e o Brasil da Índia, em que 80% a 90% dos brasileiros são miseráveis e passam fome.

Há uma dificuldade de dialogarmos, porque, a rigor, há outros mundos; nossos mundos são diferentes. Debate-se aqui sobre empréstimos para bancos ou sobre verba para fábrica de satélites. Essa é uma linguagem que nada tem a ver com o homem da vila ou da favela.

A verdade é que milhões de pessoas vivem nessa marginalização social. Agora, há uma espécie de organização; eles estão se organizando. Não sei se é verdade - não é que eu duvide -, mas os dados apresentados pelo Senador Darcy Ribeiro demonstram que há cerca de 4 mil organizações de sem-terra; os sem-terra estão se organizando como se fora uma organização paramilitar e estão se preparando para fazer vastíssimas invasões de terra.

Nós temos duas maneiras de reagir: colocando o exército na rua ou tirando o argumento deles e fazendo um movimento concreto em termos de uma verdadeira reforma. É claro que a reforma hoje pode ser diferente. Eu, por exemplo, vejo que dar terra pura e simplesmente pode não resolver a questão.

Lá no Rio Grande do Sul, justiça seja feita, meu adversário, o Governador Alceu Collares, do PDT, iniciou no seu governo, um processo chamado condomínio rural, que consistia na distribuição de uma porção de terra a um grupo de famílias. E o governo ajuda e patrocina, para que possam, em conjunto, comprar o equipamento necessário. No entanto, eles não podem vender aquela terra. Aquela terra é de uso deles. Não pode acontecer, como muitas vezes tem acontecido, de o cidadão receber de graça a terra e terminar vendendo-a a um terceiro ou a um quarto e desaparecer.

Aceito que se debata a moderna tecnologia, que pode ser o condomínio rural, pode ser a cooperativa, na qual se determina que um grupo organize a cooperativa de terra e possa viver do cultivo dessa terra.

Alguma coisa precisa ser feita, Sr. Presidente. A tecnologia moderna é essa que está aí. Não era preciso ter havido a crise nos bancos para determinar o aumento fantástico de demissões de bancários. A nova tecnologia faz com que praticamente seja desnecessário um número interminável de trabalhadores num banco, que são substituídos por um computador, máquina que substitui praticamente uma agência completa.

O Sr. Edison Lobão - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com todo prazer.

O Sr. Edison Lobão - Relutei bastante em apartear V. Exª por duas razões: a primeira, porque estou examinando a possibilidade de também fazer um discurso sobre reforma agrária; a segunda, porque sou Relator do projeto do Senador Darcy Ribeiro. Fui Governador de Estado na época em que o Governador Alceu Collares também o foi. Creio que poucos de nós têm tanta intimidade com o homem do campo, porque com ele conviveu até os dez anos de idade, quanto eu. Vivi no campo, brincava com os filhos dos trabalhadores rurais, via o seu sofrimento, e aquilo me angustiava e me amargurava. Por volta de 1978, quando era jornalista, saí com o Presidente do INCRA, Dr. Paulo Yokota, numa distribuição de títulos de terra pelo Piauí, Maranhão, Bahia, Pernambuco, Ceará e outros Estados. Naquela ocasião, foram distribuídos 35 mil títulos de terra aos pequenos trabalhadores rurais. Anos depois, já Deputado, procurei saber o que aconteceu com aqueles 35 mil títulos de terra. Mais de 20 mil haviam sido vendidos, e outros, abandonados por aqueles que os haviam recebido gratuitamente do Governo. Então, cheguei à conclusão, naquele momento, de que a simples reforma agrária com distribuição de títulos de terra é muito pouco, não resolve o problema do trabalhador do campo. Fui pesquisar e estudar para saber em que medida a terra participa de fato da chamada reforma agrária integral e cheguei à conclusão, Senador Pedro Simon, de que a terra não significa mais do que 10% do processo de reforma agrária. E o que é o processo de reforma agrária? É a terra, são as estradas vicinais, as escolas que devem ser implantadas nos perímetros reformados, os pequenos postos de saúde, assistência técnica, assistência creditícia - tudo isso significa um bolo de 100%, no qual a terra representa apenas 10%. No governo do Estado, fiz mais reforma agrária do que o Governo Federal; distribuí 25 mil títulos de terra, enquanto que, ao longo de 400 anos, todos os governadores do meu Estado, juntos, haviam distribuído 17 mil títulos de terra. Eu, em três anos, entreguei 25 mil títulos de terra. A última obra do meu governo, no dia em que o deixei, foi a distribuição de mais 3 mil títulos de terra. Mas no final, Senador Pedro Simon, instituí o título coletivo exatamente para que não pudesse a terra ser transferida por pagamento, senão com o consentimento de todos. Nos títulos isolados, estabeleci uma regra segundo a qual o título de terra só poderia ser transferido a outrem dez anos depois de conseguido pelo proprietário original. Isso, para que a reforma agrária não signifique um comércio menor para aquele que recebe a sua própria terra. Senador Pedro Simon, as estatísticas demonstram que a maior nação agrícola dos mundo são os Estados Unidos. Lá, 90% da produção está nas mãos dos grandes produtores.

