Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, NA DATA DE HOJE, DO DIA DA MARINHA. IMPORTANTES PROGRAMAS SOCIAIS E ATIVIDADES DE TRANSPORTE COMERCIAL DESEMPENHADAS PELA MARINHA BRASILEIRA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. FORÇAS ARMADAS.:
  • COMEMORAÇÃO, NA DATA DE HOJE, DO DIA DA MARINHA. IMPORTANTES PROGRAMAS SOCIAIS E ATIVIDADES DE TRANSPORTE COMERCIAL DESEMPENHADAS PELA MARINHA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/1995 - Página 5745
Assunto
Outros > HOMENAGEM. FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, MARINHA.
  • COMENTARIO, CONTRIBUIÇÃO, MARINHA, APOIO, ASSISTENCIA MEDICA, POPULAÇÃO CARENTE, ABERTURA, CORPO AUXILIAR FEMININO DA RESERVA DA MARINHA (CAFRM), FORMAÇÃO PROFISSIONAL, ESCOLA DE MARINHA MERCANTE, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, PROGRAMA ANTARTICO BRASILEIRO (PROANTAR), TRANSPORTE MARITIMO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO NACIONAL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

           O calendário cívico brasileiro assinala a comemoração, neste treze de dezembro, do Dia da Marinha. A data escolhida é uma homenagem ao Almirante Joaquim Marques de Lisboa, o Marquês de Tamandaré, Patrono da Marinha.

           Nascido a treze de dezembro de 1807, na cidade gaúcha de Rio Grande, Tamandaré constituiu-se em figura emblemática da Marinha brasileira, por uma trajetória profissional de sessenta e sete anos em que não faltaram exemplos de coragem, civismo, inteligência e heroísmo.

           Jovem ainda, aos quinze anos de idade, Joaquim Marques de Lisboa ingressou na Marinha Imperial, como voluntário, na condição de aprendiz de piloto. Vivia o País, naquele momento, a delicada e conturbada conjuntura de guerra pela Independência, na qual a Marinha desempenhou papel de fundamental importância.

           O primeiro Comandante sob cujas ordens serviu Tamandaré, Lord Cochrane, Comandante inglês contratado pelo Império para auxiliar na tarefa de organização de nossa Marinha, experiente de tantas batalhas, cedo percebeu o valor daquele jovem que se destacava nos combates, prevendo-lhe um futuro brilhante.

           Lord Cochrane não se enganara.

           Além da luta pela consolidação de nossa Independência, Tamandaré teve participação ativa a bordo de navios de nossa esquadra no esforço para debelar movimentos separatistas, eclodidos nas primeiras duas décadas de Brasil Independente, colocando em risco a unidade nacional. Vitoriosos, tais movimentos poderiam levar o País à fragmentação, em processo similar ao ocorrido no resto da América Latina.

           Já na condição de Comandante, Tamandaré novamente se viu em combate, agora enfrentando forças externas, na campanha Cisplatina e na Guerra da Tríplice Aliança. Nesta, aliás, ocorreu a maior batalha naval da América do Sul, no Rio Paraná, próximo a Riachuelo. O combate, ocorrido em onze de junho de 1865, conhecido como Batalha Naval do Riachuelo, determinou efetivamente os rumos da guerra, terminando com a vitória brasileira e a ocupação de Assunção, no dia primeiro de janeiro de 1869.

           Ao encerrar sua carreira, após sessenta e sete anos de brilhantes serviços prestados ao País, Tamandaré legou à Marinha e ao Brasil demonstrações de raras qualidades, que enobrecem o militar e moldam o cidadão.

Sr. Presidente, não poderia deixar de citar outro herói anônimo, o qual, por sua coragem e desprendimento, concorreu para modificar uma inaceitável situação que, no início deste século, afligia os marinheiros de nossa Marinha de Guerra. Refiro-me a João Cândido, homenageado em uma famosa canção da música popular brasileira como o almirante negro, aquele "que tem por monumento as pedras pisadas do cais".

João Cândido liderou os marinheiros na Revolta de 1910, episódio que ficou conhecido como a "Revolta da Chibata". Tal movimento, ignorado pela grande maioria dos brasileiros, pretendia suprimir os castigos corporais que eram impostos à marujada como punição pelas faltas praticadas.

