Discurso no Senado Federal

DESCASO DOS ORGÃOS GOVERNAMENTAIS COM OS PESCADORES DO ESTADO DO CEARA, QUE VIVEM, EXCLUSIVAMENTE DA PESCA ARTESANAL DA LAGOSTA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PESCA.:
  • DESCASO DOS ORGÃOS GOVERNAMENTAIS COM OS PESCADORES DO ESTADO DO CEARA, QUE VIVEM, EXCLUSIVAMENTE DA PESCA ARTESANAL DA LAGOSTA.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/1995 - Página 4203
Assunto
Outros > PESCA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, ORGÃOS, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, AUSENCIA, DISCIPLINAMENTO, ORGANIZAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, ATIVIDADE, PESCA ARTESANAL, PREJUIZO, SITUAÇÃO, PESCADOR ARTESANAL, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO CEARA (CE).
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PESCADOR ARTESANAL, FORMAÇÃO, RIQUEZAS, ESTADO DO CEARA (CE), NECESSIDADE, URGENCIA, BUSCA, SOLUÇÃO, DEFESA, FUTURO, PESCA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, RECURSOS NATURAIS.

         O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago hoje a esta Casa um assunto preocupante e que atinge diretamente uma parte significativa da população trabalhadora do Estado do Ceará. Ele diz respeito aos pescadores que vivem exclusivamente da pesca artesanal da lagosta.

         São cerca de sessenta mil pescadores que vivem dessa atividade e que sustentam suas famílias com o que tiram do mar. Apesar dos riscos que correm cotidianamente e dos sacrifícios enfrentados no trabalho, eles são marginalizados pelos órgãos governamentais. Além disso, entram constantemente em choque com os mergulhadores das grandes e médias empresas pesqueiras, não escapam da sanha dos atravessadores que especulam vergonhosamente em cima do produto e travam uma luta desigual contra o turismo predatório e indiscriminado que os afasta pouco a pouco do seu habitat. Vale ressaltar que, nos últimos dez anos, os mega-projetos turísticos têm contribuído significativamente para liquidar com o pescador artesanal no Ceará.

         Apesar de tudo, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, os trabalhadores do nosso País já começam a adquirir o hábito de tratar de seus interesses de maneira coletiva. E não é por acaso que esse processo de exercício da democracia participativa vem chamando a atenção de políticos e de autoridades governamentais mais sensíveis.

         Dessa maneira, uma das questões que considero centrais para valorizar o futuro do desenvolvimento harmônico nacional é a ação direta do Governo, no sentido de criar mecanismos de efetivo apoio à participação popular nos espaços econômicos.

         Assim, o Governo deve preocupar-se com o atendimento das necessidades básicas das populações, criando condições concretas para que elas possam desenvolver normalmente suas potencialidades, produzir de maneira correta e obter resultados compensadores pelo esforço de seu trabalho.

         Aos defensores dessas idéias, cabe portanto levantar bandeiras reivindicatórias justas, perante as esferas de poder estadual e federal, e estabelecer uma estrutura eficiente, que seja capaz de promover mudanças socioeconômicas rápidas em prol da comunidade, em particular dos segmentos mais desfavorecidos, menos organizados e mais expostos às injustiças do desenvolvimento. Em particular, os pescadores artesanais do Ceará, de todo o Nordeste e do resto do Brasil são presas fáceis dessa desarticulação e dessas injustiças.

         Assim, enquanto eles são submetidos a um verdadeiro regime de abandono, os órgãos oficiais pouco ou nada fazem para disciplinar, organizar e estruturar a atividade pesqueira artesanal. Em primeiro lugar, não se busca uma solução concreta para resolver os problemas causados pela pesca predatória e sobretudo a pesca por meio de compressor, que é um verdadeiro crime.

         Em segundo lugar, não se estendem aos pescadores artesanais os mesmos incentivos e ajuda de financiamento que beneficiam as empresas de pesca. Muito menos, não se protege o pescador contra os projetos turísticos especulativos que se situam nas faixas litorâneas e que estabelecem a especulação imobiliária e empurram os pescadores para o mundo das favelas.

         A bem da verdade, precisamos vencer o isolamento e levar a Administração Estadual e Federal a ficarem mais perto da comunidade e mais preocupadas com os seus problemas reais.

         A evidência tem nos mostrado constantemente que o exercício da democracia é tanto mais possível quando o governante estiver próximo do governado, e quando este puder se sentir parte integrante do Governo.

         Apesar dos desequilíbrios regionais e das dificuldades econômicas que continuam persistentes, espero para muito breve um avanço grande. Tenho certeza de que será reconhecida, finalmente, a importância dos pescadores artesanais na formação da riqueza do Ceará. É preciso que se diga que os pescadores nativos já estão convencidos de que valem alguma coisa. Eles não são mais ingênuos, e sabem, igualmente, que os seus problemas só não se resolvem porque falta vontade e decisão política dos governantes nesse sentido. Sabem mais ainda, que até hoje se fez uma política não em seu favor, mas em favor dos ricos, dos que são amigos dos poderosos e das empresas pesqueiras que degradam o meio ambiente. Portanto, o trabalhador do mar sabe hoje que tem direitos que lhe são sonegados. Ele sabe ainda que a política oficial continua paternalista, e o modelo político econômico e social, gerador de miséria em sua região.

