Discurso no Senado Federal

CONTESTANDO DECLARAÇÕES DO MINISTRO CLOVIS CARVALHO, DA CASA CIVIL, A IMPRENSA SOBRE A NÃO OBRIGATORIEDADE DE REAJUSTE SALARIAL AOS FUNCIONARIOS PUBLICOS NO MES DE JANEIRO.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • CONTESTANDO DECLARAÇÕES DO MINISTRO CLOVIS CARVALHO, DA CASA CIVIL, A IMPRENSA SOBRE A NÃO OBRIGATORIEDADE DE REAJUSTE SALARIAL AOS FUNCIONARIOS PUBLICOS NO MES DE JANEIRO.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 20/01/1996 - Página 635
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • PROTESTO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, INCOERENCIA, DECISÃO, SUSPENSÃO, REAJUSTAMENTO, SALARIO, SERVIDOR.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, CASA CIVIL, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, DATA BASE, PROPOSIÇÃO, DIFERENÇA, REAJUSTAMENTO, FUNCIONARIO MILITAR.
  • COMENTARIO, DADOS, INTERNET, ARTIGO DE IMPRENSA, ESTATISTICA, GASTOS PUBLICOS, PESSOAL, ENCARGOS FINANCEIROS, IMPROPRIEDADE, JUSTIFICAÇÃO, GOVERNO, SONEGAÇÃO, REAJUSTAMENTO, SALARIO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a passagem do primeiro aniversário do mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso foi marcada pela promessa, feita em discurso, na televisão, de que as preocupações do Governo se voltariam, agora, para a área social. Depois de doze meses suportando a prioridade concedida a uma política cambial e de juros que, é bem verdade, segurou os índices de inflação em níveis desconhecidos em nosso País desde muito tempo, ao custo, no entanto, de um reflexo sério na estagnação da economia, com a conseqüente onda de falências, concordatas e desemprego; depois, como eu dizia, de um ano de engessamento das demandas sociais, muita gente chegou a acreditar que haveria, enfim, uma mudança de rumos.

Puro engano. Como, aliás, declarou o jornalista Clóvis Rossi, em sua coluna na Folha de S. Paulo da última sexta-feira, comentando a entrevista concedida pelo Presidente à revista Esquerda 21, Fernando Henrique é melhor de discurso do que de ação. É difícil compreender como se pode fazer um diagnóstico tão acertado de alguns dos principais problemas do País e tomar, ao mesmo tempo, como administrador do Estado, medidas socialmente tão desastrosas. Pois o que acabamos de assistir, na semana passada, foi a mais um desses espetáculos de insensibilidade, inconseqüência e desrespeito à lei em que esse Governo tem se mostrado tão pródigo.

Refiro-me ao triste episódio da proposta do Ministro-Chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, de suspender a concessão do reajuste dos servidores públicos neste mês de janeiro, sua data-base. Para atender à vontade da equipe econômica de não conceder qualquer ajuste ao funcionalismo público, o Ministro chegou a afirmar, segundo a reportagem da jornalista Silvana de Freitas, publicada na Folha de S. Paulo da quarta-feira, dia 10 de janeiro, que "não existe data-base do funcionalismo". "Tradicionalmente" - ousou ainda acrescentar - "foi em janeiro".

Sr. Presidente, a ninguém é permitida a alegação de ignorância da lei - eis um velho brocardo jurídico. Muito menos, acrescento, a quem, como administrador público, não tem outra obrigação senão a de cumprir aquilo que a lei prescreve. Pois é exatamente isso o que demonstrou o Chefe da Casa Civil. Chamou "tradição" aquilo que, de fato, é lei: especificamente, a Lei nº 7.706, de 21 de dezembro de 1988, que estabelece o mês de janeiro como "data-base das revisões dos vencimentos, salários, soldos e proventos dos servidores civis e militares da administração direta, das autarquias e das fundações públicas".

Cabe acrescentar ainda, Srs. Senadores, que essa lei foi concebida para regulamentar um dispositivo constitucional, o inciso X do art. 37, que estabelece: "a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á na mesma data". Notem, Srªs e Srs. Senadores, que se trata de um dispositivo da Carta de 1988 considerado tão importante por nossa classe política que, ao contrário de outros tantos, que, até hoje, esperam regulamentação, recebeu a devida regulação infraconstitucional apenas dois meses após a promulgação da própria Constituição.

A partir daquela data, seguiu-se o que o Ministro Clóvis Carvalho chama de "tradição", e eu, humildemente, prefiro chamar "legalidade". Sempre no mês de janeiro, os servidores civis e militares vêm tendo a revisão geral de sua remuneração, com os índices de reajuste definidos, a cada ano, por novos documentos legais. Assim foi em 1989, pela própria Lei nº 7.706; em 1990, pela Lei nº 7.974, de 22 de dezembro de 1989; em 1991, pela Lei nº 8.162, de 9 de janeiro de 1991; em 1992, pela Lei nº 8.390, de 30 de dezembro de 1991; em 1993 e 1994, pela Lei nº 8.622, de 19 de janeiro de 1993; finalmente, em 1995, pela Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994.