O SR. PEDRO SIMON - Como?

O Sr. Edison Lobão - Ainda bem que V. Exª agora resolveu prestar atenção. É um dado importantíssimo. A maior nação agrícola do mundo são os Estados Unidos. Noventa por cento da produção vem dos grandes produtores, daqueles que usam a mecanização.

O SR. PEDRO SIMON - É a primeira vez que estou ouvindo essa afirmativa. Um de nós dois está enganado.

O Sr. Edison Lobão - Pois é a primeira vez que V. Exª está ouvindo a afirmativa verdadeira.

O SR. PEDRO SIMON - É a primeira vez que ouço essa afirmativa, porque a informação que tenho, com relação aos Estados Unidos, é completamente diferente da que V. Exª está dizendo. Sei que a imensa maioria da produção dos Estados Unidos é atribuída à média propriedade. Aliás, praticamente, os Estados Unidos são formados de médias propriedades.

O Sr. Edison Lobão - Darei de presente a V. Exª, dentro de meia hora, os dados objetivos que demonstram o que estou dizendo.

O SR. PEDRO SIMON - Posso trazer até aqui os dados referentes aos Estados Unidos, mas acho que V. Exª está equivocado. Volto a dizer: a esmagadora maioria da produção agrícola americana está em mãos da média propriedade.

O Sr. Edison Lobão - A informação que tenho, cujos dados transferirei para V. Exª daqui a pouco, é de que 90% da produção está nas mãos daqueles que usam a tecnologia.

O SR. PEDRO SIMON - É outra coisa, lá todo mundo usa tecnologia.

O Sr. Edison Lobão - Todo mundo, não.

O SR. PEDRO SIMON - Nos Estados Unidos, usa-se a tecnologia praticamente em todos os lugares. Quem não usa não planta.

O Sr. Edison Lobão - Planta.

O SR. PEDRO SIMON - A concorrência está acirrada. A tecnologia é usada na média propriedade. Lá não há os grandes latifúndios; a imensa maioria é a média propriedade, com tecnologia, sem a qual ninguém produz nos Estados Unidos.

O Sr. Edison Lobão - Lá existem os grandes produtores, ainda que não existam os grandes latifúndios.

O SR. PEDRO SIMON - Ah!...os grandes produtores nas médias propriedades.

O Sr. Edison Lobão - Em grandes propriedades também.

O SR. PEDRO SIMON - Nas médias propriedades.

O Sr. Edison Lobão - Então, Senador Pedro Simon, o que quero dizer é que adoto a reforma agrária sim, mas com cuidados especiais, para que a terra não sirva apenas como símbolo de uma falácia. É preciso que essa reforma agrária, da qual V. Exª e eu falamos, sirva de fato aos trabalhadores rurais, aos homens do campo.

O SR. PEDRO SIMON - Senador Edison Lobão, concordo com V. Exª quando diz que temos de alterar conceitos anteriores. Pegar a terra e distribuí-la, pura e simplesmente, não resolve; deve haver fórmulas que garantam que a terra estará com quem quer produzir, no regime da pequena propriedade. Há casos até mais sérios, em que o cidadão recebe a terra, depois ele a vende, deixa a mulher e os filhos e vai para outro lugar.

