Discurso no Senado Federal

AUSENCIA DE UMA POLITICA ABRANGENTE PARA O DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA, APESAR DA ASSINATURA DO DECRETO CRIANDO O CONAMAZ - CONSELHO NACIONAL DA AMAZONIA LEGAL, DESDE JUNHO DE 1995.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • AUSENCIA DE UMA POLITICA ABRANGENTE PARA O DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA, APESAR DA ASSINATURA DO DECRETO CRIANDO O CONAMAZ - CONSELHO NACIONAL DA AMAZONIA LEGAL, DESDE JUNHO DE 1995.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/1995 - Página 4928
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • DENUNCIA, FREQUENCIA, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, GOVERNO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, CONSELHO NACIONAL, Amazônia Legal.
  • CRITICA, OPINIÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), MINISTERIO DA INDUSTRIA DO COMERCIO E DO TURISMO (MICT), DISCORDANCIA, PAVIMENTAÇÃO, ACESSO RODOVIARIO, OCEANO PACIFICO, EMBARGOS, INSTALAÇÃO, INDUSTRIA, EMPRESA MULTINACIONAL, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • SUGESTÃO, COMERCIALIZAÇÃO, MERCADORIA, ZONA FRANCA, MUNICIPIO, MANAUS (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM), GUAJARA-MIRIM (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO), COMERCIO AMBULANTE, DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a Senadora Marina Silva abordou, com muita propriedade, há poucos instantes, o problema da falta de uma política de desenvolvimento para a Amazônia, que incluísse uma política minerária, uma política indigenista, uma política energética, uma política de transportes, enfim, um projeto de desenvolvimento abrangente, que abarcasse todos os aspectos da problemática regional.

O pior, Senadora, é que este Governo já esboçou uma política para a Amazônia; esboçou-a e, antes de detalhá-la, começa a descumpri-la. Vai ficar, creio eu, como mais uma triste carta de intenções, das muitas com que Governos passados brindaram a Amazônia para não executá-las.

Em 27 de junho deste ano, o Presidente da República assinou o decreto criando o CONAMAZ, Decreto nº 1.541, de 21 de junho de 1995, que regulamentou o Conselho Nacional da Amazônia Legal, composto de vários Ministros que até hoje não se reuniram, a não ser uma vez para aprovarem as diretrizes de política nacional integrada para a Amazônia Legal.

Não se sabe o que é isso, Sr. Presidente, porque até hoje não se deu um passo, um mínimo passo no sentido de levar a cabo esses objetivos de política. E o que é pior: os próprios integrantes do primeiro escalão do Governo são os primeiros membros do CONAMAZ, são os primeiros a dissentir dos próprios objetivos de política oficialmente traçados.

Veja, Senadora Marina Silva, que este documento do Governo, recentíssimo, diz o seguinte:

      A implantação dessas malhas intermodais de transporte permitirá também tirar proveito da posição estratégica da região e deverá completar-se com o estabelecimento de eixos de acesso ao Caribe e ao Pacífico, atingindo mercados mundiais onde os produtos da Amazônia, até o momento, ressentem-se da falta de competitividade.

Ouvimos, estarrecidos, o Ministro do Planejamento, há 15 dias, declarar-se publicamente contra a estrada para o Pacífico. Ou seja, se depender daquele Ministério, a pavimentação da BR 317 - salvo engano é esse o número -, Rio Branco/Assis Brasil, não será feita e não haverá como entroncar-se com a estrada já construída, mas não totalmente pavimentada, que daria acesso ao porto de Ilo, no sul do Peru.

Uma contradição, portanto, estranha, partindo de um Ministro de Estado da área econômica que, assim, publicamente, diverge da política oficial adotada.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Com muito prazer.

