Discurso no Senado Federal

DESIGUALDADES SOCIAIS EXISTENTES NO PAIS, PARTICULARMENTE EM SÃO PAULO, CONFORME DADOS DE PESQUISA REALIZADA PELA PUC/SP.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • DESIGUALDADES SOCIAIS EXISTENTES NO PAIS, PARTICULARMENTE EM SÃO PAULO, CONFORME DADOS DE PESQUISA REALIZADA PELA PUC/SP.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/1995 - Página 5812
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PUBLICAÇÃO, RESULTADO, PESQUISA, PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA (PUC), ESCLARECIMENTOS, DESIGUALDADE SOCIAL, DISTRITO, CAPITAL DE ESTADO, MAIORIA, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, EXCLUSÃO.
  • ELOGIO, QUALIDADE, METODOLOGIA, PESQUISA, UNIVERSIDADE, SUGESTÃO, AMPLIAÇÃO, ESTUDO, AMBITO NACIONAL.
  • NECESSIDADE, CONHECIMENTO, EXCLUSÃO, BUSCA, SOLUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESIGUALDADE REGIONAL, CORREÇÃO, MODELO, CAPITALISMO, BRASIL, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, há muitos anos, políticos, técnicos e observadores falam das desigualdades sociais existentes dentro do Brasil. Diversos livros tratam do assunto, mas existem notáveis dificuldades para mensurar essas diferenças e medir o tamanho da desigualdade. Diversos métodos foram tentados, mas nenhum deles conseguiu resumir e expressar o problema.

Recentemente, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo concluiu uma pesquisa, realizada durante um ano, comparando 141 bases de dados diferentes, como renda e saúde, em 96 distritos da cidade de São Paulo. Esse é o conceito de exclusão social, que amplia a idéia de pobreza, com a qual os cientistas sociais lidavam nas décadas passadas.

O conceito de exclusão social considera excluídos não somente os que ganham pouco, mas também aqueles que são segregados por sua raça, gênero, religião, ou porque têm dificuldades de acesso à saúde, educação e emprego, entre outros indicadores. Esse trabalho considera excluídos aqueles que perderam a capacidade de ascensão social.

O Jornal Folha de S.Paulo publicou, no último dia 26 de novembro, o resultado dessa magnífica pesquisa realizada pela PUC, conduzida pela professora Aldaíza Sposati, baseada em fontes oficiais estaduais e federais, com o auxílio da Arquidiocese da cidade, da Ordem dos Economistas, da Ação dos Empresários pela Cidadania e do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea. O jornalista José Roberto de Toledo, baseado nesse documento, produziu uma ótima e esclarecedora reportagem.

O trabalho conclui, Srs. Senadores, que Barcelona e Somália convivem na cidade de São Paulo. Nos 96 distritos paulistanos, 73 estão em áreas de exclusão social. São regiões onde o acesso à saúde, ao saneamento e à educação são precários, e a população, além da baixa renda, mora sem nenhum conforto. Nesses distritos, de acordo com o Censo de 1991, vivem 82% da população ou 7,9 milhões de pessoas, mais que toda a população da Somália, cerca de 7 milhões de habitantes.

Na outra parte de São Paulo, nos 23 distritos de melhor qualidade de vida, vivem, segundo o mesmo critério, 1,7 milhão de pessoas, pouco mais que a cidade espanhola de Barcelona. O distrito de Moema, seis quilômetros ao sul da Praça da Sé, com seus 77 mil habitantes, é o de melhor qualidade de vida. Obteve nota máxima no quesito qualidade, conforto familiar, infra-estrutura sanitária e tempo de transporte. Moema, em tupi-guarani, curiosamente, significa doçura.

Esse conjunto de oito bairros tem a melhor qualidade de vida de São Paulo. Lá, 37% dos chefes de família ganham mais de 20 salários mínimos por mês. Só perdem para os do Morumbi. Há 3,1 pessoas por residência, e 2,6 por banheiro. Moema tem o melhor índice de atendimento em educação infantil em escolas públicas e particulares. A demanda é de 1.827 crianças para 4.141 vagas. A vida noturna é agradável. Há um bom número de bares e restaurantes.

Lajeado, o pior distrito de São Paulo, segundo o Mapa da Exclusão, fica sem água pelo menos dois dias a cada três, e de cada 100 casas duas nem sequer possuem instalações sanitárias. Essa porção Somália dentro da cidade de São Paulo fica a 24 km a leste da Praça da Sé. As ruas do Jardim Lourdes, um dos bairros mais pobres do distrito, não são asfaltadas; um córrego recebe ligações improvisadas de esgoto; e há, em média, 4,3 pessoas por casa, 2,9 pessoas por dormitório e 4,4 pessoas por banheiro. Apenas 0,17% dos chefes de família, naquela localidade, possuem renda mensal superior a vinte salários mínimos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o trabalho é muito interessante ao conjugar e estabelecer um nexo entre desenvolvimento humano, qualidade de vida, autonomia e eqüidade. Desenvolvimento humano inclui escolaridade dos chefes de família, educação infantil, longevidade, mortalidade infantil e juvenil, além de violência.

