Discurso no Senado Federal

DEFESA DA REALIZAÇÃO DAS OBRAS PARA A TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO COMO FORMA MAIS EFETIVA DE COMBATE A MISERIA NO NORDESTE.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DEFESA DA REALIZAÇÃO DAS OBRAS PARA A TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO COMO FORMA MAIS EFETIVA DE COMBATE A MISERIA NO NORDESTE.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Carlos Wilson, Humberto Lucena, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 17/01/1996 - Página 284
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DESIGUALDADE REGIONAL, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL.
  • REGISTRO, SITUAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, DEFICIENCIA, RECURSOS HIDRICOS, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA, AGRICULTURA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, OBRA PUBLICA, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, BENEFICIO, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, CUSTO, VIABILIDADE, REALIZAÇÃO, OBRA PUBLICA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • REGISTRO, REUNIÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), COMPROMISSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNADOR, REGIÃO NORDESTE, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • SOLICITAÇÃO, EXECUTIVO, URGENCIA, DISCUSSÃO, TRAMITAÇÃO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meados do ano passado, ouvimos do Senhor Presidente da República a opinião de que "em muitos países há condições de combater a miséria e se não se faz é porque há vontade de manter as desigualdades". No Brasil, bem sabemos que as enormes desigualdades, tanto regionais quanto pessoais, nos colocam entre os países de pior concentração de renda no mundo. Sabemos também que essas desigualdades regionais só tendem a aumentar, porque não se corrigem as causas estruturais e porque os investimentos são direcionados para as regiões mais ricas.

Por que não saímos de providências desconexas, parciais, casuísticas ou pressionadas pelas tragédias? Por que não se corrigem as deficiências dos organismos regionais nem a dispersão de seus esforços?

Por que não se articula uma política do desenvolvimento social que busque efetivamente a erradicação da miséria e a redução da pobreza, lá onde ela mais se concentra, ajudando a corrigir as causas e não simplesmente a atenuar os efeitos de forma provisória e precária?

Como o maior bolsão de miséria e pobreza, o Nordeste está sempre na berlinda e reclamando um plano de desenvolvimento, um projeto que abra perspectivas de superação do subdesenvolvimento e de materialização de suas grandes potencialidades. Mas só se ouve falar de remendos, de acomodações ou da postergação do essencial.

A região nordestina sofre, no seu processo de desenvolvimento, o peso da problemática do semi-árido, sistemática e periodicamente assolado pela tragédia das secas. A ocorrência do fenômeno não apenas destrói a base de sustentação da população do interior, mas também abala o funcionamento da vida econômica nas regiões não atingidas, com as migrações populacionais.

De há muito se sabe que está no problema da água e na violência da seca a causa estrutural do atraso da Região. Também de há muito se sabe que não é possível superar deficiência hídrica com as disponibilidades locais. Daí o fracasso de todas as estratégias até aqui empregadas. Por isso, há 180 anos se fala na transposição de água do rio São Francisco para resolver a questão. Muito se escreveu a respeito, inúmeras têm sido as intervenções nas tribunas políticas. Até mesmo Euclides da Cunha, engenheiro e patriota, em 1906 já clamava por essa solução, considerando um crime a sua postergação.

As transposições de águas se realizam no mundo inteiro desde milênios, a começar pela Mesopotâmia e China. Mas os avanços da tecnologia e da engenharia, a partir da Segunda Guerra Mundial, tornaram fáceis e baratos esses projetos, a ponto de haver mais de 70 projetos concretizados ou em fase de execução em cerca de 20 países. Além disso, na década de 70, o Projeto RADAMBRASIL identificou na região semi-árida de quatro Estados - Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco -, que são os mais afetados pelas secas, um milhão e meio de hectares de terras extremamente férteis e completamente improdutivas por falta de água. Esses fatores encorajaram o Governo a preparar tecnicamente o Projeto de Transposição de Águas do São Francisco, que ficou pronto em 1984, atualizado para dimensões políticas e financeiramente aceitáveis em 1994.

