Discurso no Senado Federal

CORRESPONDENCIA RECEBIDA DA DIREÇÃO NACIONAL DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, SOBRE ASSENTAMENTO DE FAMILIAS. REVISÃO DA POLITICA DE FINANCIAMENTO AGRICOLA NO PAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA AGRICOLA.:
  • CORRESPONDENCIA RECEBIDA DA DIREÇÃO NACIONAL DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, SOBRE ASSENTAMENTO DE FAMILIAS. REVISÃO DA POLITICA DE FINANCIAMENTO AGRICOLA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 13/01/1996 - Página 195
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, CORRESPONDENCIA, SINDICATO, TRABALHADOR RURAL, ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, VERDADE, DADOS, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), RELAÇÃO, NUMERO, FAMILIA, ACESSO, TERRAS, REIVINDICAÇÃO, GOVERNO, ASSENTAMENTO RURAL, MAIORIA, TRABALHADOR, SEM-TERRA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, JANIO DE FREITAS, JORNALISTA, DENUNCIA, REFORMA AGRARIA, GOVERNO, FRUSTRAÇÃO, TRABALHADOR, SEM-TERRA, RETORNO, PROTESTO, RETOMADA, INVASÃO, TERRAS, REGIÃO SUL, PAIS.
  • ANALISE, CRITICA, REFORMA AGRARIA, POLITICA AGRICOLA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a direção nacional do Movimento dos Sem-Terras enviou correspondência ao Presidente da República, assinada pelo Sr. João Pedro Stedile, onde ressalta que recebeu do Presidente interino do INCRA, Dr. Raul do Valle, a relação das 42.912 famílias que teriam sido assentadas em 1995, e que o Senhor Presidente considerou inadequadas e descabidas as críticas do Movimento dos Sem-Terras.

Esclarece João Pedro Stedile:

      "Nós gostaríamos de também lhe explicar os dados: 1-Os dados que nós divulgamos na imprensa, nós colhemos no INCRA, e portanto são oficiais, não inventamos nada. As 42.912 famílias existem; os 288 projetos de assentamentos existem, como diz o INCRA. O problema está em que as famílias já estavam na terra. Não dependeram de nenhuma ação do seu Governo para ter acesso à terra.

      Por isso, o INCRA mascarou os dados. Das 42 mil que agora estão em projetos oficiais de assentamento, apenas 12.263 famílias tiveram de fato acesso à terra durante o ano de 1995, em função de desapropriação de áreas e ações do Governo nesse ano. 2-O gesto de ter regularizado as famílias como assentamento oficial, nós elogiamos. Mas não pode dizer que é ação de seu governo.

      Senhor presidente, o que nós queremos explicação do INCRA e do seu governo é por que não assentaram as 31.619 famílias que estão acampadas, debaixo de lonas, passando todo o tipo de sacrifício? O senhor havia assumido esse compromisso, de que o INCRA priorizaria a solução desses acampamentos. Em todos os estados há acampamentos."

O jornalista Janio de Freitas mostra esta correspondência na sua coluna de ontem, dizendo que nenhum comentário poderia ser mais esclarecedor do que esse trecho da carta do Movimento dos Sem-Terra ao Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Diante da frustração dos trabalhadores sem terra, não é à toa que resolveram protestar retomando as invasões no sul do País.

Conforme assinala o Jornal do Brasil de hoje:

      No Município de Palmeira das Missões, cerca de quatro mil colonos - entre homens, mulheres e crianças - invadiram, pela terceira vez, a Fazenda do Salso. Enquanto isso, na capital gaúcha, outros 350 sem-terra ocuparam área defronte ao prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), onde as lideranças se reuniram com o Superintendente Regional, Jânio da Silva. Eles reivindicam o assentamento das 2.590 famílias acampadas em vários municípios, além de lonas, alimentos, assistência médica e escola para suas crianças.

Sr. Presidente, é preciso que se analise com maior rigor a política agrícola e de Reforma Agrária do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ao final do ano, disse o Presidente:

      "Por isso, fiz questão de assegurar melhores condições para a agricultura. A TR foi eliminada dos novos financiamentos e as dívidas estão sendo renegociadas para que, no ano que vem, os agricultores produzam uma boa safra e ganhem mais". ... "Estamos avançando também em outras áreas. Já disse e repito: quero acelerar a Reforma Agrária. Em 1995, assentamos 40.286 famílias, muito mais do que em qualquer ano anterior".