Faço este preâmbulo para mostrar a marcante diferença que há entre a marinha de outrora e a marinha de hoje. A Marinha do Brasil, esta instituição secular que teve sua origem nas lutas pela nossa independência, é um modelo de integração social, contando em seus quadros com cidadãos das mais diferentes regiões desse imenso país, sem qualquer discriminação de cor, religião ou classe econômica. O intitulado almirante negro da Revolta da Chibata, execrado, humilhado e maltratado pelos seus algozes, concorreu para as necessárias mudanças que possibilitaram a ascensão de outros negros aos postos do almirantado, os quais, no limiar do novo século, são dignos representantes da miscigenação racial que ora impera em nossa Marinha.

Há, Sr. Presidente, clara sintonia entre a história vivida pela Marinha do Brasil e a trajetória heróica de Tamandaré e João Cândido. O nascimento de nossa Marinha, num quadro de extrema dificuldade, está atrelado à luta pela independência nacional. Sua primeira missão foi expulsar as forças portuguesas sediadas no Brasil e impedir a chegada de outras. Na luta pela conquista da liberdade, a esquadra brasileira teve importância capital: enfrentou e venceu a Divisão Portuguesa, na Bahia, entre maio e julho de 1823.

Na guerra contra o Paraguai, a atuação brasileira no conflito esteve quase unicamente sob a responsabilidade da Marinha, até que o Exército pudesse se organizar. A Batalha Naval do Riachuelo foi o ponto crucial dessa guerra.

Nas duas grandes conflagrações mundiais do século vinte, a Marinha brasileira se fez presente. Por ocasião da Primeira Guerra, em resposta ao afundamento de dois navios brasileiros, foi constituída a Divisão Naval em Operações de Guerra, que combateu na costa da América do Sul, da África e do sul da Europa.

Também respondendo aos ataques de submarinos alemães aos nossos navios mercantes, o Brasil ingressou na Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1942. A mais importante e decisiva atuação da Marinha do Brasil nesse conflito concretizou-se nas perigosas escoltas de comboios no Atlântico. No total, foram duzentos e cinqüenta e quatro comboios, defendendo dois mil, novecentos e oitenta e um navios aliados, alguns dos quais contando exclusivamente com a defesa de navios brasileiros. Além disso, a Esquadra brasileira transportou, com absoluta segurança, os nossos pracinhas que foram lutar em solo italiano.

           Não faço apologia da guerra, luto pela paz, a guerra é a maior estupidez cometida pelos seres humanos. Apenas ressalto o fato que se, na guerra, nossa Marinha deu mostras suficientes de destemor e heroísmo, em tempos de paz sua atuação não é menos significativa. Gostaria de, no momento em que saudamos a Marinha do Brasil pela passagem de seu dia, registrar algumas ações conduzidas por nossa Força Naval que atestam, acima de tudo, sua extraordinária inserção na vida brasileira.

           Cito, de imediato, o trabalho de elevado alcance social desenvolvido pelos navios de assistência hospitalar "Oswaldo Cruz" e "Carlos Chagas", junto às populações de localidades situadas às margens dos rios amazônicos. Além da assistência médica e dentária, são realizados exames laboratoriais para diagnóstico de doenças tropicais, além da vacinação contra a febre amarela e a hepatite.

           Projetados e construídos no Brasil, esses navios possuem convés de vôo, levando um helicóptero que facilita o atendimento às populações ribeirinhas. Abrigando leitos, consultórios, médicos, dentistas, enfermeiros, laboratórios, em vez de armas, os navios de assistência hospitalar cumprem papel insubstituível na Amazônia. A rigor, os navios da Flotilha do Amazonas -- que constantemente patrulham os rios da região -- são carinhosamente conhecidos como "Navios da Esperança", pelo apoio prestado por suas tripulações aos habitantes da área.

           Registro, ainda, pela contribuição dada ao processo de formação da cidadania, a Operação Cisne Branco, realizada, anualmente, em escolas de primeiro grau espalhadas pelo Brasil. Palestras, mostras e exposições antecedem ao lançamento de um concurso de redação sobre determinado tema, envolvendo milhares de crianças.