Em junho de 1993, quando estava quase completado o Projeto, o então Senador Marco Maciel, daqui desta tribuna, dizia, em discurso veemente:

      "Entendido o problema, sabidas suas causas e vistas suas conseqüências, cabe perguntar: por que tardam soluções capazes de obter resultados concretos? O que falta à tão esperada redenção do semi-árido? Que forças interpõem-se entre potência e ato, formulação e execução de políticas realmente aptas a colocar a questão entre as prioridades de desenvolvimento nacional?"

O custo do Projeto de Transposição, de U$$600 milhões, é reduzido diante da expectativa de gastos com secas, que venham a ocorrer sem o Projeto. E nada representa diante da magnanimidade do Governo para com as outras Regiões. Acaba de conceder US$7,5 bilhões para socorrer o Estado de São Paulo no caso Banespa. Os recursos oficiais para o Estado do Rio de Janeiro em três projetos vão a US$3 bilhões. O SIVAM despenderá US$1,4 bilhão para só citar os casos mais recentes. Afora os gastos para, segundo o Governo, manter a integridade do sistema financeiro, que tem levado à unificação de instituições financeiras com desequilíbrios de caixa. Essas mesmas instituições, as mais beneficiadas no período inflacionário, são socorridas às custas do Erário. Não somos contrário a que se salvem os bancos. Mas que não se banque esse custo às custas do aprofundamento das desigualdades.

Sabemos que, em maio último, na reunião do Conselho da SUDENE, o Presidente da República assinou com os Governadores do Nordeste o chamado Compromisso pela Vida do São Francisco, no qual se inscrevia secundariamente o propósito de dar continuidade aos estudos relativos ao projeto de transposição das águas. Mas somente em 13 de dezembro, pela Resolução nº 01 da Câmara de Políticas Regionais, foi criado o Grupo de Trabalho para definir programas de ações para a bacia e o vale do São Francisco, incluindo-se o "estudo das alternativas de transposição de águas para as bacias carentes do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, com revisão e aprofundamento das pesquisas já realizadas sobre o assunto, de modo que o Governo possa tomar posição em relação à viabilidade, oportunidade e prioridade do projeto". Temos pressa e queremos definição.

Definição que apresse providências, porque aumenta a freqüência das secas da região, e o Governo tarda em se preparar para neutralizar seus efeitos, correndo o risco de gastar vultosos recursos só para assistência. O Projeto de Transposição é a única fórmula de resolver o problema; é a única esperança do sofrido povo da minha terra.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me permite um aparte?

O SR. RONALDO CUNHA LIMA - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Este ano, para a transposição das águas do São Francisco, o Orçamento não dispõe mais do que uns míseros milhões de reais, que se destinam praticamente à pesquisa, principalmente ao planejamento. Não há recursos, portanto, para a sua execução. A obra de um projeto dessa importância já deveria até ter começado, e o último Presidente, o Presidente Itamar Franco, queria executá-la em tempo recorde. É uma obra que não ultrapassa nem a faixa de um bilhão de reais, mas só há dinheiro para o planejamento. Agora, quando é necessário, por exemplo, uma mudança no câmbio, em que se esvaem R$7 bilhões da noite para o dia, quando é necessário salvar algum banco - temos, entre outros, exemplos de R$4,3 e 2,7 bilhões -, faz-se em tempo recorde. No entanto, para se salvar a agricultura e dar condições de vida à população de quatro Estados - principalmente no nosso caso, na Paraíba, onde necessitamos até de água para o consumo humano -, sabemos que a velocidade é quase parando.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA - Agradeço a V. Exª, Senador Ney Suassuna, o aparte. Informo que estou vindo, neste momento, da Subcomissão de Orçamento da área específica de meio ambiente, onde constatamos que, através de emendas aprovadas pelo Relator, foram consignados recursos no Orçamento para este ano de R$15 milhões. Recursos esses destinados à elaboração de projetos e a algumas medidas iniciais. Evidentemente que seria um primeiro passo, porque o custo da obra - repito - é de R$600 milhões apenas, bem menos ou 10% inferior ao que se está investindo para resolver o problema do BANESPA.

