Pronunciamento de Jefferson Peres em 01/02/1996
Discurso no Senado Federal
TRANSCURSO, ONTEM, DO QUADRAGESIMO ANIVERSARIO DA POSSE DE JUSCELINO KUBITSCHEK NA PRESIDENCIA DA REPUBLICA. DESAFIO AO MITO JK.
- Autor
- Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- TRANSCURSO, ONTEM, DO QUADRAGESIMO ANIVERSARIO DA POSSE DE JUSCELINO KUBITSCHEK NA PRESIDENCIA DA REPUBLICA. DESAFIO AO MITO JK.
- Aparteantes
- Lauro Campos.
- Publicação
- Publicação no DSF de 02/02/1996 - Página 1198
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM, ANIVERSARIO, POSSE, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
- COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUMENTO, INFLAÇÃO, REDUÇÃO, EXPORTAÇÃO, FALTA, APOIO, EDUCAÇÃO, SAUDE, AGRICULTURA.
- CRITICA, CONSTRUÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).
O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, transcorreu ontem o 40º aniversário da posse de Juscelino Kubitschek na Presidência da República. Todas as referências que ouvi a respeito desse evento foram elogiosas. Juscelino é uma unanimidade nacional.
Mas hoje, Sr. Presidente, vou ter a audácia de discordar, de ser voz dissonante nesse coro nacional. Coragem porque vou desafiar um mito, sem nenhum desmerecimento pela memória de Juscelino, cujas qualidades reconheço. Entretanto, para recordar Nelson Rodrigues, "a unanimidade é burra", toda ela.
O que me preocupa, Sr. Presidente, Srs. Senadores, não são os elogios a Juscelino, merecidos, mas a forma acrítica com que o seu governo é enaltecido. Não me agradam essas apreciações sem espírito crítico, que ora caem em um extremo, ora em outro.
V. Exª mesmo, Senador José Sarney, é vítima dessa apreciação destituída de espírito crítico. Geralmente as referências que ouço a seu governo salientam-lhe os possíveis erros, mas raramente lhe ressalta a parte positiva.
No extremo oposto, temos Juscelino Kubitschek. Todos se embandeiram em louvar seu governo, com a falácia dos "50 anos em 5", como se tivesse sido um Governo apenas e exclusivamente com fatos positivos. Não o foi. O Governo de Juscelino Kubitschek está necessitando urgentemente de uma revisão crítica, para que se faça um balanceamento, para que se possa saber o que foi bom e o que inegavelmente não foi.
O Governo teve fatos positivos: aumento da taxa de crescimento média de 7,5% ao ano, por exemplo; as obras: Furnas, Três Marias; a indústria automobilística; a indústria de construção naval; a Belém-Brasília, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Mais do que isso, trata-se de um homem que soube despertar o otimismo e o entusiasmo desta Nação; com espírito democrático, homem tolerante, que nunca cometeu uma violência, nem sequer verbal, contra seus adversários. Por tudo isso Juscelino Kubitschek merece o memorial que tem aqui na Capital e os elogios que recebe da imprensa.
No entanto, no balanço do seu governo, entre fatos positivos e negativos, não sei se o seu governo mereceria aprovação.
Na verdade, Sr. Presidente, foi no Governo Juscelino Kubitschek que se acelerou, que se agravou o processo inflacionário neste País. O preço do desenvolvimento às caneladas foi muito alto. Ele recebeu o governo com 15% de inflação, passou ao seu sucessor, Jânio Quadros, com mais de 30% ao ano, e com as finanças públicas em pandarecos. O curto interregno de Jânio Quadros foi um esforço tremendo para conseguir a estabilidade, que Jânio não conseguiu devido ao período curtíssimo que passou no governo.
As contas externas, no País, foram extremamente desequilibradas. As exportações estagnaram. Leciono História Econômica na Universidade do Amazonas, não quis trazer os números, mas basta comparar o início e o fim do Governo Kubitschek para constatar que as exportações absolutamente não avançaram um passo sequer em dólar de valor real da moeda americana, as exportações caíram.
Quais foram as realizações daquele governo nas áreas que deveriam ser prioritárias de educação, saúde pública? Nenhuma.
A agricultura, em contraposição à indústria, foi uma grande desprezada naquele governo.
Finalmente, Brasília. Sr. Presidente, que me desculpem os Representantes do Distrito Federal nesta Casa, que me desculpem 99% dos brasileiros, mas vou discordar. Brasília é questionável, sim. Se fizermos uma análise custo-benefício, não sei se a construção de Brasília seria aprovada.
A que preço, Sr. Presidente?
As reservas técnicas da Previdência Social - ninguém salienta isso - foram destroçadas. Os institutos de Previdência todos tinham reservas para se capitalizarem, para assegurar o pagamento do benefício, e foram quase todas consumidas na construção de Brasília, sem retorno para a Previdência.
As emissões de papel-moeda iniciaram um processo inflacionário agudo que viveu este País.
Em termos de benefícios, Sr. Presidente, fala-se que Brasília interiorizou o desenvolvimento. Será? Foi a presença de Brasília realmente que trouxe algum desenvolvimento ao Centro-Oeste e ao Norte? Qual seria a diferença entre a rodovia Belém-Brasília e Belém-Belo Horizonte-Rio de Janeiro, ou Cuiabá-Brasília e Cuiabá-Belo Horizonte-Rio de Janeiro? O efeito teria sido absolutamente o mesmo.
