Discurso no Senado Federal

MEDIDA CASUISTICA DO GOVERNO, COM RELAÇÃO A EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA QUE TRATA DA FUSÃO DOS BANCOS.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • MEDIDA CASUISTICA DO GOVERNO, COM RELAÇÃO A EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA QUE TRATA DA FUSÃO DOS BANCOS.
Aparteantes
Levy Dias, Ney Suassuna, Ronaldo Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/1995 - Página 4193
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, EDIÇÃO, CONSTITUCIONALIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ESTABILIZAÇÃO, FUSÃO, BANCOS.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, ocupei a tribuna do Senado para colocar uma questão que me parecia - e me parece - de fundamental importância no que tange ao relacionamento do Senhor Presidente da República com o Congresso Nacional e, particularmente, com os Partidos que compõem a sua base parlamentar.

Dizia eu, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que muito mais importante do que a ocupação de cargos era o desempenho de encargos, lembrando uma frase histórica de Otávio Mangabeira, quando o ex-Presidente Eurico Gaspar Dutra convidou a UDN, que presidia, para integrar os quadros do seu Governo.

Faço essas considerações, para dizer que seria importante - não só para os Partidos que apóiam o Governo, mas sobretudo para o PMDB, que é o meu Partido - tentar reexaminar o relacionamento com o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, reivindicando a prévia discussão não apenas sobre as políticas públicas, mas sobretudo acerca das proposições a serem enviadas à apreciação do Congresso Nacional.

Faço este preâmbulo, rememorando o pronunciamento de ontem, para chegar ao discurso de hoje, porque tenho para mim que, se esse procedimento tivesse sido adotado, certamente, pelo menos nos termos iniciais, o Senhor Presidente da República não teria baixado a Medida Provisória que regula a fusão e a incorporação dos Bancos.

E, agora, expressarei o meu ponto de vista sobre essa matéria tão atual.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, vem o Governo enfrentando um grande desafio: o de impedir que o sistema financeiro nacional, abalado por iminentes quebras de algumas instituições financeiras privadas, possa esfacelar-se, contribuindo para a inviabilização do Plano Real. Uma situação que, se não chegou aos níveis enfrentados pela vizinha Argentina e pelo México, ou muito menos, atingiu o descalabro do setor que levou a Venezuela a ter de enfrentar fortes distúrbios sociais, não deixa de ser muito preocupante.

Com efeito, as recentes medidas provisórias, editadas para contornar esse quadro, dão bem a medida do problema. Seja a criação do PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional), através da primeira, seja a que veio logo a seguir, dando amplos e absolutos poderes ao Banco Central para intervir no processo, sempre que detectar um banco em situação problemática, forçando a sua fusão com outro, desapropriar suas ações, trocar o controle acionário e até tornar indisponíveis os bens dos acionistas majoritários, significam que, afinal, o Governo se deu conta de que não mais podia esperar para estancar o que poderia constituir-se na bancarrota da intermediação financeira no País.

Nesse particular, gostaria de lembrar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores que, desde que foi editada a primeira medida a respeito do assunto, manifestei a minha dúvida quanto a sua constitucionalidade, tendo em vista que há um dispositivo constitucional vigente que estabelece claramente que o sistema financeiro nacional será regulado por meio de lei complementar. E não me parece próprio, jurídico, nem constitucional que o Governo baixe uma medida provisória para dispor sobre matéria que diz respeito à lei complementar, cujo projeto, para ser votado nas duas Casas do Congresso Nacional, depende de quorum qualificado. A medida provisória só pode tratar de matéria atinente, pela sua urgência e relevância, à lei ordinária.

E não se precisa de muitas análises para que se compreenda o impacto de algo dessa natureza. Trata-se, sem dúvida, de defender não apenas plano de estabilização, mas de evitar que o próprio desenvolvimento do capitalismo financeiro nacional, após a consolidação de sua fase industrial, viesse a sofrer uma dramática paralisação. E isso justamente no momento em que a globalização da economia mundial está a exigir cada vez mais um alto grau de poder de competitividade, sobretudo para o sistema financeiro.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a par dessas necessárias e objetivas considerações, outras se colocam em nível não menor de preocupação para todos nós que velamos pela soberania de nosso País, e que desejamos que os demais setores de nossa economia possam efetivamente ter suas dificuldades resolvidas em tempo hábil, bem como solucionadas definitivamente nossas enormes dificuldades.

