Discurso no Senado Federal

ANUNCIANDO A PUBLICAÇÃO DO RELATORIO FINAL DOS TRABALHOS DA COMISSÃO ESPECIAL TEMPORARIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO VALE DO SÃO FRANCISCO.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ANUNCIANDO A PUBLICAÇÃO DO RELATORIO FINAL DOS TRABALHOS DA COMISSÃO ESPECIAL TEMPORARIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO VALE DO SÃO FRANCISCO.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/1995 - Página 5440
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, CONCLUSÃO, TRABALHO, COMISSÃO ESPECIAL, DESENVOLVIMENTO, VALE DO SÃO FRANCISCO, PUBLICAÇÃO, RELATORIO, LEVANTAMENTO, DADOS, NECESSIDADE, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, RECOMENDAÇÃO, ESTUDO, ALTERNATIVA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB-AL. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, depois de sete meses de intenso e proveitoso trabalho, a Comissão Especial Temporária para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco, que me coube a honra de presidir, vem trazer a publico seu relatório final.

                Essa peça, com mais de 120 páginas, diligentemente confeccionada por nosso relator, o nobre Senador baiano Waldeck Ornelas, sistematiza os resultados de 17 sessões; dezenas de depoimentos de autoridades especializadas presentes a painéis, exposições, audiências públicas; e outras tantas reuniões para apreciação de relatórios parciais.

                Obedecendo a uma metodologia de trabalho amplamente discutida pelos seus membros, a Comissão procedeu ao exame gradativo e minucioso de temas destacados da realidade são-franciscana. Os dados, as informações e os conhecimentos assim levantados serviram para fortalecer a convicção de todos nós quanto ao enorme potencial e à relevância, para o Nordeste e para o Brasil, daquela vasta área de 640.000 km², correspondente a 7,5% do território nacional banhada pelo Velho Chico, ao longo de seus 2.700 km de percurso, desde a Serra da Canastra, em Minas Gerais, até o Oceano Atlântico, na divisa dos estados de Sergipe e Alagoas.

                Os eventos promovidos pela Comissão colocaram ao alcance do Parlamento uma inédita massa de elementos de convicção que, certamente, servirão de insumos a toda uma linha de produção legislativa voltada ao desenvolvimento daquela região.

                Na verdade, Sr. Presidente, ainda durante seu funcionamento, pôde a Comissão avançar suas primeiras contribuições concretas, tais como o projeto de concessões de serviços de irrigação, já mencionado pelo Sr. Presidente da República, e outro, estabelecendo nova Política de Irrigação e Drenagem, atualmente em exame na Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa.

                Como dizia, isso se tornou possível graças ao panorama interdisciplinar que nos foi aberto pelas explanações de dezenas de autoridades e técnicos em temas tão diversos como irrigação; manejo agrícola dos cerrados; comercialização internacional de frutas; recursos hídricos e energéticos; serviços de infra-estrutura; transporte hidroviário; política social e ambiental.

                Registro, com satisfação, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, naquele fórum de debates e soluções, aos diagnósticos objetivos e atualizados de altos dirigentes da Codevasf; de secretários estaduais de Agricultura; de peritos da Embrapa, da Chesf, do BNDES, do Banco Nordeste, do Ibama; das associações empresariais de irrigação e drenagem; a esses diagnósticos juntaram-se o clamor e a legitimidade da sociedade civil, representada pelos movimentos de defesa ambiental, a exemplo do S.O.S. São Francisco.

                Sr. Presidente, ser-me-ia impossível, aqui e agora, fazer completa justiça à riqueza do conteúdo do relatório. Limito-me, portanto, a um conjunto de considerações setoriais que, todavia, bem realçam o alcance e a duradoura importância do trabalho da Comissão.