A Srª Marina Silva - Senador Jefferson Péres, quero parabenizar V. Exª pelo seu pronunciamento e dizer que tem toda razão quando diz que o Governo fez uma carta de intenções com relação ao que seria um plano de desenvolvimento para a Amazônia. Mas creio que há algo sobre o qual devemos ficar atentos: desde que assumi o mandato de Senadora, fiz questão de ter uma ação parlamentar que não fosse meramente discursiva, nem tampouco de identificação e de diagnóstico de problemas apenas; quero oferecer alternativas. Não me escuso de levar ao Governo todas as idéias boas que tenho identificado em relação à Amazônia, na esperança de que sejam encaminhadas. Com coragem, digo que algumas, poucas, estão sendo encaminhadas, não por determinação de Governo, por um entendimento, mas por pessoas que estão estrategicamente em órgãos importantes do Governo e que, por um compromisso pessoal, às vezes fazem tudo o que podem para dar cabo a essas sugestões. Há um dado que não podemos desconhecer: um é o discurso politicamente correto, inatingível, se formos analisar as idéias do ponto de vista do discurso. Esse programa que está aí seria endossado por qualquer um de nós; está perfeito. Se for aplicado na Amazônia, ficarei feliz. O problema é realmente acontecer um milagre, que ele saia do papel e deixe de ser apenas referencial para as palestras nos países estrangeiros, onde se tem que vender uma boa imagem da Amazônia, uma imagem de preocupação - se possível, até franzir a testa para dizer que a preocupação é grande! Mas, na prática, sabemos - e principalmente os índios, os seringueiros e os agricultores o sabem - que as idéias ainda estão muito aquém do que deveria ser feito, nas mínimas coisas, que não são difíceis. Acredito que, com o acúmulo de experiências que temos, como mencionei, o que já foi produzido na Amazônia, se transformado em políticas públicas de desenvolvimento, traria uma contribuição de grande necessidade. Uma coisa é o discurso politicamente correto, outra coisa é a ação correta, que ainda está muito longe de acontecer.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senadora Marina Silva.

A Amazônia, historicamente, é vítima dessa retórica vazia, que vem desde o primeiro plano do Governo do Marechal Hermes e nunca saiu do papel, passando pelo famosíssimo discurso do rio Amazonas, pronunciado, em Manaus, pelo Presidente Getúlio Vargas. Uma peça literária que não teve absolutamente nenhuma conseqüência para a região, mas é incrível que essa questão continue ainda hoje, com toda a massa de informações que se tem sobre a Amazônia, com todos os elementos e recursos da tecnologia moderna, que tornariam perfeitamente viável a execução de uma política integrada para a região.

Mas, há pouco, eu me referia ao fato de Ministros entrarem publicamente em contradição com o próprio Governo a que servem. Não foi só o Ministro do Planejamento que, há pouco dias, como eu dizia, condenou a abertura de uma estrada para o Pacífico, sob a alegação de que os produtos da Amazônia seriam melhor escoados pelos portos do sul do País. É uma visão preconceituosa e equivocada de um Ministro de Estado, mas é estranhável, para dizer o mínimo, que ele a manifeste publicamente.