Na verdade, a primeira crítica a se fazer nessa questão dos bancos é a de que ela se houve com muita lentidão. Afinal, os indicativos de uma grave crise no setor bancário já vinha há tempos se expressando, seja com relação a grandes bancos estaduais, como o BANESPA e o BANERJ, seja com relação a instituições financeiras privadas de tradição, como foi o caso do Banco Econômico. Casos para os quais não se adotaram, diga-se de imediato, as medidas de socorro que ora foram tomadas, com tanto beneplácito do Governo, com repercussões problemáticas para o restante da economia, sobretudo para os correntistas dos bancos em processo falimentar e, mais particularmente, para os contribuintes.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senador Humberto Lucena, solicitei as seguintes informações ao Banco Central: quando acende a luz vermelha no Banco Central, indicando que um banco vai mal? Quando soa a sirene, informando que, apesar dos conselhos do Banco Central, o banco não tomou as providências, e é preciso haver intervenção? Lamentavelmente, a resposta que está em meu poder é a de que, pela legislação em vigor, esses critérios não existem com clareza e há horas, inclusive, em que o Banco Central erra. No caso COMIND, acionou imediatamente e está pagando o preço do processo na Justiça. Já perdeu na Primeira Instância, e o COMIND está pedindo uma indenização gigantesca, porque alega que o Banco Central agiu quando ele se encontrava em recuperação e havia sanado os seus maiores problemas. No caso do Banco Econômico, a ação foi efetuada tarde demais e, por essa razão, uma quantidade grande de numerário foi colocada no sistema para salvá-lo. Então, vem em boa hora a oração de V. Exª. É preciso que tomemos a nosso cargo a elaboração de uma legislação que clarifique e dê parâmetros mais definidos ao Banco Central.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Nobre Senador Ney Suassuna, essa legislação não pode ser outra senão aquela que exige a Constituição: uma lei complementar que regule o sistema financeiro nacional.

O que há no caso dessas Medidas Provisórias, repito, é uma invasão de competência do Congresso Nacional. O Senhor Presidente da República legisla, por meio delas, sobre matéria de lei complementar que não é própria de Medida Provisória. Daí por que é de extrema urgência que o Congresso Nacional vote não só o Projeto Nelson Jobim, que se trata de um projeto de lei complementar que tenta regular as Medidas Provisórias, por enquanto, mas sobretudo as Propostas de Emenda Constitucional, que acabam com esse "festival" de medidas provisórias que, lamentavelmente, está liquidando com a autoridade do Poder Legislativo no País. Quando digo Poder Legislativo refiro-me ao Congresso Nacional. Não é mais possível que isso continue.

Lembra-se, nobre Senador Ney Suassuna, que é do meu Estado da Paraíba, o que nós, paraibanos, sofremos por ocasião do Governo Collor quando o Banco Central resolveu, de uma hora para outra, decretar não a intervenção, mas a liquidação extrajudicial dos Bancos do Estado da Paraíba, do Piauí e do Rio Grande do Norte.

Se compararmos a situação daqueles três pequeninos bancos oficiais do Nordeste com a de outros bancos, como por exemplo do BANERJ e do BANESPA já àquele tempo, e com a situação do BANDEP, de Pernambuco, a do Banco Estadual de Alagoas e com bancos particulares, como o próprio Banco Econômico que hoje sofreu intervenção e o Banco Mercantil de Pernambuco, haveremos de verificar que a situação dos bancos oficiais daqueles três Estados nordestinos, naquela época, estava muito melhor do que a de qualquer desses bancos. No entanto, essa Medida Provisória contribuiu para que o Banco Nacional, segundo noticia a imprensa, recebesse uma injeção de recursos da ordem de R$4 bilhões para socorrer, financeiramente, a sua parte podre, porque a sua parte boa, sadia, foi vendida regiamente, através também de recursos do contribuinte, de acordo com essas medidas provisórias, ao Banco Itaú.

Então, são dois pesos e duas medidas. Está ali o Senador Ronaldo Cunha Lima, Governador de Estado até pouco tempo, que contribuiu para sanear o Banco do Estado da Paraíba. Era Ministro da Fazenda o atual Presidente Fernando Henrique Cardoso e quantas e quantas vezes fomos em romaria, com o então Governador Ronaldo Cunha Lima, nós da Bancada da Paraíba, ao Ministério da Fazenda, depois ao Banco Central, para tentar reverter aquela situação.