                Tendo despertado a curiosidade e o fascínio de viajantes e estudiosos ilustres de variada origem, tais como Saint-Hilaire, Burton, Von Spix, Von Martins, Lund, Milner Roberts e Heinrich Halfeld, além do nosso imortal Euclides da Cunha, foi o São Francisco incorporado pela primeira vez ao âmbito oficial das prioridades nacionais através da Constituição de 1946. Seu Ato das Disposições Transitórias estabelecia, no artigo 29, a obrigação do Governo Federal de, no prazo de 20 anos a contar da data de promulgação daquela Carta, "traçar e executar um plano de aproveitamento total das possibilidades econômicas do rio São Francisco e seus afluentes", no qual aplicaria " quantia não inferior a um por cento da renda tributária".

                Note-se, entre parênteses, que, correspondendo a região a quase oito por cento do território nacional e abrigando, àquela época, sete por cento da população brasileira, tal dispositivo não chegava a constituir uma prodigalidade do Governo para com a área.

                Àquela época, o Brasil já se dera conta do potencial econômico dos recursos naturais do vale, com destaque para o aproveitamento da energia hidráulica e para a irrigação. Esse foi o contexto de organização da Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco (Chesf), em outubro de 1945, sob cuja responsabilidade, três anos depois, iniciou-se a construção da usina de Paulo Afonso. Na mesma época, foi construída a primeira barragem - eclusa de Sobradinho, que normalizou a navegação de vapores e barcos desde Pirapora até Juazeiro/Petrolina.

                Nas décadas posteriores, Sr. Presidente, esse impulso inicial de desenvolvimento floresceu contra o pano de fundo de cambiantes formatos institucionais. A Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) foi criada pela Lei nº 541, de dezembro de 1948, nitidamente inspirada na Tennessee Valley Authority (TVA), carro-chefe do New Deal do presidente Roosevelt nos anos 30.

                Em meio ao período de atuação da CVSF foi instituída a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), cujas ações mais notáveis no vale foram o mapeamento dos solos irrigáveis do submédio São Francisco, a implantação de um laboratório de solos e de duas estações experimentais de irrigação, além da implantação e operação do projeto de irrigação de Bebedouro.

                A partir de 1967, com a outorga da nova Constituição, o regime militar privou o vale do São Francisco da verba prescrita em 1946: a CVSF foi extinta e substituída pela Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), com base no Decreto-Lei nº 292, de fevereiro de 1967. Cinco anos depois, era criado o Provale (Programa Especial para o Vale do São Francisco), com o objetivo de atender aos locais mais desassistidos. Nessa mesma época, a Chesf deu início à construção da grande barragem do Sobradinho, e um levantamento geral da região foi encomendado pelo Governo Federal à empresa de consultoria americana Development and Resources Corporation, de David Lilienthal, presidente-fundador da TVA.

                Com base nas recomendações do Relatório Lilienthal, a Suvale foi profundamente reestruturada dando lugar, a final, a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).

                A essas iniciativas e arranjos institucionais sucederam-se, ainda, o Plano Diretor para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Planvasf), de 1981, e mais recentemente, em 19 de maio do corrente ano, o "Compromisso pela Vida do São Francisco", firmado, no Recife, pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso e pelos governadores de nove estados nordestinos mais o de Minas Gerais.

                Toda essa breve reconstituição histórica, Sr. Presidente, para esclarecer o cenário dentro do qual o vale do São Francisco se desenvolveu graças à agricultura irrigada de exportação, atingindo níveis de prosperidade econômica e bem-estar social que justificam o epíteto de Califórnia Nordestina.

                Hoje no entanto, a continuidade desse surto de riqueza e, mais ainda, a perspectiva de sua mais justa e equânime distribuição, se acham condicionadas por uma série de desafios, atinentes ao aproveitamento das potencialidades agrícolas, hidroviárias e energéticas do São Francisco de formas que respeitem seu equilíbrio ecológico, a fim aquele inestimável patrimônio ambiental para as gerações futuras.

                Neste ponto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pediria sua atenção para alguns dados preocupantes e merecedores de cuidadosa reflexão à luz das informações colhidas pela Comissão e sistematizadas no relatório.