Vejamos, de fato, o que aconteceu, primeiro, com respeito à política agrícola.

      O Presidente da República assegura que, ao ter eliminado a TR dos novos contratos de crédito rural e estabelecido mecanismo (securitização) para a renegociação das dívidas rurais, os agricultores terão condições de obter boa safra e aumentar a renda gerada pela atividade no ano de 1996.

      1. Quanto à eliminação da TR dos financiamentos rurais: o Presidente tem lutado ostensivamente contra a medida. Os fatos:

      No ano de 1994, o Congresso Nacional aprovou o PLV nº 11/94, em cujo art. 16, § 2º, ficara estabelecido que a evolução dos encargos financeiros incidentes sobre os contratos de crédito rural observaria a evolução dos preços mínimos dos produtos agrícolas (fim da TR, na prática). A inclusão desse dispositivo foi produto de acordo firmado entre lideranças da bancada ruralista e lideranças do Governo e, naturalmente, contou com a chancela da equipe econômica à época, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso. O PT apoiou o dispositivo.

      Para surpresa geral, por ocasião da sanção à lei resultante (Lei nº 8.880/94) o então Presidente Itamar Franco vetou o mencionado dispositivo.

      Por ocasião da deliberação sobre os vetos à lei, já durante o governo FHC, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial em referência, para o que concorreu o apoio de todos os partidos, inclusive do PT.

      O Presidente da República negou-se a sancionar a derrubada do veto, o que foi feito mediante promulgação pelo Presidente do Congresso Nacional.

      Mas o Presidente não se deu por vencido. Iniciou uma política de cooptação dos membros da bancada ruralista, os quais, até então, avocavam para si, propagandeando para todo o País, a grande conquista da extinção da TR no crédito rural.

      Após algumas poucas rodadas de negociações com os ruralistas, o Governo propôs taxas de juros prefixadas em 16% a.a. para os financiamentos da safra 1995/96 e, em troca, exigiu a suspensão do art. 16, § 2º, da Lei nº 8.880 até 31 de julho de 1996. Os ruralistas caíram na armadilha, editando-se, assim, a chamada Medida Provisória do Crédito Rural que, depois de várias reedições, originou a Lei nº 9.138/95, a qual, além das medidas acima, incluiu os termos da securitização, produto de acordo posterior. O PT votou contra a lei.

      Vale registrar que no curso das negociações pela suspensão da TR em troca dos juros prefixados, a Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara, por meio de nota técnica, alertou que o Governo, com a culminação desses dispositivos, estava, na verdade, resgatando a TR nos financiamentos rurais, na medida em que trabalhava com um cenário - que se confirma até o momento - de inflação em torno de 16% para o ano de 1996.

      Os produtores, enganados pelo Governo e pela bancada ruralista, acorreram aos bancos estimulados pela suposta atratividade dos juros. Resultado: atualmente, a taxa anualizada da TR alcança 18%, praticamente o mesmo patamar dos juros incidentes nos contratos de crédito rural, tornando exitosa a manobra do Governo pela manutenção da política de juros reais sobre as operações de crédito rural, independente do porte do produtor.

      2. Quanto à renegociação das dívidas:

      Da mesma forma que as regras estipuladas para os financiamentos da próxima safra, o processo de securitização das dívidas teve outros propósitos que não propriamente os relacionados à recuperação da dinâmica produtiva da agricultura nacional.

      Decididamente, tratou-se de um acordo entre o Governo e a bancada, potencialmente lesivo aos agricultores - e portanto à agricultura - e, efetivamente, lesivo à população. Os únicos beneficiários reais da medida serão os bancos.

      Por que os agricultores deverão ser penalizados com essa proposta?