O Sr. Carlos Wilson - Senador Ronaldo Cunha Lima, V. Exª me permite um aparte?

O SR. RONALDO CUNHA LIMA - Com muito prazer, Senador Carlos Wilson.

O Sr. Carlos Wilson - Senador, estou acompanhando atentamente o discurso de V. Exª, com muito entusiasmo, mas também com muita preocupação, porque vejo que os assuntos do Nordeste são sempre muito difíceis de serem resolvidos. V. Exª falou de quanto o Governo tem gasto nesse socorro aos bancos. Posso lembrá-lo de que, quando V. Exª era Governador da Paraíba, no ano de 1993, a seca foi brava na Paraíba e no Nordeste inteiro. Nas chamadas "frentes de emergência", gastou-se naquela época, ainda no Governo Itamar Franco, quase R$2 bilhões. Então, chegamos à conclusão de que, enquanto não for priorizada a aplicação de recursos no Nordeste, vamos continuar sempre a fazer esses discursos lamentando a falta de apoio e a falta de assistência em relação à nossa Região. Tendo participado agora da Comissão de Obras Inacabadas, que fez um levantamento no País inteiro de tudo o que se encontra parado nas diversas áreas, nada me chocou mais do que termos algumas centenas de obras pequenas, médias ou grandes, na área hídrica, que estão também paradas, sem receber recursos para a sua conclusão. Por isso, quando estamos perto de concluir o parecer do Orçamento para o ano de 1996, desejamos, sinceramente, que o Relator, Deputado Iberê Ferreira, possa conseguir contemplar, de uma forma racional, aquilo que na verdade o Nordeste tanto precisa, que é exatamente a questão dos recursos hídricos. Por isso, parabenizo V. Exª pelo discurso, pelo brilho, torcendo para que o Nordeste possa, um dia, ter vez, recebendo o que merece.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA - Agradeço a V. Exª, Senador Carlos Wilson, pela sua valiosíssima participação neste pronunciamento, enriquecendo-o.

Prossigo, Sr. Presidente. Por que tardar com a transposição para o Nordeste mais sofrido, que se recuperará com a retirada de apenas 70m³/s de água do São Francisco, menos de 3% da vazão do rio no ponto de captação? Por que correr o risco de se assistir ao cortejo de miséria, de fome e de sofrimento na próxima seca?

Foram superadas as dúvidas levantadas sobre o impacto da retirada da água na capacidade de geração de energia.

Em recente relatório da Comissão Especial para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco, deste Senado, o Relator estranha que:

      "Cinco décadas de prioridade nacional - desde que foi incluído no próprio texto da Carta de 46 - não foram suficientes para fazer desenvolver o Vale do São Francisco..."

Queremos, então, apelar para o Poder Executivo no sentido de imprimir ritmo mais acelerado na discussão e tramitação do importante Projeto de Transposição do Rio São Francisco. Nenhuma ação concorrerá tanto para a concretização dos objetivos maiores do programa do Governo de justiça social, de geração de empregos e de redução da miséria e das desigualdades quanto o Projeto Integrado de Transposição.

Mas, ao mesmo tempo, queremos apelar às elites políticas do Nordeste para sua grande responsabilidade na condução desse projeto. O Nordeste tem pressa em superar suas deficiências básicas e em recuperar o atraso e a distância dos outros. É indispensável que cada Estado do Nordeste se convença de que, apenas unida, a Região conseguirá progredir na velocidade do mundo de hoje, e de que o progresso de cada Estado nordestino repercutirá positivamente nos Estados vizinhos.

O Sr. Humberto Lucena - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR.RONALDO CUNHA LIMA - Com muito prazer, Senador Humberto Lucena.

