Discurso no Senado Federal

ETICA NA POLITICA, REVERTENDO EM BENEFICIOS PARA O CRESCIMENTO E O DESENVOLVIMENTO DA NAÇÃO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • ETICA NA POLITICA, REVERTENDO EM BENEFICIOS PARA O CRESCIMENTO E O DESENVOLVIMENTO DA NAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/1995 - Página 4984
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, VONTADE, SOCIEDADE, RETOMADA, VALOR, ETICA, ATENÇÃO, COMPORTAMENTO, REPRESENTANTE, GOVERNANTE, FISCALIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, CLASSE POLITICA, DEVERES, ETICA, APERFEIÇOAMENTO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, OBJETIVO, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, INJUSTIÇA, DESIGUALDADE SOCIAL.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senhores Senadores, muito se tem utilizado, hoje em dia, o termo ética, quando se quer confrontar determinados tipos de condutas ou atos com aquilo que seria considerado o desejável segundo padrões estabelecidos pela sociedade.

           Observamos que se vão multiplicando as publicações sobre a ética em todo o mundo e em todos os ramos da experiência humana: na política, no direito, na indústria, no comércio, na administração, no esporte, na ciência, na economia, na comunicação.

           Significa isso que o homem se vem afastando dos padrões morais que teria recebido de seus antepassados ou que é necessária uma revisão dos conceitos éticos para adaptá-los ao estágio de evolução em que se encontra a sociedade?

           Não é à toa que um estudo de Fernando Savater, publicado com o título Ética para Amador, esgotou, apenas no ano de 1991, sete edições na Espanha.

           Esse fato, que poderia ser considerado isoladamente apenas como o sucesso de um escritor que caiu no gosto do público, vem demonstrar, ao meu ver, que a sociedade está ansiosa, aflita mesmo, pela retomada de certos valores que vinham correndo o risco de serem relegados ao esquecimento.

           É preciso atentar para o fato de que a parte da filosofia mais estudada neste final de século é a axiologia, aquela que trata dos valores. Como exemplo dessa demanda, ainda temos vivos na memória, por constituírem fatos muito recentes, os movimentos populares que resultaram na famosa "Operação Mãos Limpas", na Itália, e na cassação do próprio Presidente da República e de vários parlamentares, no Brasil.

           Em vista de situações que vêm ocorrendo e são amplamente divulgadas por todos os meios, pode-se afirmar, reproduzindo as palavras de Benilton Bezerra Júnior, psicanalista e professor do Instituto de Medicina Social da UERJ, que "A chamada crise da ética ultrapassou os tratados de filosofia para chegar à imprensa e ao cidadão comum. As razões estão no dia-a-dia: a erosão das utopias políticas, o renascimento do racismo, a degradação da esfera pública por interesses privados, o abismo crescente entre miséria absoluta e fruição do supérfluo, a banalização da violência nos espaços urbanos são alguns dos problemas para os quais percebe-se não haver solução que prescinda de uma discussão partilhada sobre os ideais projetados em nossos horizontes políticos e sociais".

           Por outro lado, publicação recente da CNBB denominada Ética: pessoa e sociedade, assim descreve o estágio atual:

           "A sociedade técnico-científica pretende impor a lógica da economia e da técnica como sucedâneo da ética e da religião. Em oposição, manifesta-se a resistência de pessoas, comunidades e movimentos sociais, que continuam mantendo viva a exigência ética, seja propondo novos valores a partir de uma nova sensibilidade, seja redescobrindo a tradição cristã e valorizando tradições não-ocidentais.

           (....) Não há mais um "ethos", mas vários; não uma ética, e sim muitas.

           (...) Não raro, donos de jornais e emissoras televisivas defendem a verdade e a honestidade na política, mas permitem a pornografia e, mais grave, incentivam o relativismo e o subjetivismo no plano da moral pessoal.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a sociedade moderna está atenta para os atos de seus representantes na condução da "coisa pública" e, mesmo no Brasil, não é mais aceito o argumento do "rouba, mas faz".

           Escândalos em cima de escândalos acabaram por abrir os olhos do povo, e a atenção passou a ser redobrada para os acontecimentos em que estão envolvidos seus representantes. É preciso não esquecer que para um maior envolvimento social muito contribuíram o aperfeiçoamento dos mecanismos e dos instrumentos de acompanhamento dos atos de governo, a redemocratização do País ocorrida nos últimos anos e a marcação cerrada realizada sobre setores importantes da Administração Pública pelos órgãos de imprensa.

           Seria isso suficiente para se chegar a um modelo de Estado que contemplasse efetivamente a maior parcela possível ou até mesmo a totalidade da população com os serviços sociais que devem ser supridos pelo Poder Público?

           Parte do próprio Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, a constatação de que ainda há muito a ser feito, quando afirma, em seu discurso de posse, que "o Brasil não é um país subdesenvolvido, mas um país injusto".

           Para que essa situação possa ser modificada, nobres Senadores, é necessário que a elite que determina as ações de Governo e que tem reais possibilidades de influir no destino da Nação tome consciência dos deveres a ela atribuídos. Podemos dizer que a necessidade de ética na política é incompatível com as concepções maquiavélicas e as práticas políticas dominadas pelo interesse pessoal ou de grupos. Diz Jacques Maritain, famoso pensador francês: "A máxima segundo a qual a política deve ser indiferente ao bem e à moral é um erro fatal".

           Já não podemos conviver com o argumento de que "os fins justificam os meios".

           Sabemos que, para os adeptos de Maquiavel, a política se define como "a arte de conquistar e conservar o poder por qualquer meio, com a única condição de que esse meio possa assegurar o sucesso". Essa é uma forma amoral e personalista de fazer política, mas que leva ao sucesso aquele que bem a executa.