      (I) o próprio Secretário Nacional de Política Agrícola, em seminário promovido pela Comissão de Agricultura da Câmara, declarou que, com a vinculação de R$7 bilhões do Tesouro para a garantia dos bancos nos contratos de refinanciamento previsto pelo instrumento, estarão absolutamente engessadas as fontes futuras de recursos do Governo para o crédito rural;

      (II) independente do mérito, o instrumento exclui a grande maioria dos pequenos agricultores que, em muitos casos, desfazendo-se inclusive de suas terras, não mediram sacrifícios para honrar os seus compromissos com os bancos;

      (III) porque o instrumento será aplicado indistintamente sobre o montante da dívida, o que inclui suas frações de legitimidade questionáveis, ou ilegítimas mesmo, como no caso daquelas resultantes do sobreendividamento provocado pelo descasamento de índices ocorridos no Plano Collor e pela capitalização mensal das taxas de juros, por exemplo. Significa que o acordo, agindo em sentido contrário às recomendações da CPMI do Endividamento Agrícola, levará os agricultores a pagarem as parcelas das dívidas resultantes de atos governamentais ilegítimos e confiscatórios que, no mínimo, mereceriam outro tratamento;

      (IV) os contratos de refinanciamento das dívidas deverão ser firmados com os preços mínimos, em níveis reais, dentre os mais baixos da história da PGPM (Política de Garantia de Preços Mínimos). Como estarão nos momentos de liquidação dos contratos? Não houve qualquer salvaguarda para inevitáveis flutuações positivas futuras dos preços (prazo mínimo de 7 anos para as renegociações), o que certamente resultará em perdas significativas para o produtor.

      A população vai pagar uma alta fatura e somente os bancos vão lucrar. Por quê?

      (I) os casos de inadimplemento serão cobertos pelo Tesouro (contribuinte). Não nos surpreendamos se a securitização vier a constituir-se em instrumento de massiva anistia branca, o que demandará, parcial ou totalmente, R$7 bilhões dos bolsos dos contribuintes, a serem apropriados pelos bancos, o quais, a propósito, já não alimentavam esperanças de recuperar grande parte desses créditos;

      (II) mas, a depender de uma série de variáveis, como: evolução dos preços mínimos e dos juros de mercado e, ainda, dos níveis de inadimplência, a maior fatura que a sociedade poderá pagar com a securitização virá da cobertura da equalização.

      Suponhamos que esse acordo estivesse em prática há um ano. Nesse período, os preços mínimos não variaram na média e os juros de mercado ficaram em torno de 35%. Nesta simulação, somente a título de equalização de taxas, o Tesouro (contribuinte) pagaria aos bancos, neste primeiro ano da securitização, algo em torno de R$2,4 bilhões.

      Portanto, trata-se de negócio da China para os bancos, desfavorável para os agricultores e desastroso para o Tesouro (contribuinte).

      3. Ao contrário das previsões feitas pelo Presidente, em seu pronunciamento, segundo as quais, em 1996, os produtores produzirão uma boa safra e ganharão mais, estimamos que a interação dos efeitos das medidas acima produzirão resultados absolutamente diversos. Quanto à boa produção, os levantamentos sobre estimativas da área plantada e de produtividade atestam a significativa redução do volume de produção previsto, conforme veremos na seqüência. Sobre os ganhos de receita que venham a compensar a retração da produção e a baixa na produtividade, isso virá a ocorrer somente se o Governo abrir mão do papel que a agricultura vem desempenhando na sustentação do programa de estabilização. Por conseguinte, o Governo teria que retomar a política de imposição de barreiras tarifárias e não tarifárias sobre as importações agrícolas e decidir pela retenção dos elevados níveis dos estoques de alimentos. Convenhamos, ambas as medidas são incompatíveis com o projeto do Plano Real. Não fossem essas circunstâncias da atual política econômica, a tendência seria de recuperação dos preços agrícolas, em razão da inevitável quebra da produção que será ainda mais acentuada em decorrência da ação recente de fatores climáticos adversos no sul do País, cujos efeitos ainda não foram dimensionados pelos órgãos especializados.

      Vale registrar alguns indicadores que já se configuram para 1996, como resultado da política adotada pelo governo FHC para a agricultura brasileira.

      De acordo com a pesquisa realizada pelo Departamento Técnico e Econômico da CNA, a redução da área plantada na safra 95/96 (safra de verão) alcançou 2.3 milhões de hectares (24.7 milhões de hectares para 22,4 milhões), com expressiva queda na produtividade.

