Discurso no Senado Federal

PROBLEMAS LIGADOS AO PROJETO SIVAM. SUPERVALORIZAÇÃO DO SIVAM EM RELAÇÃO A PROPRIA AMAZONIA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).:
  • PROBLEMAS LIGADOS AO PROJETO SIVAM. SUPERVALORIZAÇÃO DO SIVAM EM RELAÇÃO A PROPRIA AMAZONIA.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/1995 - Página 4922
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, FALTA, DEMOCRACIA, DECISÃO, PRIORIDADE, IMPORTANCIA, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), RELAÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REGIÃO AMAZONICA.
  • NECESSIDADE, INVESTIMENTO, RECURSOS, REFORMA AGRARIA, POLO DE DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA, FLORESTA, BENEFICIAMENTO, PRODUTO NATURAL, SUGESTÃO, COOPERAÇÃO, PROJETO, VIGILANCIA, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), CRITICA, MODELO, COLONIZAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, DESRESPEITO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, EFEITO, EXODO RURAL, SUBEMPREGO.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que esta sessão acontece em um momento em que temos um grande acontecimento ocorrendo em nosso País, que é a reunião do Conselho de Defesa de Estado, que se reuniu hoje às 10h, convocada pelo Presidente da República.

Esse acontecimento se deu em função da crise que se instalou no Governo, a partir de denúncias feitas oriundas do "grampo", envolvendo pessoas da República, Ministros de Estado, Chefe de Cerimonial, inclusive tendo o episódio culminado com a saída do Dr. Francisco Graziano do INCRA, e vários outros contratempos, o que originou a formação da supercomissão do Senado que investiga o caso.

Ainda não fui informada sobre os resultados dessa reunião, mas mesmo não sabendo, o importante é que o Governo se reuniu, em um momento de crise grave, para discutir os problemas ligados ao SIVAM - Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia. Um fato interessante para pensarmos, é que o SIVAM tornou-se mais importante, mais preocupante do que a própria Amazônia.

É como se, no caso, o SIVAM fosse um paciente necessitado de fazer uma operação para trocar o fêmur por um outro de diamante ou outro minério precioso. Se fosse possível, sob o ponto-de-vista técnico das saídas da Medicina, e, de repente, todos os cuidados passassem a girar em torno da peça que estaria sendo usada para salvar o paciente e não dele próprio. Quer dizer, a peça tornar-se-ia mais importante que o paciente, que, no caso, é a Amazônia.

As atribuições do SIVAM, segundo os levantamentos que fiz, são várias. É como se ele fosse um organismo composto de várias células. O SIVAM tem um papel muito importante para a Amazônia, que é a questão do controle de tráfego aéreo. Além disso, possui uma outra célula que cuida da vigilância aérea e de superfície, que seria a responsável para localizar os aviões com narcotráficos e combatê-los, e uma outra célula que faz o monitoramento meteorológico. Esses dados meteorológicos seriam para uso na agricultura e a respeito de riscos de enchentes.

É bom ressaltar que Rogério Cezar de Cerqueira Leite, num extenso artigo que fez para o jornal A Folha de S. Paulo, diz que o próprio INPE tem condições de fazer esse tipo de trabalho.

Uma outra célula do SIVAM é com relação à questão da vigilância ambiental, que é o controle de ocupação e uso de recursos naturais, queimadas e áreas indígenas. Segundo Rogério Leite, esse levantamento já é executado pelo Núcleo de Monitoramento Ambiental - MA, EMBRAPA e pelo próprio IBAMA.

Uma outra célula do SIVAM seria para o mapeamento de florestas, já executado pelo INPE e pelo IBAMA. Teria, ainda, a função do zoneamento, que é um programa que já está em andamento pela Secretaria de Assuntos Estratégicos e pelo IBGE. E o monitoramento de comunicações, que seria centralizar as informações para os órgãos públicos que atuam na Amazônia. E, a última célula do SIVAM, seria o planejamento e controle de operações. Essa célula coordenará o trabalho das demais.

Como falei, toda essa função e importância para a questão da Amazônia, não discutimos, muito embora haja até superposição com relação a outros órgãos do Governo que atuam nessa área. No caso, o SIVAM iria auxiliar algumas delas, como é o caso do próprio IBAMA, a ação da FUNAI e tantas outras.