Graças ao operoso governo de Ronaldo Cunha Lima e de Cícero Lucena, no final de seu mandato, conseguimos sanear a situação financeira da Paraíba e dar condições, também, de saneamento financeiro ao próprio Banco do Estado e reabri-lo. Hoje o Banco do Estado da Paraíba bem como o Banco do Estado do Piauí servem de modelo às demais instituições bancárias oficiais do Brasil.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima- Senador Humberto Lucena, V. Exª me concede um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª, Senador Ronaldo Cunha Lima.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Em primeiro lugar, Senador Humberto Lucena, agradeço a V. Exª as referências quanto às providências adotadas na época do meu Governo para a reabertura do Banco do Estado. Felicito V. Exª quando chama a atenção do Plenário para a adoção de dois pesos e duas medidas, em casos assemelhados, por parte do Banco Central. Tive a oportunidade de me referir a esse assunto, em aparte, na semana passada. Em verdade, com relação a esses três Estados a que V. Exª se refere, o Banco Central não se limitou a decretar a intervenção. Ele foi intransigente no sentido de decretar a liquidação extrajudicial, e não permitiu o Governo o aporte de qualquer recurso para ajudar a esses Estados na reabertura daquelas instituições de crédito. Testemunho - e já o fiz publicamente muitas vezes - a atuação e o desempenho de V. Exª à época, quando da condução dos entendimentos, visando a reabertura desses bancos, não apenas o da Paraíba, a ponto de merecer homenagens justas dos demais Estados, inclusive do Piauí. O então Governador daquele Estado, Freitas Neto, fez questão, publicamente, de prestar homenagem a V. Exª em reconhecimento ao trabalho e ao esforço que desenvolveu para a reabertura daquele banco. Na operação do Banco Nacional há duas partes: a do banco bom, puro, e o lado ruim. A parte boa foi vendida para o UNIBANCO; a outra parte, a podre, o Governo assume, subsidia, injeta recursos. Isso, evidentemente, revela uma política de duas faces que não pode ser acatada ou aplaudida. O que merece acatamento e aplauso é a conduta, a posição que V. Exª assume em seu pronunciamento a respeito do assunto.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço ao nobre Senador Ronaldo Cunha Lima. Digo mais, enquanto há tanta generosidade para com os bancos citados, por que não se faz uma abertura maior para resolver, definitivamente, o processo de endividamento dos Estados e Municípios brasileiros? Sabe V. Exª que as unidades federadas estão aí numa situação de crescentes dificuldades.

Apresentei aqui um projeto de lei, subscrito por V. Exª e pelo Senador Ney Suassuna; outros semelhantes foram apresentados pelos Senadores Pedro Simon e Esperidião Amin, e a área econômica do Governo vem resistindo a que esses projetos sejam aprovados, porque isso representaria uma arrecadação a menos para o Tesouro de cerca de R$2 bilhões. Ora, enquanto não se pode perder R$2 bilhões para atender aos reclames de Estados e Municípios, só ao Banco Nacional se empresta, através do Banco Central, R$4 bilhões para socorrê-lo nessa situação em que se encontrava aquele estabelecimento de crédito, cujo controle acionário é da família Magalhães Pinto. Inclusive, os acionistas minoritários, com muita propriedade, protestaram abertamente através da imprensa, porque, segundo eles, só a maioria dos acionistas, que é justamente representada pela família Magalhães Pinto, foi beneficiada por esse financiamento. Os pequenos acionistas foram marginalizados pelo Banco Central. É mais um aspecto negativo dessa operação que quero ressaltar nesse instante.

O Sr. Levy Dias - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer, Senador Levy Dias.

O Sr. Levy Dias - Senador Humberto Lucena, V. Exª é testemunha de que sou um ouvinte atento das suas palavras, porque percebo que o pronunciamento de V. Exª é feito com absoluta serenidade e com grande conteúdo.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito grato a V. Exª.