Então, o que V. Exª está dizendo eu, antecipadamente, já havia dito em meu pronunciamento. Volto a repetir que se devem adotar fórmulas de garantia, por meio das quais o Brasil, nas suas distribuições de terra, garanta que ela estará nas mãos de quem está produzindo naquele regime.

Concordo que pode ser por meio de cooperativa, condomínio rural, mas, em hipótese alguma, pode-se deixar que vendam na hora em que queiram. Vou além de V. Exª: nem depois de 10 anos. Entendo que, se tiver que vender, que devolva ao Estado, que lhe pagará e colocará outra pessoa no lugar. Não é ele que dirá para quem vender a terra.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, podemos fazer uma análise muito interessante entre o Brasil e os Estados Unidos. Por que houve no Oeste americano aquele fato espetacular e aqui no Brasil não aconteceu o mesmo? É claro que não podemos fugir da realidade. O americano tem uma terra fantástica, que nós não temos. Nós saímos do Atlântico, caminhamos um pouco e chegamos à Serra do Mar. E para atravessá-la e chegar até a terra de V. Exª quanto tempo levou? Quanto tempo se levou para subir a Serra do Mar, ir adiante, atingir o oeste e chegar a Brasília?

Nos Estados Unidos, era pelo Atlântico, pelo Pacífico, pelo Golfo México, pelo Mississipi e pelo Missouri e as Montanhas Rochosas, estavam lá no meio da floresta, no centro dos Estados Unidos. A entrada foi a mais tranqüila e a mais fácil, enquanto que a nossa foi a mais dramática e a mais difícil. Esse aspecto não há como negar.

Por outro lado, não há como negar a diferença das leis que organizaram a exploração da terra aqui e lá. Podemos acompanhar até pelos filmes quem não leu na literatura ou nas análises sócioeconômicas da época. Havia uma lei americana, na época da colonização, que dizia: "Quem vai para o Oeste, lá constrói uma casa, faz uma roça e ali produz por cinco anos, numa área de 30 hectares, passa a ser, juntamente com sua família, proprietário da terra." Ele se torna proprietário através do uso da terra. Nos Estados Unidos foi assim.

O Sr. Jefferson Peres - Era a chamada home stead.

O SR. PEDRO SIMON - Exatamente. Nos Estados Unidos, o cidadão ia para o Oeste, instalava a sua família em um pedaço de terra, plantava, cultivava, e aquela terra se tornava dele. Bastavam cinco anos e 30 hectares. Isso definiu a marcha para o Oeste americano, porque o cidadão sabia que, indo para lá, conseguiria um pedaço de terra.

No Brasil, a lei diz que a posse não dá direito à propriedade. A posse nunca deu e não dá o direito à propriedade. Nos Estados Unidos, a posse dava o direito à propriedade; a lei produzia a multiplicação prodigiosa dos granjeiros livres, que fizeram, meu querido Senador, o desenvolvimento, o crescimento e a riqueza dos Estados Unidos.

No Brasil, poucos proprietários, latifundiários. Ninguém pode manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade. A licitude nega, às vezes, que isso possa acontecer.

Por isso, no Brasil acontece aquilo que o Senador Darcy Ribeiro contou: quando o ex-Deputado Juruna era cacique dizia que os índios mais tinham medo do "papé". E o Senador ficava pensando o que seria isso? O fato era que os índios estavam produzindo e, de repente, alguém chegava com um papel, uma certidão, dizendo que a terra era sua e ia embora.

Se tivéssemos no Brasil a garantia que o americano teve de que o uso da terra dava direito à propriedade, teria sido diferente a história deste País.

Eu venho do Sul, em cujos Estados a agricultura cresceu e progrediu - principalmente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná - porque trouxeram colonizadores italianos e alemães, que fizeram milagre. Isso não aconteceu no Norte e Nordeste porque para lá não foram italianos e alemães. Reconheço que os agricultores italianos e alemães no Rio Grande do Sul fizeram milagre. Na minha terra, Caxias do Sul, foi fantástico, transformaram a região, que era uma floresta só, montanha, indevassável. Cada família de imigrantes recebeu de 25 a 30 hectares de terra; e eles fizeram o resto.