      O reflexo imediato desses índices será uma redução de 15.5% na produção da safra de verão da região centro-sul, que passará dos 65,3 milhões de toneladas para 55,2 milhões de toneladas na próxima colheita.

      A redução dos índices de produtividade está estimada nos seguintes níveis, para os produtos a seguir: arroz em casca= 8,2%, milho= 8,6%, soja= 5,3%, algodão= 5,7%.

      Para assegurar o abastecimento interno diante desse quadro iminente de redução da produção nacional, o governo deverá gastar, em 1996, mais 42% do que foi gasto em 1995 com despesas com importações de alimentos (US$2,5 bilhões, para US$3,6 bilhões). Essa previsão das importações para 1996 está subestimada, pois efetuada sem levar em conta os efeitos das enchentes e secas verificadas recentemente na Região Sul do País. Observe-se que praticamente coincidem o volume de recursos demandados para importação de alimentos e o volume de recursos atualmente alocados para o crédito rural.

      Por fim, para reafirmar o negligenciamento do atual governo para com um setor absolutamente estratégico da economia nacional, como é o caso da agricultura, cabem algumas considerações sobre o tratamento conferido ao setor na proposta orçamentária para 1996.

      Em que pese o significativo crescimento esperado para as receitas previstas da União, a análise do quadro da composição das despesas fixado no projeto orçamentário indica a importante redução dos recursos destinados ao setor agrícola, relativamente à LO/95.

      Para 1996, o orçamento total fixado para o financiamento dos programas do MAARA e suas vinculadas foi estimado em R$4,4 bilhões, ou seja, R$1,4 bilhão inferior ao de 1995. Em relação à receita tributária toral, a participação do orçamento destinado à agricultura declina de 5,5% no ano de 1995 para 2,8% no exercício/96. Tomando-se como referência as despesas totais do Poder Executivo (inclusive transferências e encargos financeiros da União), a participação da agricultura declina de 1,8% para 1,5% no período considerado.

      No caso das Operações Oficiais de Crédito, a participação da agricultura caiu de R$3,8 bilhões, em 1995, para R$3,4 bilhões, nas previsões para 1996.

      Para o custeio agropecuário, estão previstos recursos de R$983.073.290,00 para pequenos e miniprodutores rurais, sendo que R$279.428.290,00 para empréstimos e R$703.645.000,00 para a equalização das taxas de juros.

      Para o financiamento de programas de investimento agropecuário, a proposta orçamentária prevê recursos da ordem de R$63,9 milhões, ou seja, R$225,1 milhões inferiores aos de 1995. (os números estão corretos?) Nota-se que na presente proposta deixaram de ser contemplados programas como o PAPP (programa de apoio a pequenos produtores do Nordeste), o programa de aproveitamento das várzeas irrigáveis, o programa de investimento agroindustrial, entre outros.

      Somando-se os valores programados para custeio e investimento, verifica-se a insignificância do volume de recursos resultante quando comparado aos recursos previstos para as importações de alimentos.

      Para o financiamento da política de formação de estoques reguladores e estratégicos (EGF+AGF), a proposta orçamentária para 1996 estipula dotações gerais de R$2,3 bilhões. Para o ano de 1995, foram executados R$2,7 bilhões.

      Quanto ao Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Planaf, os recursos programados (R$40 milhões) mostram-se incompatíveis com a nomenclatura do plano.

      A propósito, vale registrar a ausência de rubrica relativa ao Pronaf, criado no ano de 1995, por força de acordo firmado pelo governo com as entidades de trabalhadores rurais promotoras do II Grito da Terra Brasil.

Já no que diz respeito às metas de assentamento declaradas como alcançadas em 1995, convém ainda assinalarmos com maior cuidado os dados anunciados pelo Governo.

      A essência fundamental de qualquer processo de reforma agrária é a alteração da estrutura da posse e do uso da terra, objetivando a democratização do acesso e da exploração econômica desse meio de produção, com os fins macroeconômicos e sociais subjacentes.

      À luz desse pressuposto básico, podemos afirmar que no primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso as iniciativas relacionadas à política agrária não configuraram o propósito de promoção da reforma agrária no Brasil.