O Sr. Levy Dias - Solicitei ao Senador Ney Suassuna que me substituísse na Presidência dos trabalhos, porque gostaria de dizer que comungo com o pensamento de V. Exª, bem como com os dos Senadores Ronaldo Cunha Lima e do próprio Senador Ney Suassuna. Percebe-se, no dia a dia, que o tratamento é diferenciado; é muito fácil ser durão com a Paraíba, vamos ver como será tratado o problema do BANESPA do Estado de São Paulo. Ontem a imprensa divulgava que o Governo Federal compraria a FEPASA para ajudar o Governo de São Paulo na solução de seus problemas financeiros. Acompanhamos hoje, também pela imprensa, inclusive por meio de jornais de grande circulação nacional, que o "buraco" do Banco Nacional é muito maior do que se esperava, qualquer coisa como R$2 bilhões até o momento; mas esse valor não é conclusivo porque os auditores continuam ainda trabalhando naquela instituição. Há alguns meses, pedimos que o Governo não permitisse a quebra do setor produtivo nacional. Todos acham que o setor financeiro não deve quebrar e, através de medida provisória, o Governo resolve o problema de como saldar, preencher, resolver, cobrir os rombos dos bancos. E isso é feito com uma rapidez e ação fulminante do Governo Federal que chama a nossa atenção. O pequeno produtor rural que não tem a quem recorrer, que não tem acesso aos órgãos decisórios da Nação ficou meses e meses marginalizado. Já falei neste plenário, há pouco tempo, aparteando o Senador Lúdio Coelho, sobre o produtor rural do Rio Grande do Sul, que, com suas máquinas sobre balsas, atravessam o Rio Uruguai e vão para a Argentina produzir. Naquele País, um trator brasileiro custa R$10 mil a menos do que um semelhante produzido e vendido no Brasil; os juros também são bem menores do que os cobrados em nosso País. O nosso produtor sai do território brasileiro em busca de condições de trabalho e não para especular. Portanto, considero extremamente oportuno o pronunciamento de V. Exª. No Governo, ninguém teve sensibilidade para entender o problema do setor produtivo rural do País, mas entendem com uma rapidez de um raio o problema do setor financeiro nacional. Ser duro com o Banco da Paraíba é fácil. Vamos acompanhar, vamos ver como vai ser resolvido o problema do BANESPA, do BANERJ, do Banco Econômico, do Banco Nacional e de outros. O contribuinte do Brasil está sendo, nesse momento, extremamente sacrificado, pois cobre rombos sobre os quais nunca conhecerá a verdade, nem o tamanho. Não saberá o destino do dinheiro e muito menos o motivo da quebradeira desses grandes bancos. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento e pela serenidade com que o faz. Lamento que o plenário, nesse horário, esteja bastante vazio. Lamento que não esteja presente aqui nenhum Líder do PSDB para nos ajudar, para nos orientar, para responder questões, neste momento, o que faz muita falta neste plenário do Senado Federal. Cumprimento V. Exª pelo brilhantismo e pela lucidez das colocações que faz nesta tarde no nosso Senado Federal.

O SR. HUMBERTO LUCENA - V. Exª me sensibiliza com suas generosas palavras. Na verdade, meu pronunciamento não tem senão o propósito de fazer com que pensemos alto a respeito de problemas como esse, os quais envolvem graves aspectos da economia nacional.

Do que V. Exª disse, tira-se a conclusão de que essas Medidas Provisórias sobre as fusões e incorporações de bancos são nitidamente casuísticas, foram adredemente preparadas, sem sombra de dúvida, para socorrer todos esses bancos a que se refere V. Exª.

Na época da liquidação extrajudicial dos bancos da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Piauí, nem de longe se contava com a possibilidade de uma Medida dessa natureza, nem nós a esperávamos, pois sempre consideramos que uma matéria dessa ordem tem que ser tratada - como já disse - através de projeto de lei complementar como estabelece a Constituição. É isso o que o Governo tem que fazer. O Congresso Nacional, com a sua responsabilidade, com a sua competência, deve, aliás, tomar a iniciativa de produzir esse projeto de lei complementar para que o sistema financeiro seja regulado por meio do instrumento próprio e adequado previsto na Constituição.