           Destaco, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a iniciativa pioneira da Marinha do Brasil de abrir espaço à mulher, com a criação, em 1980, do Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha. Respondendo com entusiasmo, competência e dedicação à confiança nela depositada, a mulher brasileira fez do Corpo Auxiliar Feminino uma realidade que superou as melhores expectativas que embalaram sua criação.

           Com duas Escolas de Formação de Oficiais da Marinha Mercante, uma no Rio de Janeiro e uma em Belém, a Marinha do Brasil é a responsável pela formação, nos vários níveis, do pessoal que integra as tripulações de nossa Marinha Mercante. Assim, formando profissionais com o mais elevado padrão que a atualidade requer, a Marinha oferece sua inestimável colaboração para o transporte de noventa e cinco por cento do comércio exterior brasileiro.

O Brasil, país continente banhado por cerca de oito mil quilômetros de litoral, depende do mar para sua sobrevivência. Cerca de 95% de nosso comércio exterior é efetuado por via marítima. Nossas exportações e importações, excetuando a parcela correspondente ao MERCOSUL, navegam a bordo de navios mercantes. Um exemplo bastante conhecido é o caso do petróleo, ouro negro que movimenta a sociedade moderna, ora transportado por nossos navios que, orgulhosa e provavelmente por pouco tempo, desfraldam nosso garboso pavilhão pelos mares afora.

Não podemos esquecer, também, a exploração dos recursos de nossa plataforma marítima. O país, num futuro próximo, cada vez mais dependerá do pescado, do petróleo e de outros minerais disponíveis nas águas jurisdicionais brasileiras, cuja riqueza já desperta a cobiça internacional.

É neste contexto global que se ressalta a importância da marinha. A ela caberá, se o destino um dia assim o exigir, a defesa dessas linhas de suprimento e dos recursos de nossa plataforma. O Brasil, enquanto propugna a convivência pacífica das nações, precisa estar preparado para garantir sua soberania, num mundo em que as grandes decisões ainda são fortemente marcadas pelo estigma da força, usada sem escrúpulos pelos poderosos.

Chamo especial atenção ao estreitamento de nossas relações com a mãe África, continente ao qual estamos indissoluvelmente ligados por traços étnicos, culturais e históricos. Qualquer incremento nas relações do Brasil com os países africanos passa, necessariamente, pelo Oceano Atlântico, caminho natural que tanto nos afasta como nos une. A Marinha, como fiel guardiã dos interesses marítimos do Brasil, vem desempenhando um papel relevante nesta gratificante aproximação de países irmãos. Infelizmente, muitos desconhecem sua ativa participação no transporte de tropas brasileiras, empregadas em missões de paz em Moçambique e Angola, e o inestimável auxílio que ela tem prestado na formação e preparação da Marinha da Namíbia, país que recentemente logrou obter sua completa independência.

Sr. Presidente, cumpre-me ressaltar o caráter estratégico da ação da Marinha do Brasil. O mundo contemporâneo está a demonstrar, dia após dia, a importância do mar na garantia de sobrevivência, em tempos de guerra, e de prosperidade, em tempos de paz. Lembremos, por exemplo, que dele vem mais da metade do petróleo que produzimos e a totalidade do petróleo que importamos. Mais: nele estão depositadas as esperanças de muitos em termos de alimentação e de energia.

Decorre dessa compreensão o esforço que a Marinha brasileira vem desenvolvendo no sentido de enfrentar adequadamente o desafio do mar. Nessa perspectiva, são fundamentais as atividades científicas. A presença brasileira no Continente Antártico tem sido, de 1982 aos dias de hoje, exemplo modelar de arrojada competência.

Nossa estação de pesquisa na Antártica, a Estação Comandante Ferraz, instalada em apenas doze dias, conta, hoje, com sessenta e dois módulos e, desde 1986, funciona permanentemente. Durante o verão, de dezembro a março, cerca de quarenta pessoas lá trabalham, entre militares, pessoal de manutenção e pesquisadores civis.

O panorama atual, porém, no que diz respeito à preparação da Marinha para esta importante tarefa, demonstra que estamos na contramão da História. As propaladas restrições orçamentárias têm atingido gastos com a defesa nacional e as Forças Armadas, sofrendo um contínuo processo de desgaste em seus recursos materiais e humanos.