- no grau que se poderia esperar de um Presidente que, ao longo de sua vida, sempre disse lutar para que houvesse o resgate da cidadania dos trabalhadores do campo -

      Preponderantemente, restringiram-se ao (limitado) acesso à terra de famílias em imóveis rurais, localizados nas áreas de fronteira agrícola, deixando de lado, a rigor, as ações transformadoras requeridas para as regiões de colonização antiga e de maior densidade demográfica. Além desse fato, conspirou ainda contra a reforma agrária, no ano de 1995, a indisponibilidade, pelas famílias assentadas, das demais ações de apoio exigidas pelo processo, nos planos econômico e social (crédito, alimentação e infra-estrutura social básica).

      Essas conclusões e as informações subseqüentes estão ancoradas na análise dos dados do INCRA oferecidos para dar suporte ao pronunciamento de final de ano do Presidente da República. O conteúdo desse Relatório, ainda não divulgado à opinião pública, demonstra a grave manipulação política efetivada pelo Presidente ao anunciar as metas atingidas de assentamento.

      No pronunciamento, o Presidente da República assegurou à população brasileira que o seu governo assentou 40.286 famílias em 1995, superando assim - de acordo com Sua Excelência -, as metas comprometidas e superando ainda todos os resultados de anos anteriores.

      A despeito dos comentários posteriores, relativizando-se tal estatística, somos obrigados a admitir a modéstia do Presidente, quando comparada ao pronunciamento do Ministro da Agricultura, em setembro passado, afirmando que estava assegurado o assentamento de 51.364 famílias até 31 de dezembro.

      A leitura dos dados do INCRA revela que, das 42 mil famílias tidas como assentadas, foram contabilizadas 10.200 em projetos antigos, em áreas adquiridas até 1994, sendo que, dessas, cerca de 6 mil famílias (60%) foram assentadas na Região Norte. Considerando-se que mais 15% dessas 10 mil famílias foram assentadas no Centro-Oeste (Mato Grosso, basicamente), conclui-se que 75% dos assentamentos realizaram-se em áreas de fronteira.

      Subtraindo, então, as 10.200 famílias cujas ações para o assentamento restringiram-se a um trabalho de regularização da situação encontrada, as metas declaradas cairiam para 32 mil famílias, em 288 projetos executados no ano de 1995.

      Das 32 mil famílias restantes, apenas 14 mil famílias foram assentadas nas regiões do país consideradas típicas para reforma agrária, sendo o restante dos assentamentos (18 mil famílias) efetuados nos Estados de Mato Grosso, do Maranhão e na Região Norte.

      Pelos levantamentos efetuados pelo MST, o número real de assentamentos promovidos no primeiro ano do governo FHC alcançou apenas 12.263 famílias.

      Voltando à análise dos dados oficiais, o quadro da distribuição do total dos assentamentos/95 (32 mil famílias) por região, é o seguinte:

      - Sudeste: 1.058 famílias (3,3%);

      - Sul: 1.891 famílias (5,9%);

      - Nordeste: 16.349 famílias (5,1%), sendo que apenas o Maranhão (área pré-amazônica) concentrou 6.901 famílias (42% do total da Região);

      - Centro-Oeste: 8.758 famílias (27,4%), sendo que Mato Grosso concentrou 8.139 famílias (92,9%), enquanto que no Estado de Goiás, que concentra número expressivo de acampados, foram assentadas somente 619 famílias;

      - Norte: 4.488 famílias (14%).

      Corroborando o direcionamento altamente preponderante dos assentamentos para as áreas de fronteira, os dados do Relatório informam que 66% da capacidade total de assentamentos concentraram-se naquelas regiões. É importante que isso se dê. Somente o Maranhão e o Mato Grosso concentraram 51% da capacidade total de assentamento.