Retomo as minhas considerações, Sr. Presidente.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que não obstante o êxito da queda da inflação conseguida pelo Plano Real, o fato é que a sua condução como que estabeleceu para ele uma terrível armadilha. Pois, pela lógica defendida pela equipe econômica, para sua consolidação, o País deverá manter-se na convivência com altíssimas taxas de juros, cujos efeitos mais sérios têm sido a enorme retração da economia produtiva, a que se refere V. Exª, nobre Senador Levy Dias, e o próprio aumento das dívidas interna e externa. E a retumbante inadimplência gerada por essa política que afetou gravemente todos os setores da economia, não poderia deixar de ter seus fortes reflexos sobre o sistema financeiro, já devidamente podado dos altos ganhos inflacionários de antes.

Ou seja, o Governo sabia que os bancos, não apenas por decorrência da estabilização monetária, mas por conta dessa política, iriam caminhar rapidamente para uma situação de grandes dificuldades. Mas a visão neoliberal mais uma vez se fez presente e, por incrível que pareça, no contexto de um governo social democrático, impedindo que houvesse mais presteza na elaboração de uma política mais condizente, no sentido de que o Estado pudesse ter um maior controle do setor financeiro.

Aí é onde entra a seguinte pergunta: por que, então, se já sabia de antemão das dificuldades em que se encontravam os bancos para sobreviver, não urgenciou a elaboração de um projeto de lei complementar a ser enviado ao Congresso Nacional para regulamentar o sistema financeiro do País.

Em segundo lugar, ao fazê-lo, correndo atrás dos fatos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo adota medidas que, ao contrário de lhe conceder mais poderes e mais controle sobre esse setor da mais alta importância para a nossa soberania, permite que os bancos estrangeiros mais facilmente possam assumir a hegemonia do setor, fazendo com que se tema que o Estado brasileiro venha a perder plenamente seu poder de induzir a intermediação financeira no sentido de estimular a aplicação das poupanças conseguidas para a solução dos graves problemas nacionais.

Vejamos pela primeira medida provisória referida: os bancos ficam autorizados a comprarem os passivos de outros que estiverem em crise, com o direito a ressarcimento via Imposto de Renda. Eles poderão abater nesse imposto os tais passivos, até o limite de 30% do lucro líquido. E, ademais, terão o direito a taxas de juros altamente privilegiadas nos empréstimos que lhes propiciarão os recursos necessários para implementação das citadas fusões e incorporações.

O Imposto de Renda, Sr. Presidente, pode ser abatido até 30% sobre o lucro líquido dos bancos para socorrê-los nessas dificuldades.

Lembro-me, então, de uma visita que fiz ao Presidente Itamar Franco, acompanhado pelo então meu 1º Suplente, Armando Klabin. Quando S. Sª foi levar ao Senhor Presidente da República as suas preocupações com a situação nacional, disse que se o Governo precisava de recursos, recursos não inflacionários para atender às demandas do Tesouro Nacional, ele sugeria dois caminhos para isso, quais fossem: uma taxação mais forte sobre os lucros dos bancos e sobre os lucros dos oligopólios, os dois setores da economia nacional que mais ganhavam dinheiro neste País. Essa é a verdade inquestionável que não podemos deixar de considerar.

É bem verdade que, após as intervenções de senadores, durante as conversas com o Ministro da Fazenda, Pedro Malan, em recente visita que nos fez para as devidas explicações da Medida Provisória, ocorreram algumas mudanças. Como, por exemplo, o comprometimento da parte do governo de exigir garantias reais nos citados empréstimos, envolvendo o patrimônio das empresas coligadas e bens dos administradores, assim como a promessa de fornecimento ao Senado de relatórios periódicos sobre os gastos públicos decorrentes das fusões e a garantia do ressarcimento dos recursos aos cofres públicos.

Contudo, nada disso foi definido. E, objetivamente, convenhamos, não se promoveram quaisquer mudanças essenciais no conteúdo da Medida Provisória em tela. Pois, enfim, os pontos mais polêmicos, como os benefícios fiscais e a possibilidade de os bancos oferecerem títulos sem valor, as chamadas moedas podres, como garantia dos empréstimos, permanecem intactos.

Com a segunda Medida, que se editou em face da situação problemática envolvendo o Banco Nacional e o UNIBANCO, e para tornar viável a compra do primeiro por este último, o Banco Central simplesmente assume os empréstimos mais problemáticos do banco em crise, aceitando, pelo valor de face, moedas de privatização, ou seja, as chamadas moedas podres, que têm alto deságio no mercado, para liquidação dos passivos.