Seria diferente se tentássemos fazer isso no Nordeste, no Centro-Oeste e no Norte? Nunca se fez. E como nunca se fez, não se pode cobrar o resultado.

Defendo, Sr. Presidente, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso coloque na Presidência do INCRA alguém à altura do que saiu. Podem ter mil restrições ao ex-Presidente do INCRA, mas - volto a repetir - ele tomou duas decisões importantíssimas: conseguiu com as Forças Armadas três milhões e setecentos mil hectares e mandou um projeto que está aqui e que determina que "desapropriada a terra, entrega-se para distribuição e, se o proprietário quiser recorrer, recorra, mas sem levar cinco, seis ou dez anos procrastinando.

O Sr. Júlio Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com o maior prazer.

O Sr. Júlio Campos - Deixei a Presidência desta sessão a fim de demonstrar a V. Exª a minha satisfação com o seu pronunciamento. Sei perfeitamente que a realidade do Brasil é diferente no Norte, Nordeste, Centro-Oeste e na Amazônia. V. Exª tem profundo conhecimento do assunto fundiário, já que teve oportunidade de exercer, durante um ano, o cargo de Ministro da Agricultura e da Reforma Agrária naquela época. E V. Exª é de um Estado que se destaca como o maior centro produtor de alimentos do País e onde a política do minifúndio funciona realmente muito bem, em relação aos demais Estados brasileiros. Preocupa-me - e muito - o assunto da reforma agrária. O eminente Senador pelo Maranhão, Edison Lobão, falou algo que tem tudo a ver com nossa região. Veja bem: é necessário fazer a reforma agrária em nosso País; é verdade, mas não a reforma agrária político-partidária como vem sendo feita hoje, com bandeiras vermelhas da CUT ou do PT, mas uma reforma realista para dar terra a quem realmente quer trabalhá-la e não apenas ocupar a terra em regime de transição. O exemplo típico que foi citado aqui é verdade. Como governador de Mato Grosso, fizemos uma boa política de colonização; não de reforma agrária, mas de colonização, assentamento daqueles colonos, e de muita gente do próprio Estado de origem de V. Exª, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, do Centro-Sul do País. Por meio da experiência com uma pesquisa que a CODEMAT - Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso - fazia, sabíamos de onde era originário esse pessoal que vinha do Sul. A grande maioria dos colonos que estavam se assentando na região do Aripuanã, no norte do Mato Grosso, já havia passado pelo Paraná, pela Colônia Agrícola de Dourados, que foi fundada pelo Presidente Getúlio Vargas na década de 40, já tinha passado por Rondonópolis, no período do Governador Arnaldo de Figueiredo, já tinha ocupado a região de Cáceres, na gestão do Governador Pedro Pedrossian. Dez anos depois, essas pessoas haviam vendidos os lotes que receberam de graça do governo em todos esses lugares e estavam no norte do Mato Grosso, em Aripuanã; muitos tinham ido para Rondônia e Roraima. Uma das idéias que achei sensacional foi a que o Senador Osmar Dias apresentou a esta Casa, dando incentivo à reforma agrária, mas fazendo com que, realmente, se cobrasse do cidadão, se ele fosse vender, o valor da terra. Não adianta darmos a terra ao cidadão, se não dermos assistência técnica, financiamento bancário, escola próxima - no máximo três ou quatro km - para que seu filho possa estudar, assistência médica. Vejo que, no Brasil, gastam-se milhões em desapropriações, e há até uma indústria de desapropriação, Senador Pedro Simon, feita por pessoas que estão comprando terra ou que já compraram em governos passados, para desapropriar agora, recebendo TDAs, documentos, e muitas dessas terras sem qualquer valor.

O SR. PEDRO SIMON - A TDA, que não valia nada, agora está valendo muito.

O Sr. Júlio Campos - Uma fortuna.

O SR. PEDRO SIMON - Agora, nas privatizações, estão dando valor de cara: dão cem para o que não vale trinta.

