Discurso no Senado Federal

QUESTIONANDO O BENEFICIO SOCIAL DAS REFORMAS PREVIDENCIARIA, ADMINISTRATIVA, FISCAL E TRIBUTARIA PROPOSTAS PELO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • QUESTIONANDO O BENEFICIO SOCIAL DAS REFORMAS PREVIDENCIARIA, ADMINISTRATIVA, FISCAL E TRIBUTARIA PROPOSTAS PELO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Aparteantes
Lauro Campos, Ney Suassuna, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/1995 - Página 6123
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ELOGIO, PROPOSTA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFORMULAÇÃO, PAIS, OPORTUNIDADE, QUESTIONAMENTO, ALCANCE, BENEFICIO, RESULTADO, REFORMA ADMINISTRATIVA, REFORMA TRIBUTARIA, PREVIDENCIA SOCIAL, AUSENCIA, GARANTIA, JUSTIÇA SOCIAL, DIREITOS, CIDADÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao fim desta Sessão Legislativa, tivemos oportunidade de ouvir aqui vários pronunciamentos, que tiveram o objetivo de chamar a atenção para o desempenho do Governo para implementação das reformas a que se propõe o Presidente Fernando Henrique Cardoso e para o cumprimento do nosso papel, a realização das nossas atividades durante este ano de 1995.

Proponho-me, dentro dessa mesma linha que inspirou os pronunciamentos dos Senadores que me antecederam, Freitas Neto, Pedro Simon e Casildo Maldaner, chamar a atenção para o cenário internacional que estamos vivendo neste momento, e particularmente o Brasil, em relação às grandes reformas econômicas, financeiras, os ajustes fiscais que os diferentes Estados e os vários continentes estão experimentando, a reforma da Previdência, a reforma do Estado, enfim, a valorização das atividades privadas sobre as iniciativas públicas. Tudo isso tem recebido um rótulo de neoliberalismo e está como que comandando as grandes políticas dos diferentes Estados em todo o mundo.

Creio que o que está ocorrendo na França, se não é um sinal vermelho é, pelo menos, um sinal amarelo. É toda uma sociedade que se rebela: os sindicatos, os empregados públicos, os ferroviários, os estudantes que vão às ruas, que paralisam as atividades públicas para protestar contra um ajuste brutal do Estado que vem, inclusive, determinar um corte de despesas na Previdência que atinge duramente os aposentados franceses. Diz-se que o déficit da Previdência francesa é da ordem de US$50 bilhões. O Governo alega que não pode persistir com esse déficit. A França e os outros países da Europa - já, agora, na Bélgica, o problema está eclodindo - fazem duros ajustes no Estado para poderem implantar a moeda única em toda a Europa Ocidental, na chamada União Européia. O equilíbrio das contas públicas, o ajuste fiscal do Estado, as políticas de privatização, a redução do número de funcionários públicos, as políticas de modificação na Previdência anunciam, talvez, um fim do que se chamou welfare state - o Estado do bem-estar social, mas não podemos negar que essas modificações são importantes, necessárias e até imprescindíveis. É impossível financiar-se um Estado cronicamente deficitário; é impossível o milagre de se buscarem recursos onde eles não existem. Ninguém pode contestar isso, ninguém pode pregar um Estado que seja relapso no cumprimento das suas obrigações, um Estado que estimule - ao invés de combater - a inflação. Não se trata disso. Mas daí a erigir o ajuste fiscal e essas mudanças na órbita econômica e financeira dos Estados como uma espécie de dogma, como um fetiche moderno, vai uma distância muito grande.

Reformas para quê? O Senador Pedro Simon brindou-nos, aqui, com um pronunciamento muito bonito e cheio de sensibilidade, aliás, próprio de S. Exª. O destinatário final das ações do Estado é o homem. Então, gerar inflação para quê? Fazer o ajuste fiscal para quê? Reduzir a Previdência para quê? Se nós não formos capazes de anunciar uma nova utopia e uma nova proposta para essa sociedade, ela, certamente, vai se opor, mais cedo ou mais tarde, mais ou menos intensamente.

No entanto, em um determinado momento, ela irá se voltar contra o Estado, contra os seus titulares, contra os seus representantes, que se encontram absorvidos dentro dessa política macroeconômica, mas que descuram das necessidades da sociedade e desconhecem as ansiedades, as angústias das pessoas que compõem essa mesma sociedade.

Portanto, é necessário acenar com algo de positivo, com alguma proposta que sensibilize essas massas, algo que seja capaz de reunir adeptos, de mobilizar vontades no sentido de produzir uma nova sociedade, sim, no sentido de realizar um novo papel para o Estado. Para que tudo isso seja feito, há que se observar a verdade inescapável de que a pessoa, a sociedade, o homem, por fim, é o único destinatário das ações do Estado.

Não se trata de clientelismo, de favorecimento, de privilégios, mas de buscar essa noção de bem comum que, muitas vezes, se perde nessas contabilidades, nesses ajustes e nessas políticas fiscais macroeconômicas.