É bem verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que deixar o sistema financeiro nacional entrar em débâcle seria o fato mais desastroso. O que, dizem, justificaria mais um aperto no bolso de nossos contribuintes. Sob a alegação de que as perdas seriam muito maiores depois. E as argumentações em favor desse socorro de pai para filhos, tanto da parte dos integrantes da equipe econômica do Governo, quanto de muitos economistas e outros analistas fora dele, trazem muitos exemplos de vários países. Citam, particularmente, a situação dos Estados Unidos, onde, segundo informam, os contribuintes americanos gastaram 25 bilhões de dólares para socorrer o falido sistema de poupança e empréstimos daquele país, estimando-se que deverão despender ainda outros 100 bilhões de dólares para solucionar a questão definitivamente.

Entretanto, é de perguntar-se se estão considerando o Brasil no mesmo nível dos Estados Unidos, que é o centro do capitalismo mundial, e cujo nível de renda per capita não poderia jamais ser comparado ao nosso, que é substancialmente inferior. Pois, assim, estaríamos diante de um cotejamento inconcebível. E, ainda mais, por força de nossas flagrantes desigualdades sociais e regionais, que se avultam extraordinariamente diante das muito menores dificuldades sociais que aquele país enfrenta.

No nosso caso, mesmo que nos faltem estimativas precisas sobre o impacto desse processo de fusões, com relação ao montante a ser pago com as isenções fiscais, por exemplo, já se sabe que serão gastos nada menos do que algumas dezenas de bilhões de reais. O que não significa uma isenção de pouco peso, haja vista que o sistema financeiro nacional é responsável por 15% dos 10,3 bilhões de reais que têm sido, em média, arrecadados anualmente pelo Governo com o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica.

Por outro lado, há a perspectiva nada agradável de que as taxas de juros venham a aumentar ainda mais com essas fusões, pois, para financiar essas linhas de crédito, o Banco Central terá de emitir moeda. Um ingresso adicional de dinheiro que, para ser enxugado, como se diz no "economês", exigirá do Governo o lançamento de mais títulos no mercado. Ou seja, mais endividamento governamental, mais perspectiva de aumento de inflação pela frente.

Na verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a ação governamental neste caso vem reeditar, mais uma vez, o conhecido esquema de socialização dos prejuízos favorecendo tão-somente o capital, salvando-o de maiores riscos, em detrimento de milhões de assalariados, correntistas e contribuintes que se enquadram nesse universo, o que nos impõe uma séria reflexão sobre o papel do Estado na intermediação financeira em nosso País.

Se é inevitável uma mudança na matriz econômica brasileira, considerando-se a inevitabilidade pragmática de que se implementem várias privatizações, para que o Estado se retire da cena direta de muitos dos serviços de utilidade pública, por exemplo, não é menos inevitável que no setor financeiro e no comércio externo, deva concentrar-se a atuação deste, regulamentando-os e controlando-os muito mais intensamente, a exemplo do que fazem os tigres asiáticos, o Japão, a China etc. É essa reflexão necessária e fundamental, porquanto se sabe que os bancos estrangeiros são hoje os mais ávidos para arrematar bancos e agências nacionais nesse novo cenário. Destacam-se nesse projeto o Citibank e o Banco de Boston.

E, por último, mas não menos importante, não podemos aceitar, como argumentam muitos analistas, que essa situação deva ser usada como pretexto para a inviabilização do setor financeiro oficial. Ao contrário, se se tivesse de gastar dinheiro público nesse momento para fortalecimento da intermediação financeira, esse dispêndio teria que ser canalizado justamente para o soerguimento dos bancos oficiais.

Compreendo que isso implica uma ação amplamente racionalizadora dessas instituições, que, independentemente da crise atual do setor financeiro geral, já deveria estar em curso de modo mais rápido e mais compatível com as necessidades impostas pela realidade nacional. E significando isso, antes de mais nada, a sua adequação aos novos tempos de alta competitividade dos mercados financeiros mundiais, ou seja, uma atuação muito mais intensa do setor público na orientação e no controle de intermediação financeira, como condição sine qua non para que possamos realmente aspirar a uma verdadeira inserção soberana de nosso País na chamada economia globalizada.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/1995 - Página 4193