O Sr. Júlio Campos - Perfeito. Além disso, há poucos dias, tomei conhecimento de que um grupo de empresários do Sul já comprou em Mato Grosso 500 mil hectares de terras, lá nos confins de Mato Grosso, numa região onde há ainda muita maleita e é de difícil acesso; pois bem, essa região já consta em processos do INCRA para ser desapropriada por alguns milhões de TDAs, com apenas uma finalidade: entrar na privatização, comprar com esses TDAs e participar da política de privatização. O assunto é muito polêmico, e o atual Presidente do INCRA, Dr. Raul do Vale, que é um homem de primeira categoria, que foi levado para compor a Diretoria do Incra pelo ex-Presidente Francisco Grazziano, está fazendo um trabalho sério nesses dias que assumiu. Tenho certeza absoluta que se o Presidente da República não quiser nomear outro presidente para o Incra daqui a um ou dois meses e preservar o Dr. Raul do Vale, estará preservando um homem de bem. Nos dois contatos que tive com ele fiquei bastante impressionado pela sua posição, não só política com relação à terra, mas também em termos administrativos. Quero me congratular com o pronunciamento de V. Exª e dizer que o Mato Grosso é um Estado grande que tem 900 mil quilômetros quadrados, que contém a Região do Pantanal, com 100 mil quilômetros quadrados, que deve ser preservada, para o equilíbrio do meio ambiente; temos uma parte da Região Amazônica que é um pouco de terra baixa e faz fronteira com o Estado do Amazonas, na região do Aripuanã, lá na fronteira Mato Grosso/Amazonas; pois bem, ainda temos, no mínimo, mais de 30 milhões de hectares de terras que podem ser ocupados pelo Programa de Colonização e Reforma Agrária. Sejam bem-vindos todos os brasileiros que queiram trabalhar na terra e produzir, pois o Mato Grosso tem terra para eles. Terra não é problema neste País. Há terra não só em Mato Grosso, mas também no Maranhão, Piauí, Rondônia, Acre. Também precisamos ver os problemas difíceis que o minifúndio vem enfrentando, hoje, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná - o Centro-Oeste tem condições de recebê-los. Com muita honra, queremos que essa política de colonização e reforma agrária chegue em nossa região para que continuemos a ser a grande região produtora de alimentos. Não é justo dizer-se que no Brasil ainda morre gente por falta de terra para trabalhar.

O SR. PEDRO SIMON - Em primeiro lugar, gostaria de salientar os nossos agricultores. Quando V. Exª diz que há agricultores que saíram do Paraná e foram para o Mato Grosso. Temos que distinguir dois tipos: não conheço aqueles a que V. Exª se refere, mas provavelmente existam, ou seja, aqueles cidadãos que ganham a terra de graça e depois vão embora. Digo, no entanto, que esses não são os agricultores do Rio Grande do Sul. Os agricultores do Rio Grande do Sul saíram do Rio Grande do Sul, mas colonizaram lá.

Quando se escreve a história deste século - me perdoe a sinceridade -, assim como falamos em Bandeirantes, vamos falar nos gaúchos. Se os Bandeirantes tiveram o mérito de, com os emboabas, elevar as fronteiras do Rio Grande do Sul em nível de conquista, deve-se dizer que foram em busca de esmeraldas e de riqueza. Os gaúchos saíram e foram explorar terras. Em primeiro lugar, não foram ganhar terras de ninguém. Compraram a terra. Venderam suas propriedades por incompetência nossa, do Rio Grande do Sul, de elevar a zona da fronteira, que hoje é uma zona em retrocesso - agora estamos iniciando, justiça ao Senhor Fernando Henrique, que conseguiu área prioritária -; é uma região tão pobre como as mais pobres que existem, e em vez de se aproveitarem aquelas pessoas e fazer justa distribuição no geral, saíram do Rio Grande do Sul por falta de terra, pegaram seus pertences e foram comprar outras terras, primeiro, no oeste de Santa Catarina e, depois, no oeste do Paraná. Foram os gaúchos que fizeram. E como os descendentes dos italianos e alemães vieram para o Rio Grande do Sul, seus filhos foram fazer no oeste de Santa Catarina e no oeste do Paraná o mesmo desenvolvimento. E dali saíram e foram para o Mato Grosso e para Rondônia. Mas também não ganharam terras; foram comprar terra porque, infelizmente, a competência de organizar o esquema de produção nós não tivemos.