Sr. Presidente, no bojo dessa crise e de todas essas preocupações seria muito importante até citarmos, aqui, um artigo que saiu hoje no jornal Correio Braziliense, em que a manchete diz o seguinte: "IBGE prova que ocupação da Amazônia fracassou."

O que fracassou na Amazônia? Foi o modelo errado de ocupação da Amazônia, inclusive porque a visão de que a Amazônia precisa ser ocupada é colonialista, expansionista, não respeita a forma histórica em que a Amazônia foi sendo ocupada secularmente, e que ali há um vazio demográfico e, portanto, tem que ser ocupada. Essa visão de ocupação da Amazônia realmente fracassou e vai fracassar - espero - todas as vezes, porque a Amazônia já era ocupada. O problema é que chegaram grandes projetos agropecuários, que não acrescentaram absolutamente nada, outras atividades no campo da mineração e as atividades madeireiras. Estas, sim, irão fracassar.

Há um dado importante que, inclusive, coincidiu com o que venho dizendo; hoje, 70% da população da Amazônia - segundo dados do IBGE - estão morando em cidades. Tenho esses dados, auxiliado pelo pessoal do INPA, e eles têm-me dito que 75% da população do Estado da Amazônia está vivendo em cidades; no Estado do Amapá, 80%; no meu Estado, 53%, e no Pará. Muitas pessoas me dizem que é um fenômeno do Brasil, e não um fenômeno particular da Amazônia. O País todo tem uma população superior nas cidades do que no interior. É claro que nos Estados onde existe indústria, mercado de trabalho é possível até se entender por que a população rural vai para as cidades. Na Amazônia, não; não existe indústria, mercado de trabalho para incorporar essas pessoas e, no entanto, elas vão para a cidade para ser subempregadas, para viver em atividades periféricas que não podem, nem de longe, ser considerado um mercado informal, porque muitos não têm uma renda sequer para sobreviver, inchando as periferias da cidade.

Hoje, a Amazônia é o maior fenômeno de urbanização do País. E nesse sentido quero colocar um dado, Sr. Presidente, Srs. Senadores: se pudéssemos optar, o volume de recursos que hoje estamos discutindo para o SIVAM, com certeza, iria para investimentos em outros setores. Tenho dito reiteradas vezes que numa lista de 10 itens o SIVAM ficaria em décimo lugar, porque, certamente, quereríamos investimentos na Amazônia para implantação dos sistemas agroflorestais, como é o caso do Projeto RECA, para projetos de reforma agrária, como é o caso do Pólo Agroflorestal do Rio Branco, que trabalha com consórcio de várias culturas permanentes, tira pessoas da periferia e lhes dá uma renda mensal de mais de R$500,00 - num momento em que a média de salário é uma miséria, um salário de R$100,00 - e que representa atividades importantes para implementação de um parque agroindustrial, beneficiando, em primeira instância, nossos recursos naturais, agregando valor, gerando emprego e receita para nossos Estados da Amazônia e beneficiando produtos.

Não me canso de referir que uma tora de mogno que sai in natura da Amazônia custa R$20,00; no Porto de Paranaguá, apenas um metro cúbico dessa mesma madeira é vendida por R$800,00 - e uma tora rende seis ou oito metros cúbicos - e, chegando na Europa e nos Estados Unidos, nem se imagina em quanto esse preço é majorado. Poderíamos beneficiar essa madeira na Amazônia, com tecnologia apropriada, tornando-nos produtores de móveis altamente finos e especializados para vender na Europa. Por que não? Se uma cama de mogno, lá, custa R$3 mil, por que não seríamos nós os vendedores desse tipo de móvel e assim criarmos divisas, receita para o País e emprego para nossos Estados?

Nós, com certeza, optaríamos por uma política de desenvolvimento que levasse em conta as experiências que já foram gestadas e estão dando certo no interior da Amazônia. Infelizmente, não podemos dizer em que gostaríamos de ser ajudados.

O SIVAM foi criado para processar inúmeras informações que são importantes. Para essas informações temos alguns caminhos a oferecer, Sr. Presidente: A primeira hipótese - muito ruim, sob meu ponto de vista - seria acontecer o que ocorre com o INPE, que gerou informações, fotografias de satélites que nem sequer foram processadas, e hoje o mundo todo sabe que na Amazônia aumentou-se o número de queimadas, mas não se sabe sequer se são queimadas oriundas das pastagens ou de florestas que foram derrubadas - as informações não foram processadas. Será que o SIVAM representaria também acúmulo de informações que nem sequer seriam processadas?