Por qualidade de vida, o estudo entende infra-estrutura sanitária, conforto domiciliar, oferta de serviços de saúde e educação, tempo de deslocamento, propriedade do domicílio e atração dos investimentos imobiliários. O quesito autonomia significa a renda do chefe de família, emprego e a população da rua. Por último, o conceito de eqüidade abrange domicílios com mulheres chefes de família.

Em São Paulo, os pesquisadores, utilizando esses novos conceitos de pesquisa, descobriram uma Somália convivendo com uma Barcelona dentro da Capital do Estado mais rico do Brasil. É preciso estender esse trabalho a todo o Brasil. O IBGE ainda não divulgou, até hoje, os dados completos do Censo de 1991, o que dificulta a montagem de uma pesquisa assemelhada, válida para todo o território nacional.

A desigualdade é flagrante no Brasil. É tão forte e tão brutal que o jornalista norte-americano Michael Lind, em seu livro A Próxima Nação Americana, cunhou a expressão "brazilização" ao definir, na sua visão, o futuro da sociedade dos Estados Unidos: uma elite cada vez mais reclusa e impenetrável aos demais grupos sociais. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é urgente tomar medidas para reduzir esse abismo de desigualdades. Mas, para diminuir as distâncias sociais, é preciso ter uma noção completa da exclusão no Brasil.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, que fez sua vida profissional nas melhores universidades do Brasil e do Ocidente, produziu diversos trabalhos que apontavam na direção das desigualdades existentes dentro de um país e entre países. A sua teoria da dependência explica que há países centrais e países periféricos, mas essa função império e periferia ocorre entre países e dentro de uma mesma sociedade.

Os países desenvolvidos possuem, eles próprios, em maior ou em menor medida, suas áreas periféricas e excluídas. Nos Estados Unidos, o exemplo é flagrante. Nos países europeus, as regiões excluídas são constituídas de migrantes de outras nacionalidades. Controlar a economia e a distribuição de renda é, nos países europeus, uma questão de abrir ou fechar as portas para migrantes. Fenômeno semelhante ocorre na Ásia.

O Brasil, no entanto, apresenta um quadro diferente. A desigualdade é nacional, é brasileira, é local. Boa parte dos migrantes tem vida melhor que a dos brasileiros. O brasileiro exclui o brasileiro do processo social e econômico. As regiões são diferentes entre si do ponto de vista social e econômico. Não há dúvida de que o Centro-Sul, industrializado e politicamente poderoso, tem enormes vantagens comparativas em relação aos Estados do Norte e do Nordeste.

O mapa da exclusão social brasileira deve-se iniciar pelas regiões, depois pelos Estados e, se houver fôlego, pelas cidades. A concentração de renda é impressionante no Brasil. O mapa feito na cidade de São Paulo mostra que apenas 23 dos 96 Municípios apresentam pais de família com ganhos superiores a vinte salários mínimos por mês. O índice vai-se repetir e se tornar ainda mais perverso na medida em que a pesquisa for evoluindo para o Nordeste e o Norte do Brasil.

Além do problema social em si, que é grave, é sério e merece uma política para reverter essa tendência, a questão econômica resultante dessa disparidade é igualmente desastrosa. Os criadores dos conceitos iniciais do capitalismo, que introduziram a idéia da industrialização, queriam reduzir custos, baratear seus produtos e ter como consumidores seus próprios empregados. A idéia era, e continua sendo, de expandir o consumo até o último limite para manter as máquinas funcionando com bom índice de lucratividade para seus proprietários.

No Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o capitalismo é feito sem mercado consumidor, ou com um mercado várias vezes inferior ao que poderia ou deveria ser. A concentração de renda faz com que uma pessoa tenha cinco aparelhos de televisão, e não que cinco pessoas tenham os mesmos cinco aparelhos de televisão. Os custos são maiores, os preços finais aos consumidores são visivelmente majorados. Isso significa que a relação entre produtor e consumidor, neste capitalismo verde e amarelo, é completamente diferente dos manuais clássicos desse sistema econômico.

Outra conseqüência é que a produção é menor; portanto, o número de empregos ofertados ao mercado é inferior ao que poderia ser. Há mais gente desempregada, aumenta o exército de mão-de-obra de reserva e os salários dos que estão trabalhando tendem também a cair. Ou seja, o sistema é todo ele voltado para a concentração cada vez maior da renda, a redução progressiva da massa salarial. Por essa razão, um brasileiro compra em Nova Iorque um sapato produzido em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, pela metade do preço desse mesmo sapato no mercado nacional.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto é denso, profundo e já mereceu estudos, discussões e análises. É preciso tomar medidas para, ao menos, inverter essa tendência à concentração de renda que se verifica no Brasil. O Governo do sociólogo Fernando Henrique Cardoso - que conhece a fundo essa matéria e sobre ela escreveu belíssimos trabalhos - precisa criar políticas de emprego, favorecer as indústrias e as atividades intensivas de capital e produzir ações na infra-estrutura das cidades, que estão desamparadas e excluídas do processo econômico. Os jornais informam que, apenas neste ano de 1995, as indústrias de São Paulo demitiram 193 mil trabalhadores.