                Segunda maior reserva de água doce do País e responsável por 66,6% dos recursos hídricos da região Nordeste, o vale do Rio São Francisco vem sendo ameaçado pelo assoreamento provado pelos milhões de toneladas de areia que descem de suas encostas desmatadas; por uma grande descarga de poluentes químicos não-tratados; pela irrigação desregrada aliada à pesca predatória; e, finalmente, pela construção de barragens ao longo de seus quase 3 mil quilômetros de extensão sem o necessário e competente exame dos seus impactos ambientais.

                Em suma, Sr. Presidente, de sua nascente, em Minas, até sua foz, em Alagoas, o Velho Chico está virando uma grande lixeira. Os ambientalistas chegam mesmo a prever o colapso final para o ano de 2060!

                E dos sete estados integrantes de sua bacia, posso afirmar que minha Alagoas é hoje o que mais sofre com essa devastação. De Paulo Afonso a Piaçabuçu, outrora a zona mais piscosa de toda o rio (com grande produção de surubins, dourados e curimatãs), a degradação ambiental transformou mais de cinco mil famílias de pescadores em bóias-frias da cana-de-açúcar. Muitas delas foram obrigadas a migrar pois as cidades, em busca de uma incerta sobrevivência, contribuindo involuntariamente para o inchaço dos centros urbanos, sobretudo na capital, Maceió.

                Outro aspecto que pode ser observado em toda a sua dramaticidade pelo ângulo de meu estado, é o do efeito da construção de grandes barragens. Depois de Paulo Afonso, Sobradinho e Itaparica, o fenômeno da piracema -- naquela época do ano em que os cardumes sobem o rio para desovar suas larvas nas águas tranqüilas das lagoas marginais -- vem sendo severamente restringido. Ora, isso ameaça a reprodução de várias espécies, algumas das quais já condenadas à extinção.

                Com a hidrelétrica de Xingó, a situação irá se agravar: sua barragem de 140 metros de altura é um obstáculo intransponível até mesmo para o surubim (maior habitante do rio e que chega a ter 1,5 m de comprimento e cerca de 120 kg de peso).

                Antes de Sobradinho e de Xingó, Sr. Presidente, a vazão média do São Francisco em seu trecho alagoano era de 650 m³ durante as grandes enchentes. Hoje, a vazão máxima é de apenas 2 mil m³ por segundo. O rio perdeu sua capacidade de arrastar milhões de toneladas de detritos e areias jogadas em seu leito.

                Esse quadro é agravado pelo fato de que, além dos poluentes agroindustriais, o rio é contaminado pelos dejetos das cidades ribeirinhas, que depositam em suas águas uma carga crescente de coliformes fecais.

                A consciência dessas ameaças e complexidades multiplicada pela extensão e pela arte totais da bacia, levou a Comissão Especial do São Francisco a ponderar cautelosamente sobre os possíveis impactos da proposta de transposição das águas, com a finalidade de beneficiar alguns dos estados nordestinos mais castigados pela seca, tais como o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

                Daí que o relatório no seu bloco de recomendações atinentes à Gerência de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente, propõe uma completa e minuciosa reformulação do projeto original de 1994, face a sua evidente inadequação às características e condições do rio São Francisco, paralelamente ao estudo de concepções alternativas, aí incluído o Projeto Semi-Árido, proposto pela Codevasf e o aproveitamento otimizado de outras bacias nordestinas.

                Essas e outras sugestões de políticas governamentais (a exemplo daquelas relativas à dinamização da agricultura irrigada, o manejo ecológico dos cerrados dos recursos hídricos e as alternativas de financiamento para projetos cruciais de infra-estrutura, como a hidrovia do São Francisco), bem assim os projetos de lei mencionados ao início deste meu pronunciamento, confirmam a relevância do relatório ora apresentado.

                Por tudo isso, tomo a liberdade de fazer de seu autor, senador Waldeck Ornélas, o portador de meus agradecimentos a todos os demais colegas de Comissão por essa oportunidade ímpar de produtivo convívio em benefício daquela vasta região banhada pelo "Velho Chico", o "rio da unidade nacional", e, conseqüentemente, do Nordeste de todos nós.

                Muito Obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/1995 - Página 5440