O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso instalou-se sob o signo das reformas. É um Governo reformista, que tem uma política reformadora. Essa é a principal característica do atual Governo. Muitas dessas reformas estão em curso. Muitas alterações já foram produzidas na Constituição Federal com apoio do Congresso Nacional. Outras não dependem de reforma da Constituição. Porém, também se encontram em andamento - a reforma do Estado, a política de privatização, bem como a reforma das políticas públicas. Umas mais, outras menos adiantadas.

Mas o que pretendemos com o nosso pronunciamento, no momento em que louvamos esse propósito reformista do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, é pedir a Sua Excelência que não sucumba diante dessa tentação moderna de ver apenas essa política macroeconômica, essa política de grandes ajustes, essa política fiscal, essa política em que os resultados não são perceptíveis pelo homem comum, que não é alcançado pelos benefícios dela decorrentes.

A Espanha, por exemplo, foi um dos países que mais cresceram nos últimos anos. O PIB cresceu extraordinariamente. No entanto, quantos empregos foram gerados na Espanha? Zero. Nenhum emprego. Qual é a finalidade desse crescimento econômico? Qual é o objetivo desse enriquecimento nacional, se o homem não se apropriar de nada disso?

Volto a citar a beleza do pronunciamento do Senador Pedro Simon. No seu discurso, S. Exª pediu que o lado sociólogo do Presidente Fernando Henrique Cardoso fosse mobilizado, fosse sensibilizado, para que Sua Excelência pudesse, nas reformas que está empreendendo, chegar a esse objetivo final da sua política socialdemocrata.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCâNTARA - Neste particular, quero fazer uma referência expressa ao Ministro da Educação, Professor Paulo Renato, que já foi capaz de propor, com criatividade e inteligência, várias modificações no âmbito da educação, algumas delas já aprovadas pelo Congresso Nacional. Trata-se, realmente, de medidas de profundidade que irão contribuir no sentido de combater, com eficiência e celeridade, uma das maiores chagas que temos em nosso País, que é essa situação verdadeiramente calamitosa da Educação nacional.

Ouço, com todo prazer, o Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senador, não adianta termos um Estado forte, um país rico, se a população está infeliz e na miséria. Solidarizo-me com as palavras de V. Exª e digo que, com toda a certeza, pequenas medidas como educação, saúde, segurança e alimentação farta poderiam facilitar a vida do homem, do povo. Temos como fazer isso. Basta que se modifique um pouco a diretriz que se está tomando, que é extremamente econômica, para buscar facilitar a vida do nosso povo. Parabéns, nobre Senador.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna. Em síntese, eu diria que vale pouco fazer o ajuste das grandes contas nacionais, se não ajustarmos as pequenas contas do cidadão comum, daquele que precisa se viabilizar econômica, financeira e socialmente para poder ter esse status de cidadão, o que toda pessoa merece em uma sociedade moderna e desenvolvida, em uma sociedade que aspira a justiça social.

Faço justiça. O equilíbrio das contas públicas, a estabilidade da economia, o fim da inflação significou e significa muito, para nós, brasileiros, que já experimentamos percentuais de 40% ao mês. Sabemos o que isso significa, em termos de desordem econômica, de desordem social, de desordem institucional. Inclusive, porque, é um confisco importante. Esses altos percentuais inflacionários confiscam o salário já pequeno do trabalhador, do homem comum, do funcionário público, do assalariado, porque o grande tem como se defender da inflação. Porém, isso só não basta; isso só não significa que o ideal socialdemocrata tenha sido cumprido. É preciso não abandonar as políticas públicas e a responsabilidade do Estado, porque algumas delas são inescapáveis. Nenhum Estado moderno poderá intitular-se dessa forma, se não for capaz de prover a segurança da sociedade, se não for capaz de assistir o homem nas suas carências, na educação, na saúde, na segurança pública, na Previdência e assim por diante.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª, com grande satisfação.

O Sr. Lauro Campos - Eminente Senador Lúcio Alcântara, é com prazer que ouço o seu pronunciamento nesses momentos terminais do corrente ano. Tenho a dizer que, pelo nível do discurso, eu assinaria embaixo das palavras de V. Exª. Acontece que, em relação a algumas outras questões, não posso, infelizmente, concordar com V. Exª. Acho realmente que já aconteceu o colapso da modernidade. "Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial", de Robert Kurv. A economia de mercado já entrou em crise há muito tempo. Essa modernização apregoada já foi desmentida pela prática: de 820 a 850 milhões de desempregados, depois da mais eufórica e afirmativa década de investimento e nova tecnologia. A economia de mercado, como afirma Robert Kurv, agora colaborador da Folha de S. Paulo, realmente demonstrou, principalmente no Brasil e na periferia, que a modernização despreza o homem e continua a tentar privilegiar o capital e o processo de concentração e acumulação de riquezas. Portanto, também desejamos que o destinatário último do esforço social seja a própria coletividade, e não alguns grupos privilegiados, como bem frisou V. Exª. Mas duvido que, dentro desse modelo que alguns ainda persistem em manter vivo, possamos conseguir chegar a tais objetivos que, ao nível do discurso de V. Exª e ao nível da minha convicção mais profunda, devem ser realmente aqueles que devemos colimar como políticos e como seres sociais.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Agradeço a V. Exª, Professor e Senador Lauro Campos, e fico feliz por V. Exª concordar, em grande parte, com o meu pronunciamento. Veja bem, a França, mais uma vez, poderá estar servindo como uma espécie de farol para orientar as sociedades.

