Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DE TENSÃO NA REGIÃO DO ALTO RIO GUAMA, DECORRENTE DE INVASÃO DE TERRAS DOS INDIOS TEMBES.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. REFORMA AGRARIA.:
  • SITUAÇÃO DE TENSÃO NA REGIÃO DO ALTO RIO GUAMA, DECORRENTE DE INVASÃO DE TERRAS DOS INDIOS TEMBES.
Publicação
Publicação no DSF de 19/01/1996 - Página 552
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • GRAVIDADE, CONFLITO, RIO GUAMA, MUNICIPIO, NOVA ESPERANÇA DO PIRIA (PA), PARAGOMINAS (PA), SANTA LUZIA DO PARA (PA), ESTADO DO PARA (PA), FRONTEIRA, ESTADO DO MARANHÃO (MA), INVASÃO, RESERVA INDIGENA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, SEQUESTRO, FUNCIONARIO PUBLICO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), NEGOCIAÇÃO, INDIO.
  • CRITICA, GOVERNO, DEMORA, DEFINIÇÃO, POLITICA INDIGENISTA, APREENSÃO, DECRETO FEDERAL, POSSIBILIDADE, QUESTIONAMENTO, DEMARCAÇÃO, PRIORIDADE, ASSENTAMENTO RURAL, RELAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA AGRARIA, INTEGRAÇÃO, TRABALHO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), RESPEITO, TERRAS INDIGENAS, IMPEDIMENTO, REINCIDENCIA, CONFLITO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, gostaria de fazer um registro, por solicitação do Senador Pedro Simon, já que há uma expectativa sobre seu pronunciamento a respeito da discussão havida entre S. Exª e os Senadores José Sarney e Antonio Carlos Magalhães.

O Senador Pedro Simon estava pronto a se manifestar sobre o assunto hoje, mas teve que viajar e, devido ao atraso nas votações, S. Exª prometeu voltar na terça-feira, para dar continuidade a essa discussão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é tensa a situação no alto Rio Guamá, divisa entre os Estados do Pará e Maranhão, em região que compreende os municípios paraenses de Nova Esperança do Piriá, Paragominas e Santa Luzia do Pará.

Desde terça-feira, cerca de 700 índios Tembés tomaram como reféns quatro funcionários da Funai, que foram àquela área exatamente para negociar uma solução quanto às invasões que vêm ocorrendo nas reservas indígenas da região, principalmente por madeireiros, fazendeiros e pequenos produtores rurais.

O motivo principal da retaliação dos índios é que sua reserva, demarcada há mais de quinze anos, continua até hoje cheia de posseiros, madeireiros, garimpeiros e até latifundiários.

Segundo as informações veiculadas por representantes da Funai em Belém, os funcionários tomados como reféns foram até a aldeia para uma reunião, marcada com antecedência, entre os índios e dirigentes do órgão, reunião essa que deveria contar, inclusive, com a participação do Presidente da Funai, Dr. Márcio Santilli, onde seria discutida a solução para o problema das invasões na reserva.

A ausência do Presidente Márcio Santilli foi tomada pelo conselho de guerra dos índios, formado por caciques e guerreiros de várias aldeias, como um desrespeito e descaso para com o problema daquelas comunidades, aumentando ainda mais o clima de tensão, à medida em que os índios perceberam que os representantes da Funai não tinham soluções definitivas a apresentar.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a invasão de terras indígenas em todo este País é hoje um problema que parece insanável, e a culpa maior é do próprio Governo Federal, que não consegue viabilizar, de modo definitivo, a demarcação das reservas indígenas, conforme prevê a Constituição Federal, em seu Capítulo VIII, art. 231.

Agora mesmo, Srªs e Srs. Senadores, o Governo surpreende a sociedade, principalmente os setores mais ligados às questões indígenas, com a publicação de um decreto que altera substancialmente a política de demarcação de reservas.

Trata-se do Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996, que dispõe sobre procedimentos administrativos para a demarcação de terras indígenas. Nesse decreto, chamam atenção alguns procedimentos adotados pelo Governo, principalmente no que diz respeito ao levantamento fundiário das áreas demarcadas e à possibilidade de questionamentos posteriores às demarcações, o que nos parece contribuir para complicar ainda mais o processo de delimitação das áreas indígenas protegidas pelo art. 231 da Constituição de 1988.

O art. 4º do Decreto nº 1.775/96, Sr. Presidente, toca no ponto nevrálgico da questão, pois prevê que "verificada a presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, o órgão fundiário federal dará prioridade ao respectivo reassentamento..."

Parece-me que, sob este aspecto, o decreto presidencial é bastante claro, não deixando dúvidas ao estabelecer que as demarcações de áreas em que existam conflitos entre brancos e índios deverá ser precedida pela solução de assentamentos dos ocupantes não índios que porventura estejam na área. Este procedimento, no meu entender, passa necessariamente pela execução de um projeto de reforma agrária que socialize a propriedade fundiária, concorrendo também para a solução dos conflitos permanentes entre índios e colonos, que ocorrem por todo o País afora.

Quero dizer, Sr. Presidente, que várias dessas ocupações por lavradores, em algumas ocasiões, são provocadas por grandes madeireiros e latifundiários, que incentivam a penetração dos trabalhadores rurais que têm a necessidade da terra. E como o Governo nunca os satisfez, nunca atendeu às suas necessidades de trabalho, eles penetram muitas vezes até financiados por madeireiros e latifundiários, criando todo esse conflito.