O Sr. Edison Lobão - V. Exª me permite um último aparte, nobre Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON - Pois não, nobre Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão - Creio que de algum modo possa atender agora às dúvidas de V. Exª. Tenho aqui em mãos um artigo do Deputado Roberto Campos, que foi nosso colega aqui no Senado e é um dos maiores estudiosos da matéria.

O SR. PEDRO SIMON - Mas não dos mais imparciais.

O Sr. Edison Lobão - Eu o considero um dos mais imparciais e mais competentes.

O SR. PEDRO SIMON - Eu o considero um dos mais brilhantes que conheço, mas o mais parcial.

O Sr. Edison Lobão - Digo mais a V. Exª: ele é um dos que maior autoridade possui nessa matéria, por ter sido exatamente o autor do Estatuto da Terra, que é o que está vigendo e é muito bem-feito. É um dos melhores do mundo.

O SR. PEDRO SIMON - Eu até diria que o Estatuto da Terra, que não foi feito por ele, mas no Governo do Presidente Castello Branco, é melhor do que o que está aí hoje. Não diga V. Exª que foi o Deputado Roberto Campos que fez o Estatuto da Terra - perdoe-me. É o Governo Castello Branco que tem o mérito do Estatuto da Terra. É melhor do que o que está aí, é verdade, mas não me diga que foi do Roberto Campos, pelo amor de Deus, porque S. Exª vai protestar, vai ficar magoado com V. Exª; vai dizer: "Uma das coisas erradas que fizeram e que não me ouviram, foi o Estatuto da Terra".

O Sr. Edison Lobão - Se V. Exª me devolver o aparte que me concedeu, talvez eu possa atender a sua curiosidade integral, inclusive sobre esse aspecto.

O SR. PEDRO SIMON - Perdoe-me, Senador.

      O Sr. Edison Lobão - Diz aqui o Deputado Roberto Campos, já começando a atender à curiosidade de V. Exª: "A confusão recente em torno das ocupações de terras, dos movimentos políticos e dos desafios à ordem jurídica interessa-me particularmente porque foi sob a minha responsabilidade" - ele está dizendo, não sou eu quem está dizendo - "que se elaborou, no Governo Castello Branco, o Estatuto da Terra, documento ao qual geralmente se reconhece um caráter moderno e inovador".

O SR. PEDRO SIMON - É um pouquinho de vaidade dele.

O Sr. Edison Lobão - Primeiro, V. Exª dizia que ele se aborreceria porque eu estava dizendo isso; agora, diz que é vaidade dele. Deixe-me concluir meu aparte, que será curto. Daí, S. Exª prossegue, estudando profundamente o problema da terra no Brasil e nesse ponto declara:

      "Assentar agricultores é relativamente fácil, desde que se contenha a invasão de terras produtivas, que é uma perversão ideológica perigosa. Mas não é barato, fala-se em R$40 mil por família e as trapalhadas usuais do Governo não ajudam. Em Mato Grosso, por exemplo, quase todos os projetos oficiais fracassaram em contraste com as colonizações privadas. Na agricultura atual, além de tecnologia e de insumos industriais caros, máquinas e equipamentos pesam muito."

E agora vem aquela questão a respeito da qual eu havia falado. Diz Roberto Campos:

      "Nos Estados Unidos, a média desse item era de U$ 42 mil. Ali, 90% da mais poderosa agricultura do mundo são tocados por estabelecimentos de alta eficiência com menos de 2% da força de trabalho."

É o que diz o Dr. Roberto Campos em um artigo publicado no dia 12 de novembro, recente, dizendo exatamente aquilo que eu acabava de informar a V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON - V. Exª cometeu um equívoco. Ele está dizendo que 90% das terras produzidas nos Estados Unidos são com alta tecnologia.

O Sr. Edison Lobão - Não, não é isso que ele está dizendo!

O SR. PEDRO SIMON - Então repita a leitura; vamos ouvi-la.

O Sr. Edison Lobão - Vou repetir.

      "Ali", ou seja, nos Estados Unidos, "90% da mais poderosa agricultura do mundo são tocados por estabelecimentos de alta eficiência com menos de 2% da força de trabalho."

O SR. PEDRO SIMON - Volto a repetir: ali predomina a média propriedade. E, mesmo na média propriedade, é inexpressiva a necessidade de força de trabalho hoje, porque a tecnologia impera.