Em 1968 - e na época o professor e sociólogo Fernando Henrique Cardoso estava em Paris, como exilado, como perseguido pelo Governo militar -, explodiu aquela grande manifestação dos estudantes, as barricadas nos bulevares, a universidade insurreta reagindo contra um sistema educacional esclerosado, ortodoxo, ultrapassado, superado. E, dizem as publicações, um dos professores a quem o Daniel Le Rouge mais admirava, pela sua erudição, pelo seu conteúdo social e humano, era justamente o professor Fernando Henrique Cardoso.

Aquele movimento de 1968 teve repercussão no mundo todo. Agora, novamente, a velha França, que nos decepciona com os experimentos nucleares, mostra que há uma sociedade viva que pulsa, que reage. Não quero entrar no mérito da manifestação dos franceses reagindo contra as modificações da Previdência, mas ela tem o condão de nos alertar que não é possível pensarmos apenas nas variáveis macroeconômicas, apenas nos grandes ajustes da economia, desprezando a vida do cidadão comum, porque essa será sempre uma sociedade injusta e iníqua, e esse caminho não nos levará a coisa alguma, porque está carente de um conteúdo social que tem que ser próprio da atividade do Estado.

O Sr. Roberto Requião - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com prazer, solicitando que seja breve para que eu possa concluir o meu pronunciamento.

O Sr. Roberto Requião - Senador Lúcio Alcântara, é com prazer que vejo esse extravasamento da sua sensibilidade social. Acredito, no entanto, Senador, que a agenda dos próximos anos está posta. É a própria agenda da próxima eleição presidencial. De um lado, a visão globalizante e entreguista e, de outro lado, as velhas noções de soberania, pátria e nação se cristalizando. Sinto mobilização nesse sentido nas Forças Armadas. Sinto nas Igrejas com a sua opção pelos países mais pobres e pelos pobres dos países. E verifico que, nessa batalha que se travará em 1998, os funcionários públicos, a partir desse ano, notadamente os professores, terão uma participação especial, sem mídia, com grande dificuldade de comunicação, o sentimento nacional dos que querem um país aberto, integrado no planeta, mas não entregue aos grandes capitais financeiros e as 34 mil multinacionais, que são responsáveis por apenas 5% dos empregos do globo. Esse sentimento e essa mobilização começam a se manifestar e afloram como uma ponta de um iceberg no discurso que V. Exª faz neste momento.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Agradeço, Senador Roberto Requião, o aparte de V. Exª.

É evidente que essa contradição ou esses dois campos que V. Exª delineou não têm mais a mesma nitidez do passado. A tendência à internacionalização da economia, à globalização, à formação dos megamercados, parece-me que é uma tendência até certo ponto irreversível, mas há certos limites para que isso aconteça, e V. Exª alerta, com toda razão, inclusive para o problema da mídia. Estamos vivendo não só aqui, mas no mundo todo, sob o domínio da mídia e dos seus slogans, que simplesmente decidem o que é bom e o que é mau.

O meu tempo já está se esgotando, eu iria comentar, entre tantas reformas, que o Presidente Fernando Henrique está patrocinando, uma delas, a chamada reforma administrativa, que, para mim, é um exemplo de algo que precisa ser feito, mas que tem sido conduzido de maneira precipitada, atabalhoada, com uma discussão absolutamente insuficiente sobre o assunto. Vejam bem, ela só tem uma agenda negativa: vamos tirar a estabilidade, acabar o concurso público, reduzir salários, e o que isso oferece ao servidor? Qual é o incentivo? Qual é o estímulo? Qual é a profissionalização? Qual é o valor que se confere a esses servidores do Estado?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, queremos, ao apagar das luzes desta Sessão legislativa, alertar e convocar a todos. O Ministro Sérgio Motta, há poucos dias, declarava que o Governo vai iniciar o período do "fazejamento", e esse "fazejamento" deve ser justamente voltado para as políticas públicas na área social, para que o Estado assuma as suas responsabilidades, para que o Estado possa patrocinar inversões que conduzam o nosso povo e a nossa gente a um futuro melhor. A estabilização, por si só, é importante, é uma precondição, necessária e indispensável, mas não é suficiente, não é tudo que o povo brasileiro deseja, almeja e tem direito.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/1995 - Página 6123