Todos esses números me conduzem ao seguinte questionamento: neste País, em que algumas leis "pegam" e outras não, não terá o Ministro, em algum sentido, sua razão? A lei vem sendo cumprida neste ponto: eis uma tradição; há outros campos nos quais a tradição será a de não cumpri-la. É o que se pode depreender das declarações do porta-voz da Presidência, Sérgio Amaral, citadas na Folha de S. Paulo do sábado último. Respondendo à contestação feita na quinta-feira pelo Deputado Miro Teixeira, no plenário da Câmara dos Deputados, o porta-voz proferiu a seguinte pérola da sofística: "É verdade que a Lei nº 7.706 mantém a idéia da data-base em janeiro, mas isso não implica a obrigatoriedade de uma revisão salarial".

O ilustre Deputado carioca, aliás, manifestou vontade de entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, segundo o Correio Braziliense do dia 12 do corrente. Ainda segundo o diário desta Capital, o Governo acena com um reajuste, previsto no orçamento, de cerca de 11%, correspondentes à inflação de janeiro a julho do ano passado. "E a inflação de julho a dezembro", perguntou, muito justamente, o Deputado, "não existe?" O reajuste devido, calculado sobre o ano passado inteiro pela assessoria do Deputado Miro Teixeira, seria de cerca de 27%.

O Governo alega que o Regime Jurídico Único não prevê data-base para o reajuste dos servidores públicos. No entanto, como declarou ao Correio Braziliense o ilustre Senador Josaphat Marinho, a lei geral não pode anular uma lei específica. Como é possível que o Governo continue a ignorar esses princípios fundamentais do Direito? Uma vez que já vamos descumprir a lei, Srªs e Srs. Senadores, nada mais natural que descumpramos de vez a Constituição, concedendo, como sugeriu o Ministro, um reajuste diferenciado para os servidores militares, idéia que, segundo a mesma reportagem, estaria em estudo na área econômica e no Ministério da Administração.

Inventaram uma gratificação para aumentar o soldo dos militares e, agora, querem dar um reajuste diferenciado.

Não estou pretendendo negar a situação de penúria a que chegou a família militar com os últimos anos de soldos extremamente baixos, mas ressaltando que a mesma situação é enfrentada pelos servidores civis, só que sem o mesmo direito a voz nos meios de comunicação e, naturalmente, sem armas.

Dizem os economistas do Governo que estamos em tempo de austeridade, de contenção de gastos. Isso, dizem, exige o sacrifício de toda a sociedade. Até estaríamos de acordo, se víssemos os sacrifícios sendo repartidos por todos os segmentos sociais, o que não ocorre. Não vou falar aqui do absurdo socorro financeiro a bancos falidos, cujos proprietários saem do episódio mais ricos que nunca. Não falarei tampouco das privatizações mal conduzidas, que têm gerado muito menos receita para o Tesouro que para os especuladores de títulos públicos, segundo números publicados pelo jornalista Jânio de Freitas.

Nada disso. Pretendo destacar um dado, colhido da página de informação da Receita Federal na Internet, disponível para qualquer cidadão - inclusive para nós, Senadores, através do Prodasen - que tenha acesso a essa rede, no Brasil ou em qualquer parte do mundo. Em seguida, pretendo citar apenas duas notícias, publicadas pela imprensa, ironicamente, na mesma quinzena do bate-boca sobre o reajuste dos servidores públicos. São notícias que demonstram serem os assalariados em geral, e os servidores públicos, em particular, os únicos sacrificados pela política de austeridade do Governo.

Segundo a Receita Federal, os gastos nacionais com pessoal e encargos, em 1994, de janeiro a outubro, montaram a pouco mais de R$25 bilhões; em 1995, no mesmo período, a quase R$28 bilhões, o que corresponde a um aumento de 15%.

Ressalto que esses dados estão na Internet, fornecidos pela Receita Federal.

Para efeito de comparação, os encargos da dívida passaram de R$8 bilhões, entre janeiro e outubro de 1994, a quase R$11 bilhões, no período equivalente de 1995, ou seja, um aumento de 32%. Esse, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é o efeito dessa política econômica de juros estratosféricos: o aumento da dívida pública.

Se desdobrarmos esses dados da dívida pública em suas parcelas interna e externa, estaremos diante de um verdadeiro escândalo e, o que é pior, nesses números que estão lá para qualquer um compulsar - sabe-se lá o que revelariam os números que o Governo esconde? Se esses números lá se encontram, de maneira clara e aberta, imaginem o que não estará lá de maneira clara e aberta!