Nessa diretriz e nessas mesmas diretrizes, que são da responsabilidade do próprio Presidente da República, define-se a Zona Franca como um fator estratégico para a integração continental e melhor inserção na economia mundial. A Zona Franca de Manaus é o projeto de política de desenvolvimento regional de maior êxito neste País. Talvez o único que tenha obtido êxitos, se o circunscrevermos à área de Manaus. Se a Zona Franca de Manaus não teve realmente sucesso como pólo interiorizador do desenvolvimento, o teve quanto ao crescimento econômico da cidade de Manaus que, sem dúvida, é um enorme e brilhante êxito de política econômica.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª uma aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Mais uma vez cedo-lhe o aparte, Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Havia olvidado da questão abordada por V. Exª, aliás com muita propriedade, de o Ministro José Serra descartar a possibilidade da execução da BR-317, que é importante não só para o Acre, mas para a Amazônia, no sentido de ser um canal de exportação dos nossos produtores. Até porque sabemos que a ligação com o Peru, de responsabilidade do Governo peruano, parte já está edificada, ainda que não na forma desejada, digamos assim, já que precisa de melhoramentos, mas já existe um capital investido e, portanto, deve ser potencializado. Tenho insistido reiteradas vezes que seria fundamental - inclusive se o Governo do meu Estado tivesse a capacidade e o discernimento político - que o Governo do Acre lutasse pelo zoneamento econômico-ecológico, porque, com esse zoneamento, com certeza conseguiríamos, num esforço concentrado de pessoas de bem, buscar recursos junto a instituições financeiras internacionais, como é o caso do próprio BIRD. Eles estariam dispostos a financiar um projeto de responsabilidade que atendesse às peculiaridades da Amazônia: demarcação das reservas indígenas, viabilidade econômica das reservas extrativistas, a questão do pontilhamento de pequenas propriedades à margem da estrada, uma política florestal baseada no manejo, no certificado de origem, enfim, uma série de exigências que teríamos de fazer para conseguirmos esses recursos. Entretanto, o que as instituições financeiras internacionais não vão fazer é dar dinheiro para ver acontecer o que aconteceu em Rondônia - já fizeram mea culpa -, ou seja, colocar dinheiro do contribuinte americano, favorável à preservação da Amazônia, e obterem como resultado um Estado com 20% de suas florestas devastadas, o que é lamentável. Concluindo, Senador, e agradecendo a paciência de V. Exª para comigo, gostaria de dizer, em relação à Zona Franca, zona de livre comércio, que, com a crise do desemprego que estamos atravessando atualmente e da falta de perspectiva para a vida das pessoas, temos inúmeras pessoas chamadas de "sacoleiras" que vão ao Paraguai comprar mercadorias como contrabandistas e são maltratadas, achincalhadas, envergonhadas por essa atividade que desenvolvem. Entretanto, essas pessoas poderiam muito bem, com a ajuda do Governo brasileiro, organizarem-se e apoiar corretamente as zonas de livre comércio e legalmente fazerem suas compras em Guajará-Mirim, Rondônia, por exemplo - que não é tão longe daqui -, e não serem mais tratadas como contrabandistas. Necessário seria que o Governo fizesse esse investimento, tivesse essa sensibilidade para com as nossas zonas de livre comércio, por que estaria, inclusive, propiciando que fosse deixado esse capital, esses recursos dentro do nosso País, além de estar cumprindo a função social de garantir que essas pessoas, que vivem do mercado informal, desenvolvam suas atividades. Muito obrigada.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Mais uma vez V. Exª tem toda razão, Senadora Marina Silva. Nós mesmos, lá Zona Franca, estamos fazendo todo o possível, através de entendimento com um Deputado do Partido de V. Exª, junto aos "sacoleiros" e aos microcomerciantes integrantes da "Feira do Paraguai", aqui em Brasília, no sentido de que eles adquiram, em Manaus, ou quem sabe em Guajará-Mirim, essas mercadorias, desde que se promova uma política de barateamento de transporte e que lhes permita adquirir no atacado essas mercadorias, que perfeitamente poderiam ser colocadas no mercado de Brasília. Enquanto isso, prefere-se simplesmente reprimi-los.

Quanto à rodovia para o Pacífico, é incrível a falta de descortino de um ministro em não perceber que um Estado como o Acre, um Estado mediterrâneo, encravado lá no centro da Amazônia, pobre, e no entanto com tantas potencialidades, até porque é um Estado que, pelas suas características, teria a maior boa vontade dos órgãos multilaterais de financiamentos internacionais para a abertura de uma via para o Pacífico, que é, sem dúvida, o local para onde se deslocará o eixo econômico do mundo, do Atlântico para o Pacífico, com a abertura da franja asiática, inclusive para os produtos extrativistas do Acre. Sem a menor dúvida que para o Acre, talvez não de imediato, mas para daqui a cinco ou um pouco mais de anos, esta será uma perspectiva que se abre, nobre Senadora. No entanto, o Governo vem, pela palavra do seu Ministro, simplesmente descartar essa estrada.

Como se não bastasse, a Ministra da Indústria, do Comércio e do Turismo, que deveria ser a primeira a promover a industrialização e a intensificação do setor industrial de Manaus - S. Exª nos visitou há poucos dias -, simplesmente declarou-se, publicamente, contrária à instalação da fábrica de Cinescópio da Samsung, uma multinacional coreana, em Manaus. Essa indústria está em busca de um local para sua instalação, e essa indústria seria fundamental para a fixação e consolidação do polo eletrônico de Manaus, polo esse que responde por 70% do valor industrial da Zona Franca de Manaus. E a Ministra da Indústria, do Comércio e do Turismo, diz que não concederá os incentivos que a lei assegura a quem se instalar em Manaus, porque prefere que essa indústria se instale fora de lá, alegando que a Samsung, em Manaus, iria fazer concorrência à única indústria de cinescópio, que é a da Philips, localizada em São José dos Campos, que não abastece o mercado brasileiro.

Conversamos com a Ministra ontem, o Governador do Estado e eu, tentando convencê-la a voltar atrás - parece que vamos conseguir. O que é profundamente lamentável é que um Ministro de Estado pense em voz alta para dizer o que não deve em detrimento de uma região que deveria merecer toda a atenção do Governo Federal que, pelo visto, só olha para a região, realmente, como tema de discursos retóricos e que não representam absolutamente coisa nenhuma em termos de efetiva política de desenvolvimento regional.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/1995 - Página 4928