           Em sentido oposto, segundo Maritain, o humanismo político se funda no reconhecimento dos fins essencialmente humanos da vida política e de suas fontes mais profundas, que são a justiça, a lei, a solidariedade e, fundamentalmente, a dignidade da pessoa humana. Esta é a concepção e a prática política dos grandes filósofos da Antigüidade e da Idade Média, que convergem para a formulação do seguinte enunciado: "Apesar de suas imperfeições e de seus limites, a democracia é o único caminho por onde passam as energias progressivas na história humana."

           Mas, para que possam concretizar-se os ideais desses grandes pensadores, é necessário que haja homens capazes e preparados para exercer o poder segundo os princípios que conduzam à verdadeira democracia, aquela que tem como objetivo a felicidade do povo.

           A serem seguidos os princípios tão bem elaborados por Maquiavel, acabar-se-á sucumbindo sempre sob a ditadura e a tirania, disfarçada ou aberta. Essa é a fórmula adotada por aqueles que querem "levar vantagem em tudo" (a popular Lei de Gérson) ou subir a qualquer preço, o que compreende a hipocrisia, o "puxa-saquismo", o jogo sujo, tal como fez o candidato Fernando Collor de Mello, em 1989, ao mostrar, em seu programa eleitoral, a ex-companheira do candidato Lula. É a utilização de expedientes aéticos e indignos para a consecução dos objetivos.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos notado uma sensível melhora nos modos de fazer política no Brasil, mas ainda há muito para se melhorar.

           Uma das atitudes mais reprováveis até os nossos dias é o hábito de se trocar apoio político por cargos públicos. Que tal cada um apoiar este ou aquele projeto por estar em consonância com as idéias expostas e inseridas no programa do partido, ao invés de negociar a aprovação de projetos em troca do recebimento de determinado número de cargos para pessoas vinculadas a este ou aquele partido?

           E as propagandas de divulgação de obras das quais muitas vezes não é possível avaliar a exata dimensão? Vale citar como exemplo a escancarada propaganda que vem sendo realizada em rede nacional de TV sobre projeto habitacional da cidade de São Paulo. Com que finalidade isso se faz em época tão distante de campanha eleitoral? Aliás, é mérito devido apenas ao governante, ou é obrigação dele propugnar pelo aprimoramento dos serviços públicos e do bem-estar social, honrando compromissos assumidos em campanha? Sabe-se, ademais, que as obras não são realizadas com dinheiro do administrador público, mas com recursos arrecadados do contribuinte.

           E as promessas em campanha, muitas vezes inverossímeis e que são apenas palavras que o vento leva? Geralmente são impossíveis de serem realizadas, mas iludem a boa fé dos eleitores, configurando um meio antiético utilizado apenas para vencer as eleições.

           Mesmo do interior de um quadro de governo que se proclama sério e moral podem surgir focos de contaminação, quais foram os casos recentes do Secretário Especial José Milton Dallari e do Presidente dos Correios, Henrique Hargreaves, que foram afastados, apesar de não haver sido comprovado nenhum fato abominável por parte dos mesmos. Acontece que, às pessoas que fazem parte do governo, não basta serem honestas; elas têm também de parecer honestas.

           Sr. Presidente, ampliando o foco do meu pronunciamento e antevendo que o mundo está em vias de se transformar na tão propalada aldeia global, pelas facilidades que a tecnologia atual oferece, devemos refletir sobre como se concretizarão as relações entre os povos e como se poderá garantir que os mais fortes não se imporão sobre os mais fracos. É sabido que a mundialização da economia e o progresso das tecnologias aumentam a cada dia a interdependência entre as nações.

           Em março deste ano, realizou-se em Copenhague a Cúpula Mundial pelo Desenvolvimento Social, que reuniu chefes de governo e representantes de 185 países, além de milhares de delegados de organizações não-governamentais. À época, o Presidente da França, François Mitterrand disse que "não podemos deixar que o mundo se transforme num mercado global, sem outra lei que a do mais forte". Houve também a condenação dos programas econômicos que só enxergam a eficiência e o lucro. Levantou-se a voz da Assembléia Mundial para recolocar a pessoa humana como valor ético fundamental da economia e do desenvolvimento.

           Portanto, todas as ações do homem devem ser orientadas por princípios éticos em todos os ramos de atividade. Hoje em dia, é comum ouvir-se falar em ética por categorias profissionais e, num sentido mais amplo, criou-se a expressão "politicamente correto", que significa, nada mais nada menos, que atos ou discursos que obedeçam às normas que a sociedade tem para classificar condutas humanas recheadas de valores representativos do bem (segundo a velha dicotomia do bem e do mal).

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que já estou alongando-me.

           Outra não era a minha intenção que a de colocar à reflexão dos nobres Colegas a necessidade de aperfeiçoamento das nossas instituições em resposta às demandas que vêm sendo apresentadas por significativas parcelas da sociedade.

           Este País, com a profusão de recursos naturais de que dispõe, não pode continuar a figurar nas piores colocações quanto ao desenvolvimento social nos relatórios da ONU.

           É preciso urgentemente reduzir as desigualdades, e isso acontecerá de maneira natural à medida que formos elegendo governantes comprometidos com as necessidades sociais e que visem, prioritariamente, a elevar a dignidade da pessoa humana.

           É o que bastará para se poder afirmar que existe ética na política e, a partir daí, serão palpáveis os resultados que reverterão em benefícios para o crescimento e desenvolvimento desta Nação.

           Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/1995 - Página 4984