Outra hipótese seria que essas informações fossem processadas, mas ficariam nas prateleiras das instituições de pesquisa para, na melhor das expectativas, servir como instrumento de denúncia para dizermos em quanto aumentou-se o número de queimadas, o quanto os índios não têm condições de proteger sua floresta para a tirada irregular de madeira ou então sobre a questão dos nossos recursos minerais.

Entretanto, a melhor das hipóteses para o SIVAM, com certeza, seria produzir todas essas informações agregadas a um programa de desenvolvimento para a Amazônia em que fossem envolvidos todos esses itens que acabei de falar, que não são novidade, nem invenções da cabeça da Senadora Marina Silva, que já foram produzidas pelas comunidades, por instituições de pesquisas, por entidades não-governamentais e que estão esperando ser transformadas em políticas públicas de desenvolvimento.

Se colocarmos a Amazônia como prioridade ligada a um plano de desenvolvimento para a região, o SIVAM teria uma importância estratégica fundamental; mais fundamental ainda, porque o perigo de barbarização da Amazônia, em se tornar um espaço para o narcotráfico privilegiado, existe em função de alternativas para as populações que estão morrendo.

Fico impressionada: Se hoje não temos condições sequer de atender à demanda gerada por denúncias de um padre de 70 anos de idade, que toma conta apenas da metade do rio Iaco, como nos portaremos frente às possíveis informações do SIVAM?

Com toda essa tecnologia, com essa sofisticação, se tivermos a competência de fazer a interação desse projeto com uma idéia de desenvolvimento para a Amazônia, então, acredito que seria uma prioridade fundamental. Entretanto, como falei anteriormente e não me canso de dizer, não podemos optar; se pudéssemos, seguiríamos outro caminho que, na minha opinião, seria o que afirmei.

Em momentos como esse de ajuda ao Brasil, ainda temos a capacidade de fazer com que a ajuda fique na situação em que está: Eivada de denúncias de irregularidades no que se refere à dispensa de licitação - há dúvidas se realmente envolveria segurança nacional e, portanto, deveria haver dispensa de licitação -, pressão para favorecimento de empresas, envolvimento de autoridades no tráfico de influência - aliás, parece-me que confundiram tráfego aéreo com tráfico de influência.

Por último, Sr. Presidente e Srs. Senadores, observando o caso do SIVAM, fiquei pensando em como temos a capacidade de transformar tudo o que nos envolve, à Nação, em algo propício a denúncia, desencanto, corrupção, uma espécie de desclassificação da nossa capacidade de gerência. Há um livro intitulado "O menino do dedo verde", no qual o personagem transformava em flores tudo o que tocava. No nosso caso, parece-me que tudo que tocamos acaba se tornando alguma irregularidade; o que é uma pena, porque, embora esteja em 10º lugar na minha lista de prioridades, o SIVAM é importante para a Amazônia, por todos os aspectos que disse.

Mais importante do que isso, Sr. Presidente, é dar uma alternativa de desenvolvimento para aquela região, onde as populações tradicionais estão se acabando. Hoje, o problema mais grave da Amazônia não é mais as queimadas; é a extração irregular de madeira, que leva ao empobrecimento da região, à política de terra arrasada, à alteração completa de sua biodiversidade.

O ecossistema da Amazônia está se transformando em outra realidade, e o Governo brasileiro tem a responsabilidade de pensar nela com medidas ousadas, como é o caso do SIVAM, e com idéias simples e pequenas, mas que dão excelentes resultados, como as que citei: sistemas agroflorestais, agroindústria, pólos agroflorestais, aproveitamento de recursos de pesca, de madeira, enfim, todas essas idéias que já estamos trabalhando.

Infelizmente, não sei por que motivo, a Amazônia é utilizada apenas para ilustrar discursos internacionais que nunca são efetivados na prática: política séria que coadune a preocupação com o crescimento econômico, melhoria da qualidade de vida, justiça social e preservação do meio ambiente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/1995 - Página 4922