Não vejo como - e isso precisa me ser demonstrado; por favor, me demonstrem; perdoem a minha incompreensão, a minha cegueira, mas, até hoje, ninguém me mostrou isso - Brasília trouxe desenvolvimento para o interior do Brasil, a cidade de Brasília em si, tendo-se pago um altíssimo preço por essa construção.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, perguntaria, se fosse possível visualizar, o que seria o Brasil hoje se o Governo Juscelino Kubitschek, tendo promovido todas aquelas obras que promoveu, mediante incentivos e subsídios, obras de infra-estrutura e implantação de indústrias estratégicas neste País, tivesse investido também em educação, em saúde, tivesse estimulado as exportações, tivesse mantido uma política de austeridade fiscal que mantivesse o País com uma inflação baixa, e não tivesse construído Brasília. Pergunto-me se a situação do nosso País não seria muito melhor do que é hoje. Não sei, jamais saberemos. É uma pergunta que deixo no ar.
Sr. Presidente, aproveito o aniversário, sem denegrir em nada a imagem do ex-Presidente - já exaltei aqueles aspectos, no meu entender, positivos do seu Governo. Tenho o maior respeito pela sua figura, pela sua pessoa como grande ser humano que foi Juscelino Kubitschek -, mas, quanto ao seu Governo, repito, esse ainda precisa passar por um crivo mais severo. E se esse crivo for aplicado, não sei se o balanço final será favorável.
O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo um aparte ao Representante de Brasília, Senador Lauro Campos.
O Sr. Lauro Campos - Eminente Senador Jefferson Péres, as preocupações que V. Exª traz ao Senado, hoje, eu as tive ao longo de muito tempo, como morador de Brasília, candango ou "piotário" - sou daqueles que vieram para cá no início, em 1960, e que ficaram pobres, somos os "piotários". Os outros enriqueceram e se deram bem.
O SR. JEFFERSON PÉRES - "Piotários"?
O Sr. Lauro Campos - "Piotários", pioneiros otários. Então, muitas dessas preocupações eu as tive. Inclusive já tive a oportunidade de tentar alinhavar a minha visão do processo de criação de Brasília. Parece-me que nós, e V. Exª como professor de História sabe disso, não podemos fazer uma análise histórica a respeito de hipóteses diferentes daquelas que, na realidade, o processo histórico já revelou. O que seria dos Estados Unidos sem Jefferson? Então, essa história hipotética realmente esclarece pouco, do meu ponto de vista, porque as figuras individuais contam muito pouco no processo histórico. Essa é a minha interpretação. Somos criados nesse positivismo, nesse individualismo, nesse narcisismo, nessa supervalorização do eu, como se o eu individual e solitário fizesse a História. Quando, na realidade, Juscelino foi também um produto de seu tempo, de sua época e de suas condições. Acho que Brasília é uma cidade rodoviária. É uma cidade que tem a grande estrada de 16Km, que é o Eixo Sul e o Norte, e as estradas vicinais. Le Corbusier, que é o grande inspirador desta cidade, dizia que era preciso acabar com as cidades, liquidá-las, porque elas eram perigosas. Então, era preciso transformar as cidades em estradas e retirar os sindicatos, as universidades, deixando apenas uma urbs sem pólis. Numa cidade política como Brasília, isso é uma contradição. Felizmente o povo transformou aquela urbs deserta, sem esquinas, sem vida, sem atividade cultural, numa cidade bastante humana e efervescente. Juscelino ajudou a trazer, mas não foi ele quem trouxe, os Estados Unidos é que transplantaram a indústria de automóvel para o Brasil, Argentina, México e Coréia do Sul naquela ocasião. Então não foi um ato de atração mágica que trouxe a indústria automobilística para o Brasil. Uma vez transplantada a indústria automobilística, no Governo Juscelino Kubitschek, ele tinha que abrir estradas e criar uma cidade rodoviária. Nesse sentido, não saíram da cabeça de Juscelino esse processo e esse caminho da transformação do Brasil. Ele pretendia voltar e já fazer a sua propaganda de "Juscelino-65". E, a partir daí, tendo percebido que o processo que ajudou a alavancar tinha encontrado o seu termo, ele agora nos anunciava com a agricultura, com a criação de seis cidades na Amazônia, deixando as dez prioridades do Plano de Metas e a prioridade cêntrica, síntese, que era Brasília. Ele já passava para um outro setor, que era o que tinha ficado esquecido no seu Programa de Metas - um deles - que era o setor agrícola, que ele pretendia ou prometia agora priorizar. Era apenas isto que eu gostaria de dizer. Acho que as preocupações de V. Exª são sérias, competindo realmente aos historiadores e estudiosos fazerem um julgamento mais isento do processo em que vivemos. Muito obrigado.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, nobre Senador Lauro Campos. Concordo com V. Exª que nós tendemos a magnificar o papel do indivíduo na História, e, às vezes, nem é tão importante assim.
Por exemplo, creio, como V. Exª, que o processo de industrialização do Brasil era inevitável. Com ou sem Juscelino Kubitschek este País teria se industrializado, o processo de industrialização seria intensificado, até porque, veja Senador Lauro Campos, não por acaso, na mesma época, final dos anos 50, as indústrias automobilísticas se instalaram na Argentina e no México, porque eram países mais ou menos com as mesmas condições do Brasil para a implantação daquela indústria.
Mas quanto a Brasília, esta não, Senador, foi uma decisão pessoal de Juscelino. A transferência da capital para o planalto Central era prevista desde o Império, figurava em todas as Constituições do País e nunca se cogitou seriamente disso. Sem Juscelino Kubitschek, tenho certeza que aquele dispositivo constitucional não teria sido cumprido, e nós hoje provavelmente não teríamos construído Brasília. E, com todo o custo de Brasília, repito, não sei qual seria a face do Brasil de hoje.
Sr. Presidente, encerro esta manifestação dizendo que não quero absolutamente desmerecer a memória do ex-Presidente, mas entendo que tudo na História deve ser apreciado não com discurso apologético, mas sem perdermos o senso crítico.
Muito obrigado.