         Em minha opinião, o que está errado não é só o que tem sido feito até agora em matéria de política comunitária. Além dos erros estratégicos, existem os erros de enfoque e a falta de uma verdadeira diretriz nacional para os problemas regionais. É justamente por essa definição que o povo grita lá do interior e pede ao governo que seja mais ágil, mais eficiente e mais presente em suas atividades econômicas.

         A prova de que existe uma necessidade urgente da presença governamental nessas áreas distantes é a constatação de que a situação social piorou demais e os pobres viraram miseráveis.

         Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos de forma alguma virar as costas para os graves problemas do Nordeste. Não podemos tampouco improvisar políticas de atendimento, desperdiçar recursos valiosos em obras sem importância, e permitir que o paternalismo e a corrupção continuem anulando os pequenos ganhos de desenvolvimento.

         É preciso portanto desmontar, de uma vez por todas, o poder das oligarquias que ainda comandam importantes decisões regionais. É preciso, enfim, romper a complexa associação de fatores histórico-culturais, econômicos, políticos e sociais, que estão na raiz do subdesenvolvimento regional.

         Não se pode negar que, até bem pouco tempo, todas as ações de governo na região se realizaram sem que houvesse qualquer interesse em mudar realmente as estruturas sociais, e romper com as relações de tipo paternalista entre as classes sociais.

         Parece que as chamadas classes dominantes ainda guardam muito vivas as velhas imagens da Casa Grande e da Senzala. As relações sociais são pontilhadas pelos vícios herdados da sociedade escravocrata e pelo paternalismo que ocupa lugar de destaque no tecido social.

         Os padrões sociológicos ultrapassados incentivam, assim, o aprofundamento do atraso e a manutenção de estruturas sólidas de subdesenvolvimento. O Nordeste brasileiro concentra cerca de 53% da pobreza absoluta do Brasil, apesar de seu Produto Interno Bruto ter crescido mais do que o do Japão nas últimas três décadas. Isso demonstra, claramente, a incrível distorção da economia regional e mostra também o tamanho da desigualdade social e a imensa distância que separa um "cidadão" rico de um homem comum em termos de ganho e de distribuição de renda.

         É justamente dentro deste contexto de miséria e de injustiças que se situa o pequeno pescador artesanal de lagosta.

         A luta desses homens, para serem reconhecidos como agentes diretos importantes na produção de pescado, se encaixa bem na filosofia dos movimentos internacionais da classe, retratada de maneira muito bem definida no Tratado das ONG'S sobre pesca, de junho de 1992.

         A pesca artesanal é responsável por cerca de 50% da captura de peixe em nível mundial. No caso do Ceará, segundo o Plano de Ordenamento da Pesca da Lagosta, documento de julho de 1995, a pesca da lagosta representa um dos pontos relevantes da economia estadual. Milhares de empregos são gerados e mais de 100 mil pessoas vivem de sua prática. Em termos de comércio, as exportações giram em torno de 2.500 toneladas de cauda por ano, o que representa uma entrada de divisas da ordem de 50 a 60 milhões de dólares em favor da economia cearense.

         Infelizmente, por falta de uma política eficaz, a pesca da lagosta é praticada hoje, de maneira majoritária, de forma ilegal. Das cerca de 1.500 embarcações que constituem oficialmente a frota lagosteira, apenas 300 estão devidamente registradas junto ao IBAMA.

         Dessa maneira, não é preciso refletir muito para saber que essa atividade, além de ser praticada de maneira completamente irracional, comete crimes contra o desenvolvimento e leva o País a acumular imensos prejuízos em todos os aspectos.

         A bem da verdade, a situação é crítica e exige medidas importantes e urgentes para evitar o colapso.

         Não se pode mais continuar pescando sem fiscalização, sem diretrizes, sem planejamento, sem disciplina e sobretudo sem consciência.

         As medidas de ordenamento e regulamentação precisam ser sobretudo permanentes e não conjunturais. Além disso, elas precisam envolver amplos setores sociais determinantes nessa ação de reestruturação.

         Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está na hora de ser criado efetivamente o grande Fórum de Pesca do Estado do Ceará, com o objetivo de apontar soluções concretas em favor de um verdadeiro desenvolvimento sustentável dos recursos do mar.

         É preciso que o Governo, a Universidade, os técnicos, os empresários, os políticos e os pescadores se unam em defesa do futuro da pesca da lagosta, da racionalidade econômica, do equilíbrio social e do respeito aos recursos naturais.

         Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/1995 - Página 4203