Segundo a tabela da Receita na Internet, aqueles R$8,2 bilhões do serviço da dívida, de janeiro a outubro de 94, se compunham de R$5,4 bilhões referentes à dívida interna e R$2,8 bilhões referente à dívida externa. Esses números pularam, no mesmo período de 1995, respectivamente, para R$6,3 bilhões e para R$4,5 bilhões. Isso representa um aumento de 17% dos gastos com os encargos da dívida interna, acompanhado de um catastrófico aumento de 61% dos gastos com a dívida externa.

Não me venham, depois da apresentação desses números, alegar que os gastos com o funcionalismo são o maior entrave ao saneamento dos gastos públicos. Nenhuma retórica cínica pode responder ao argumento dessas cifras.

Gostaria agora de passar, Sr. Presidente, às notícias que mencionei há pouco. A primeira delas saiu na Folha de S. Paulo, no dia 02 de janeiro deste ano. Segundo a repórter Shirley Emerick, o Governo tem utilizado a arrecadação do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT - para "tapar buracos nas contas públicas e em financiamentos". Assim, num momento em que a política econômica vem provocando uma onda de desemprego nas regiões mais industrializadas do País, o Governo descapitaliza o fundo criado para bancar o programa do seguro-desemprego, usando seu dinheiro para financiar os setores agrícola, automotivo e naval. A dívida do Governo com o FAT montaria, segundo a jornalista, a mais de R$3 bilhões.

A segunda reportagem tem ainda mais relevo para a questão central deste pronunciamento, qual seja, a remuneração dos servidores públicos. Trata-se de matéria publicada no dia 03 de janeiro, na mesmíssima Folha de S. Paulo em que saiu aquela declaração desastrada do porta-voz da Presidência. Segundo reportagem publicada no caderno "Negócios e Finanças", os servidores públicos pagaram 115% mais Imposto de Renda em 1995 do que no ano anterior, enquanto o aumento referente aos outros assalariados montava a 68%.

O Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, atribuiu esse aumento da arrecadação principalmente ao aumento concedido pelo Presidente da República aos cargos de Direção de Assessoramento Superior - DAS.

Esse foi um aumento realmente considerável e que gerou, na verdade, aquele aumento de 15% na folha de pagamento. Era justo, porque os cargos de confiança, nesse Governo, realmente ganhavam muito pouco. Mas não foi o aumento de salário do funcionalismo público como um todo, porque eles o justificam como se fosse o da folha geral. Na verdade, entretanto, o aumento foi gerado, na sua maior parte, pelos cargos de confiança, tanto é que houve um considerável aumento na arrecadação do Imposto de Renda.

Mas isso só vem demonstrar que o aumento dos servidores gera receita para o próprio Governo, seja pela via dos impostos diretos, como nesse caso, seja pela dos impostos indiretos, resultantes do consumo.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Com muita alegria, concedo um aparte ao nobre Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Eminente Senador Ademir Andrade, não queria interromper o discurso de V. Exª, mas creio que, a esta altura, já sabemos qual é o ponto linear abordado. Devo ressaltar que V. Exª faz uma análise construtiva e com a densidade de quem levantou o problema com segurança, ao invés de fazer um discurso político-oposicionista. Se a contribuição de V. Exª não for ouvida pelo Governo, será um equívoco cometido pela área, sobretudo a interessada na matéria. O que é de se lamentar - e aí faço coro com V. Exª - é que se pretenda atribuir ao servidor público, todas as vezes em que tem uma mínima melhora salarial, a culpa por tudo o que acontece. V. Exª destacou bem os DAS; e era preciso que fossem reajustados, porque o pagamento era tão ínfimo! Mas foram os DAS que ampliaram o bolo, e não o pouco que se paga ao servidor público. Quero destacar que V. Exª fez muito bem ao citar o art. 37, X, da Constituição, uma vez que V. Exª contribuiu para o fato, como Constituinte - e posso dar o meu testemunho. Vale a pena assistir a um discurso de contribuição dessa natureza.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Muito obrigado, nobre Senador Bernardo Cabral. Agradeço a manifestação de V. Exª.

Por tudo isso, Srs. Senadores, quero deixar registrado meu protesto quanto à tentativa do Governo de sonegar aos seus servidores o direito legal ao reajuste de vencimentos neste mês de janeiro. Quero deixar claro que compreendo que o Regime Jurídico Único dos Servidores Civis - Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 - deixa claro que a data-base de reajuste salarial dessa categoria não tem o sentido que têm as datas-base de reajuste de trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Os servidores não têm direito à negociação salarial ou ao dissídio coletivo nessa data. Esse fato, porém, não lhes priva do direito legal ao reajuste salarial, tanto mais quando a inflação, cujo controle a propaganda oficial alardeia, continua em nível bem mais elevado que a dos países do chamado Primeiro Mundo.

Espero que o Governo reconsidere essa posição e tome a decisão de cumprir a lei e dar aos servidores públicos o reajuste salarial.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/01/1996 - Página 635