O pior, Sr. Presidente, infelizmente, é que o que vemos é exatamente o inverso. A Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e muitas outras empresas estatais ou de economia mista estão tirando ainda mais o fôlego dos Estados, que já são pobres. Na Paraíba, um grande contingente de funcionários da Caixa Econômica Federal foi transferido para Pernambuco e para o Rio Grande do Norte.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Pois não, Senador. Com muita honra.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Nobre Senador Ney Suassuna, V. Exª, na tarde de hoje, enfoca um assunto da mais alta relevância, a distribuição de renda no Brasil, notadamente a concentração de renda. É sabido - e as estatísticas estão aí a confirmar - que 10% dos brasileiros detêm 50% da renda nacional. Bastaria que 20% desse contingente tão grande de brasileiros ricos e milionários pagasse 20% do seu Imposto de Renda e nós teríamos R$200 bilhões todos os anos que poderiam ser utilizados em programas sociais, para uma melhor distribuição de renda e melhoria das condições sociais da população. Sabemos, principalmente nós, do Nordeste, o quanto a nossa Região padece de pobreza, de miséria, de falta de condições efetivas no que diz respeito à moradia, à educação, à saúde e à própria segurança da população pobre. Quero crer também que se a SUDENE, que hoje está completamente esvaziada, recebesse mais força, mais prestígio das autoridades constituídas, a sua ação poderia se voltar mais para a industrialização e para o fortalecimento da agricultura, porque o Nordeste é viável. Apesar da pregação negativista que fazem contra a nossa Região, ela produz petróleo e tem recursos minerais incomensuráveis, que são, ano a ano, subtraídos dali em benefício de outras regiões. Há cinco anos, Senador Ney Suassuna, a Região Nordeste tinha, mais ou menos, um índice de participação na renúncia fiscal do Governo de 38%. Hoje, essa participação se reduz a 10 ou 12%. Isso significa mais pobreza para o Nordeste, mais pobreza para a nossa Região. De sorte que quero aproveitar esta oportunidade para congratular-me com V. Exª pelo seu pronunciamento, que diz bem da realidade nacional e que é uma reclamação que devemos levar em consideração, não só para o Nordeste, mas para o Brasil por inteiro. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Valadares, incorporo o aparte de V. Exª ao meu discurso e concluo dizendo que essa situação se agrava diante da política econômica do Governo, do aprendizado novo do Real.

As cidades estão falidas e cada vez mais se agravará a situação. Apenas as capitais ainda sobrevivem; as demais cidades estão quebradas, assim como os Estados.

Ainda hoje conversávamos com o nobre, inteligente e capaz ex-Senador, hoje Governador, Divaldo Suruagy, que nos falava das dificuldades que está vivendo o Estado de Alagoas - estando S. Exª aqui presente, aproveito a oportunidade para tocar nesse assunto. O Governador explicava-me que precisava rolar a dívida do seu Estado e que as condições oferecidas pela República são de quase duas vezes a do crédito que lhe foi oferecido externamente.

A nossa República não está preocupada com os Estados mais pobres. É preciso que aprovemos, no Senado Federal, uma regra definitiva para a rolagem da dívida, a fim de que possamos ter a governabilidade de nossos Estados.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Ney Suassuna, V. Exª me permite mais uma interrupção?

O SR. NEY SUASSUNA - Com muito prazer, nobre Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Nobre Senador Ney Suassuna, procurando colaborar mais uma vez com o pronunciamento de V. Exª, gostaria também de dizer que no nosso pequenino Estado de Sergipe há quase que uma intervenção branca do Governo Federal. Isso porque, para o Estado de Sergipe conseguir um empréstimo de R$120 milhões da Caixa Econômica, o Governo Federal estabeleceu condições draconianas ao Governo do Estado, que as aceitou, como, por exemplo, a demissão em massa de servidores públicos, a desestatização de empresas do Governo, como também determinadas ações governamentais que vão gerar, sem dúvida nenhuma, o desemprego no Estado. Como acabei de dizer, o Nordeste é uma das Regiões mais pobres do País e, com esse programa de enxugamento que o Governo Federal está pregando - que já vem lá do FMI, que já é uma exigência do consenso de Washington -, ele está transferindo todas essas exigências internacionais para os Governos estaduais, deixando-os humilhados, de cabeça baixa perante o seu povo, que nele confiou. O Governador de Sergipe, Sr. Albano Franco, prometeu na campanha eleitoral que daria cem mil empregos aos sergipanos se fosse eleito. Mas o que estamos vendo é justamente o contrário; vemos o desemprego se aproximando em massa para aqueles cidadãos que nele votaram para Governador. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Excelência.

Concluindo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fica aqui o apelo ao Governo Federal para que crie, siga, implante políticas que façam a homogeneização do País, e não que aumente essas diferenças regionais e econômicas. Tenho certeza de que, na hora em que forem aplicar essas políticas, o Norte e o Nordeste não haverão de ficar de fora, porque cada vez mais se agrava a situação dessas Regiões, comparativamente com o "Sul maravilha".

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/1995 - Página 5812