O Sr. Humberto Lucena - Desejo apenas ir ao encontro das palavras de V. Exª, parabenizando-o e ressaltando a oportunidade do seu pronunciamento, que é no sentido de insistir nessa tese, que é de todos nós, nordestinos, sobretudo paraibanos, da transposição das águas do São Francisco. Penso, inclusive, que esses recursos a que V. Exª se referiu, que teriam sido incluídos na proposta de orçamento para este ano, seriam despiciendos, na medida em que sabemos que o projeto praticamente está pronto, pelo menos é o que nos anunciava o Governo Itamar Franco, que já tratava de conseguir recursos externos para o seu financiamento. Então, em vez de alocar recursos para a elaboração do projeto, o que se deveria mesmo era alocar recursos para iniciar a sua execução, e prosseguir os entendimentos, através do Banco do Brasil e do Banco do Nordeste, com organismos de crédito internacionais, visando o financiamento desse projeto, que é de fundamental importância para o semi-árido, sobretudo da Paraíba, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e do Ceará.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA - Agradeço o aparte de V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - V. Exª me concede um aparte, Senador Ronaldo Cunha Lima?

O SR. RONALDO CUNHA LIMA - Pois não, nobre Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador, a exemplo dos demais pronunciamentos que V. Exª tem feito nesta Casa, todos estamos ouvindo com muita atenção a contribuição que, mais uma vez, traz a todos aqueles que se interessam pelo desenvolvimento da nossa Região, empobrecida, é bem verdade, mas que tem dado enorme contribuição ao desenvolvimento nacional. Esse esforço, infelizmente, não tem sido reconhecido pelas autoridades constituídas, uma vez que o que falta neste instante em relação ao Nordeste é somente vontade política. Vontade política assegurada através de um programa que atenda às comunidades mais pobres, principalmente aquelas que vivem no semi-árido, onde falta água em pleno século XX, quando sabemos que, em Israel, verdadeiros desertos foram transformados em terras férteis - pomares, sítios e até fazendas. Lá, a água praticamente não existe, porque a natureza não foi tão dadivosa quanto tem sido com o nosso Brasil, mas Israel teve a vontade política de manter o seu povo unido no seu território, apesar da situação adversa. Portanto, é um país que tem, hoje, um alto conceito no âmbito dos cientistas que se dedicam à produção de água de forma industrial para atendimento às populações e também para assistência ao campo. De sorte que, nobre Senador - V. Exª, que foi um grande Governador do Estado da Paraíba, tem sido, como o Senador Humberto Lucena, um defensor intransigente dos interesses da nossa Região -, acredito que essa reunião que fizemos na semana passada terá conseqüência amanhã, com a elaboração de um documento definitivo, dirigido ao Presidente da República, a fim de que Sua Excelência não forneça à nossa Região a caridade, precisamos da caridade pública. Precisamos, sim, de um programa efetivo, sério, baseado naquilo de que dispomos: riqueza mineral, como o petróleo; um povo trabalhador e honrado; uma mocidade estudiosa, nas nossas universidades, que, ano após ano, se forma e não tem onde trabalhar; temos recursos humanos e materiais para o desenvolvimento da nossa Região; como eu disse, o que falta é vontade política. V. Exª conta com o meu apoio.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA - Agradeço a V. Exª, Senador Antonio Carlos Valadares, e ao Senador Humberto Lucena pelas manifestações transmitidas, pedindo-lhes permissão para incorporar seus apartes ao meu modesto pronunciamento.

Encerro, Sr. Presidente, pedindo permissão para lembrar, com a mesma ênfase com que foram proclamados, os versos do poeta e jornalista baiano, radicado no Ceará, Demócrito Rocha, quando solicitava providências para a construção da barragem de Orós, no rio Jaguaribe:

      "O rio Jaguaribe é uma artéria aberta

      por onde escorre

      e se perde

      o sangue do Ceará."

Da mesma fora, dizemos que o rio São Francisco é uma artéria aberta por onde escorre e se perde o sangue do Nordeste.

      "Ninguém o escuta,

      E o gigante dobra a cabeça sobre o peito enorme,

      E o gigante curva os joelhos no pó

      Da terra calcinada,

      E

      - nos últimos arrancos - vai

      morrendo e resistindo...

      morrendo e resistindo..."

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/01/1996 - Página 284