O Sr. Edison Lobão - Em nenhum momento, falou-se em média propriedade aqui.

O SR. PEDRO SIMON - Em determinado momento do seu aparte, V. Exª disse que, nos Estados Unidos, predomina a grande propriedade. Volto a repetir: nos Estados Unidos, há o predomínio da média propriedade; existem muito poucos latifúndios, mesmo os produtivos. É a média propriedade que campeia nos Estados Unidos. Agora, há uma alta tecnologia, que, cada vez mais, afasta o homem da terra; a mão-de-obra é vedada.

Quando o Presidente desta Casa, Senador José Sarney, era Presidente da República e eu era Ministro da Agricultura, defendi a tese de que deveríamos copiar o modelo de irrigação da Índia e não o dos Estados Unidos, porque, na Índia, é feita uma irrigação artesanal, em que se gastam US$700 por hectare e em que a mão-de-obra é necessária. No Vale do São Francisco, adotamos o modelo americano de irrigação, em que praticamente não se precisa de mão-de-obra, pois a tecnologia é profissional; o botão faz praticamente tudo.

Assumiu a Presidência dos trabalhos o Presidente titular da Casa, que me sinaliza no sentido de que o Regimento tem que ser cumprido. O seu antecessor estava sendo mais liberal. Assim, identifico-me com V. Exª e encerro o meu pronunciamento, dizendo que, em primeiro lugar, reforma agrária é uma decisão política.

Quando Governador de Estado, enfrentei muitas dificuldades - acho que não conheço caso igual - e comprei terra com o dinheiro do Estado, pagando à vista. A reforma agrária era um problema do Governo Federal. Comprei terra com o dinheiro do Estado e fiz o assentamento em terra paga à vista, porque o problema social estava se tornando exagerado.

Naquela ocasião, eu substituía 24 anos de governo da ARENA, e, ao contrário de outros Estados, que, mesmo quando o sucessor também era da ARENA, brigavam entre si, foram, por 24 anos, o mesmo grupo e a mesma equipe. E, quando entrei, o PT e o PDT acharam de fazer uma revolução no sentido de colocar gente na rua porque o Governador era do MDB. Comprei a terra e assentei. Entendo que isso pode ser feito sem precisar comprar ou, às vezes, até comprando.

É verdade, Sr. Presidente, que estamos vivendo um momento diferente. Mas não parece, apesar disso, que não seja importante e necessária a reforma agrária. Como dizem os nobres Senadores - tanto V. Exª, do Maranhão, como V. Exª, do Amazonas - é necessário que se encontre a fórmula para que a terra não seja explorada, passada de mão em mão. Fórmula de uso técnico, na forma de cooperativa, de condomínio rural ou seja lá o que for; havendo a garantia de que essa terra não será passada adiante também.

Reforma agrária não é só dar terra; é terra e mais muita coisa também, como feijoada não é só feijão, é feijão e muita coisa, mas tem que ter o feijão. V. Exª pode ter os 90% do resto; mas, com os 90% do resto, se não tiver a terra, não dá para plantar. Vamos dar terra e cuidar do resto.

Recebo com carinho o aparte do nobre Senador pelo Mato Grosso, mas, com todo o respeito à pessoa que hoje está respondendo pelo INCRA, se dependesse de mim - e disse isso pessoalmente ao Presidente Fernando Henrique Cardoso -, a figura do Sr. José Gregório seria o grande nome para dar ao INCRA a credibilidade que ele manteve com seu antecessor, mas que hoje é uma interrogação.

Fazendeiros estão a "soltar foguetes", porque o que saiu, saiu, e ficam na expectativa de que quem indique o nome seja o atual titular do Ministério da Agricultura, um companheiro nosso, brilhante, um dos banqueiros mais competentes que conheço, mas não me parece que seja a pessoa exata que deva indicar quem será a pessoa que vai conduzir a reforma agrária.

Ajudei o Presidente Fernando Henrique Cardoso quando indicou, à revelia do Ministro, alguém - volto a repetir - que em dois meses fez mais pela reforma agrária do que há muito tempo não se fazia.

Espero que ele faça o mesmo ao escolher o sucessor do Sr. Grazziano.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/1995 - Página 5428