      Fique claro que não estamos defendendo postura contra a política de assentamentos nas regiões de expansão da fronteira agrícola, até porque várias sub-regiões dessas áreas apresentam-se atualmente dentre as mais conflagradas do país, em função da luta pela terra. Ocorre que esse fenômeno tem sido resultante direto do processo de expulsão da terra nas áreas de colonização antiga. Nesta perspectiva, a ação do governo vem caracterizando, a rigor, uma modalidade de política de colonização diferenciada da vigente na década de 70, já que, ao contrário de induzir fluxos migratórios, como verificado no bojo da política de ocupação pensada para a fronteira, limita-se a atacar (timidamente) os tensionamentos sociais decorrentes dos importantes fluxos migratórios espontâneos mais recentes dirigidos àquelas regiões.

      Portanto, sem a efetiva democratização da propriedade da terra nas áreas antigas do país, se está, na verdade, promovendo a contra-reforma agrária no Brasil, pois mantém-se a concentração fundiária nessas regiões ao mesmo tempo em que se alimenta a luta pela terra na fronteira.

      Ademais desse fato, induz-se ainda o processo de devastação ambiental na Amazônia, o que demonstra a correlação direta existente atualmente entre reforma agrária e a política ambiental para aquela região. Sem a efetivação da primeira, nas condições aqui propostas, fica comprometida qualquer ação conseqüente de preservação dos recursos bióticos da Amazônia. Por conta desse entendimento é que defendemos que a reforma agrária constituiria a melhor política para a preservação ambiental da Amazônia.

      Não foi possível atestar o evidente descumprimento dos compromissos do governo relativos ao assentamento, até o final de 1995, das 17 mil famílias acampadas.

      Para finalizar, vale efetuar breves considerações sobre as dotações orçamentárias propostas pelo governo para a reforma agrária, em 1996.

      Em relação à autorização orçamentária para o ano de 1995, as previsões do orçamento dessa instituição, para o ano de 1996, praticamente mantém os mesmos valores (R$1,4 bi, contra R$1,3 bi, em 95). No entanto, alguns fatos merecem ser destacados para relativizar esse reduzido acréscimo nas dotações orçamentárias do órgão responsável pela execução da reforma agrária no país:

      As metas da reforma agrária para 1996, fixadas pelo programa de governo do então candidato Fernando Henrique Cardoso garantiam o assentamento de 60 mil famílias. A proposta orçamentária do governo do Presidente FHC reduz essas metas para 40 mil famílias. Portanto, independente do volume dos recursos, a proposta orçamentária para 1996, de plano, incorpora um corte de 33,3% nas já indigentes metas da reforma agrária, com as quais se comprometeu o candidato FHC;

      A fase de implantação, demanda recursos da ordem de R$5.000,00/família. A proposta orçamentária do governo reduz esse valor para R$2.221,00 (R$88.850.924,00, para 40 mil famílias). Isso equivale dizer que o déficit dos recursos projetados, em relação ao necessário para a meta de 40 mil famílias, nesta fase, alcança cerca de R$111 milhões.

      Os recursos projetados para o Procera (crédito para a produção), apresentam um déficit equivalente a R$122 milhões, ao se considerar a elevação do teto por família (de R$3.200,00 para R$7.500,00), recentemente ratificada pelo governo. Para o atendimento - proposto pelo governo - de 21.908 famílias, foram destinados R$58 milhões para esse programa, o que implica na média de apenas R$2.640,00, por família.

      A indisponibilidade de informações sobre a distribuição espacial, por unidade federada, dos assentamentos pretendidos pelo governo, impede, em função das variações dos preços da terra, a avaliação dos recursos projetados para a indenização da terra nua e para a indenização das benfeitorias, fixados em R$400 milhões e R$95 milhões, respectivamente.

      Brasília, 09 de janeiro de 1996.

      Responsável: Gerson Teixeira - Assessor da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, gostaria de agradecer ao assessor Gerson Teixeira, da Comissão de Agricultura da Câmara, pelo levantamento muito bem realizado a respeito dos dados que demonstram o quão modesta está sendo a ação do Governo Fernando Henrique Cardoso no que diz respeito à reforma agrária e de quanto os números que apresentou à opinião pública devem ser melhor qualificados, porque, em grande parte, a própria meta de 40.000 que o Governo gostaria de assentar ficou bem abaixo, se considerarmos aquilo que efetivamente já tinha acontecido. Assentamentos constituem um processo mais complexo de colocação dos trabalhadores, para realmente estarem cultivando a terra com os elementos necessários.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/01/1996 - Página 195