No que tange à Marinha, sua participação no orçamento da União, chegou a ser de 5,72% dos recursos do Tesouro, se mantendo, nos últimos anos, na média de 0,6%. Apenas 0,6% da Lei Orçamentária Anual!

É com este montante que a Marinha poderá contar para financiar suas inúmeras obrigações nacionais e internacionais, tais como: a defesa de nossas águas territoriais; o patrulhamento das vias marítimas vitais para o nosso comércio; a assistência social e humanitária prestada às populações ribeirinhas; a execução de programas científicos prioritários; o auxílio à manutenção da paz em diversas regiões de conflito do planeta; a colaboração para estruturação de marinhas de países africanos, emergentes das trevas do colonialismo; enfim, em muitas outras tarefas que deixo de citar.

As sucessivas reduções do orçamento da Marinha têm impedido a realização de seu programa de reaparelhamento, indispensável para permitir a substituição de navios que estão atingindo os seus limites de vida útil. É com muito esforço que a Marinha tem conseguido adquirir algumas poucas belonaves, como uma corveta e um novo submarino, cujas autorizações para contratação de crédito externo foram aprovadas, no corrente ano, por esta Casa Legislativa.

A crise pela qual passa a indústria naval do Rio de janeiro, onde a falta de encomendas tem levado à desmobilização de uma importante mão-de-obra especializada, poderia ser atenuada por meio de contratos de construção de navios para a Marinha. Desta forma, se estariam resolvendo três grandes problemas de uma só tacada: o reaparelhamento da Marinha, vital para a consecução de suas tarefas, a recuperação dos estaleiros, fundamental para a economia do estado e do país, e a manutenção de milhares de empregos, oportuno bálsamo para aliviar o sofrimento da exasperada população fluminense.

Levanto-me, pois, como representante dos mais humildes e do povo do nosso querido Estado do Rio de Janeiro, para protestar contra esta situação de penúria que atinge uma de nossas mais gloriosas instituições. Não pensem, Srªs e Srs. Senadores, que faço apologia às Forças Armadas ou que estimulo as atividades bélicas de qualquer natureza. Muito pelo contrário, minha trajetória de lutas é testemunha inequívoca da importância que atribuo às questões sociais, chaga aberta neste país repleto de tantas desigualdades. Entretanto, como brasileira que sou, tenho plena consciência da importância de nossa Marinha de Guerra, como fator de proteção e como um importante vetor de desenvolvimento da imensa nação brasileira.

Esta mesma Marinha, que um dia defendeu nossos mares contra os traiçoeiros ataques dos corsários nazistas, hoje encontra-se em lastimável situação de penúria. Seus navios, alguns deles originários da segunda guerra mundial, necessitam ser substituídos por outros mais modernos e adequados às complexas tarefas reservadas às marinhas na nova ordem mundial.

Vejo com preocupação o crescente fluxo migratório que leva muitos marinheiros, sargentos e até oficiais a buscarem residências nas favelas. Não que tal fato seja desabonador ou degradante. Na favela, Srªs e Srs. Senadores, vivem pessoas de bem, massacradas por uma distribuição de renda que não possibilita qualquer ascensão social. Dói-me, porém, presenciar este quadro desalentador, esta queda incessante de padrão de vida que alcança as famílias de marinheiros e o povo brasileiro.

É hora de atentarmos para os problemas de defesa do país. Escândalos como o que agora presenciamos, tal qual esta tenebrosa história do SIVAM, necessitam ser esclarecidos, para que não pairem quaisquer dúvidas sobre a sua utilidade e a correção do processo de aquisição do sistema selecionado. Isto, porém, não nos exime da obrigação de colaborarmos para a formulação de uma política de defesa, que atenda aos anseios do povo brasileiro. A Marinha, dentro deste contexto, não pode ser esquecida!

Assim, no momento em que o poder naval passou a ser mais exigido, na medida em que os Estados manifestam crescente interesse pela exploração dos recursos do mar, a Marinha do Brasil vence desafios, supera adversidades e investe no conhecimento científico-tecnológico.

Aí está a mais brilhante forma de se comemorar uma história a caminho do bicentenário. Recolher as lições de grandeza do passado, aprender com elas, e ter a ousadia de descortinar o futuro.

           Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/1995 - Página 5745