Finalmente, esse artigo do Decreto 1.775 é, para nós, absolutamente impraticável, porque implicaria em que houvesse recursos para tirar posseiros que já se encontram trabalhando em terra indígena, por culpa do próprio Governo, e colocá-los em outras áreas. Para que esse remanejamento pudesse ser feito, seriam necessários recursos bastante expressivos. Trata-se de uma irresponsabilidade do Governo, um Governo que não tem dinheiro para fazer a reforma agrária para quem ainda se encontra sem terra. Imaginem tirar colonos assentados em áreas indígenas, para colocá-los em terras outras. Na verdade, isso deixa claro que a questão da reforma agrária é da maior importância e precisa ser vista com mais cuidado.

Chamo a atenção dos nobres Senadores para o fato de que a questão aqui abordada, portanto, resulta de um problema muito maior, mostrando uma das faces mais injustas do Brasil, que é exatamente a luta pela terra e a necessidade emergente de que se faça reforma agrária neste País.

Impelidos à busca de um pedaço de terra onde possam produzir e criar suas famílias, milhares de trabalhadores rurais sem terra acabam atraídos pela possibilidade de ocupação das terras indígenas com problemas de demarcação, ou se envolvem de modo irregular ( e em alguns casos, até como vítimas de má fé de grileiros de terras) em ocupações de áreas já demarcadas.

É evidente que a resistência no meio do índio é menor do que no meio do latifundiário, que tem milícia própria e segurança privada.

Como se vê, esse é um quadro que exige providências imediatas do Governo quanto à reformulação do modelo fundiário existente no nosso País.

Lembro que, em outubro do ano passado, o Presidente Márcio Santilli esteve em meu gabinete para uma reunião com colonos do município de São Félix do Xingu/PA, que, naquela oportunidade, haviam sido atacados e tomados como reféns por índios parakanãs da tribo Trincheira Bacajá. Na ocasião, uma equipe da Funai e do Ministério da Justiça deslocou-se até a área de conflitos constatando que, de fato, os colonos estavam ocupando, por desconhecimento, uma parte das terras indígenas.

Toda aquela situação obrigou a uma série de providências e encaminhamentos envolvendo a Funai, o Incra e o Ministério da Justiça, a nível federal, e ainda o Instituto de Terras do Pará e a Secretaria de Estado de Segurança Pública, circunstâncias essas que poderiam ter sido evitadas se, no que diz respeito àquele caso isolado, que se parece com a quase totalidade de outros casos envolvendo conflitos entre índios e invasores já houvesse sido feita a demarcação.

Quero registrar aqui que os acordos feitos naquela ocasião com os trabalhadores rurais não foram cumpridos nem pela Funai, nem pelo Incra, nem pelo Ministério da Agricultura. À época, ficou acertado que os trabalhadores rurais deixariam a área, fariam um acampamento à margem de um rio em São Félix do Xingu e o Governo bancaria a sua alimentação através de cestas básicas enquanto eles lá estivessem, até que novas terras fossem encontradas para eles. Chegaram a fazer o acampamento, mas até hoje não receberam a alimentação prometida e, conseqüentemente, estão voltando para a área dos índios, o que pode acarretar um conflito com mortes e com conseqüências internacionais graves.

Atualmente existem cerca de 1.800 famílias de pequenos agricultores que ocupam irregularmente as terras indígenas naquela região. Segundo os líderes indígenas, há 17 anos eles tentam solucionar o problema através da Funai - e aqui estou me referindo novamente ao problema dos Tembés - , porém, apesar das incontáveis reuniões já realizadas na Aldeia, em Belém e em Brasília, até agora não ocorreu nenhum encaminhamento que aponte soluções definitivas para a questão.

A área indígena do Alto Rio Guamá, Sr. Presidente, ocupa 270 mil hectares entre os rios Guamá e Gurupi, existindo oficialmente como reserva desde 1974, quando foi demarcada e reúne, além dos Tembés, as tribos Timbira, Guajajara e os Urubu-Kaapor.

A providência da demarcação, neste caso, não foi suficiente para conter a invasão dos brancos, que se embrenharam pela mata em busca de terras agricultáveis, madeiras nobres, minerais e outros produtos da floresta.

Até mesmo denúncias de plantação de maconha em áreas indígenas, naquela região, já motivaram providências da Justiça e da Polícia Federal para remover possíveis plantadores e traficantes que ali atuam. Recentemente, Srªs e Srs. Senadores, a Justiça do Maranhão concedeu liminar, determinando a expulsão de invasores, apreensão de ferramentas e reintegração das terras indígenas na jurisdição daquele Estado. Esta medida, todavia, não surtiu qualquer efeito já que até hoje, segundo relato do Chefe do Posto Indígena do Canindé, não foi possível realizar nenhuma incursão mata adentro por falta de efetivo policial e de infra-estrutura para uma operação desta natureza.

A questão que ora se coloca, Sr. Presidente, obriga-nos a abordar mais uma vez aquilo que já é hoje uma exigência da sociedade brasileira: a reforma agrária neste País não pode esperar mais nem um minuto para ser realizada.

Finalmente, quero dizer de minhas expectativas no sentido de que o Presidente Márcio Santilli encaminhe a solução de mais este problema envolvendo comunidades indígenas do Estado do Pará, com a determinação e sensibilidade que são peculiares à sua administração frente à Funai.

Sr. Presidente, quero registrar que o Presidente Márcio Santilli mandou mais dois agentes da Funai à área, para conversar com os Tembés e fazer a sua proposta. Os Tembés os seqüestraram; são, portanto, seis funcionários da Funai seqüestrados na reserva dos Tembés, no Estado do Pará. Mais um conflito que se dá, uma luta que já percorre 17 anos e que não é resolvida, infelizmente, pela insensibilidade do Governo.

A nossa manifestação é para chamar a atenção de um problema como esse e mostrar que a reforma agrária necessita ser feita e que a terra dos índios precisa ser respeitada. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/01/1996 - Página 552