Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA COMISSÃO DE ETICA FORMADA PELOS GRANDES JORNAIS E JORNALISTAS A FIM DE REGULARIZAR E MANTER O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA. DEFESA DA IMPRENSA LIVRE.

Autor
Bernardo Cabral (S/PARTIDO - Sem Partido/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • NECESSIDADE DE UMA COMISSÃO DE ETICA FORMADA PELOS GRANDES JORNAIS E JORNALISTAS A FIM DE REGULARIZAR E MANTER O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA. DEFESA DA IMPRENSA LIVRE.
Aparteantes
Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 02/02/1996 - Página 1195
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, NOTICIARIO, FALTA, APURAÇÃO, FONTE.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RELAÇÃO, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, COMISSÃO DE ETICA.
  • IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, COMISSÃO DE ETICA, IMPRENSA.

O SR. BERNARDO CABRAL ( - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo hoje trazer à reflexão de V. Exªs um assunto que diz respeito sobretudo ao homem público.

Vez por outra se toca no problema que a imprensa traz no registro sobre determinada autoridade ou em função de um acontecimento.

Ainda recentemente, eu tratava com o Senador Artur da Távola dessa matéria. Ele, homem de imprensa, homem que, ao longo da sua vida, batalhou nela, revivia comigo o episódio de ambos termos sido cassados - ele quando Deputado Estadual e eu quando Deputado Federal - e a forma pela qual a imprensa, na época dos atos institucionais, funcionava.

E lembrávamos as primeiras páginas de alguns jornais, que ora publicavam poemas, ora vinham em branco. Era a forma do protesto contra os censores nas redações dos jornais.

Dizia ele que, atualmente, notava, na sua experiência - e também eu, que fui fundador do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da minha terra -, que há três circunstâncias dentro das publicações: o indício, o sintoma e o fato.

E Artur da Távola dizia que, às vezes, se toma o indício como sintoma, e depois este como fato. E, a partir daí, a imprensa, tantas vezes, aceita a maldade de uma fonte que não merece crédito e a transforma numa realidade, numa matéria pronta e acabada, a que dificilmente as retificações porão cobro.

E nem a propósito o Senador Pedro Simon, hoje à tarde, veio à tribuna para, numa explicação quase pessoal, dizer à Casa que o que foi noticiado nos jornais padece de credibilidade. S. Exª se referia ao problema do Banco Meridional, que foi estatizado em 1985, depois da falência do Sul-Brasileiro, e se reportou a uma conversa da Bancada do Rio Grande do Sul com o Presidente da República.

E o que dizem os jornais?

Dizem que a Bancada gaúcha, que é contra a privatização, entregou ao Senador Pedro Simon a tarefa de defender essa posição. E que o Presidente Fernando Henrique não se impressionou com os argumentos de que o Banco havia sido enxugado e dado lucro. Informou que a privatização era uma decisão do Governo.

E aí vem a queixa, a reclamação do Senador Pedro Simon:

      "Diante disto, o Senador Pedro Simon contestou: ´Fernando, não te julgues dono da verdade, você não é Deus. Se o Meridional for privatizado, vai ser uma guerra e você vai se arrepender.`

Continua a notícia:

      "O Presidente não esperou para dar o troco: ´Não me julgo Deus e não vou me arrepender. Já não me arrependi de muitas coisas antes. Você era contra o Real e o resultado está aí: o povo está comendo. Eu não me arrependi e você errou.`

      Simon voltou à carga e defendeu que pelo menos a privatização fosse adiada e, mais uma vez, Fernando Henrique foi firme:

      ´Ninguém vai me enrolar. Não sou homem de ser enrolado. Quando eu era Ministro da Fazenda vocês já vieram com esta conversa de adiar por dois anos. O Meridional vai ser privatizado.`

      Pedro Simon contesta essa notícia. Pede ao Presidente da República que a esclareça."

Ora, o que é que isto revela? É claro que a fonte que passou isto à imprensa - porque o repórter não participou da reunião que lá havia - ou é uma fonte palaciana que deseja intrigar um Parlamentar com o Presidente da República, ou é uma fonte outra que tem interesse em denegrir a imagem dos dois. Há dias, o cronista Luís Nassif, da Folha de S. Paulo, publicou uma matéria com este título: "Como se empina um balão". Ele se refere a uma Procuradora - cujo nome vou omitir -, especialista em cidadania e que, durante 11 anos, exerceu essa função em São Paulo. Por isso, veio para Brasília trabalhar no ministério e exercer a mencionada função.

Vejam o que analisa o cronista:

      "No primeiro ano, só teve trabalho, já que a secretaria nem existia na época em que foi votado o Orçamento em 1995. No segundo ano, haveria trabalho e verbas - disponíveis principalmente para promoção da cidadania no Nordeste.

      E aí a procuradora pôde entender, "mas não completamente", o jogo que cerca o poder e que envolve, muitas vezes, jornalistas e fontes.

      Rigorosa no seus procedimentos funcionais, a procuradora se viu alvo de uma batalha de balões de ensaio. A intenção era simples: afastá-la, abrindo lugar para pessoas próximas aos autores da manobra.

      O primeiro petardo contra a procuradora saiu em uma coluna social do Rio, useira e vezeira em empinar balões."

E continua o cronista com outros comentários:

      "A procuradora, que trabalha mais de 10 horas por dia, que se especializou em cidadania e não abria espaço para politicagem em sua agenda, que deixara a família em São Paulo para poder dedicar-se a um trabalho público, perdeu a paciência."

E diz mais:

      "Sentindo que Brasília não é o melhor lugar para quem está disposta a trabalhar desinteressadamente pelo bem público, a secretária pediu demissão."

E, ao fazê-lo, avisou à imprensa, àqueles repórteres, que passaram o tempo, segundo Luís Nassif, empinando balões. Pediu-lhes que lessem atentamente o Diário Oficial do dia seguinte, para saber que estava pedindo a sua demissão, ou seja, que seria exonerada a seu pedido.

Continua o cronista:

      "Não foi perdoada nem na hora da morte. A nota do jornal informava a sua demissão, obviamente devido aos relevantes serviços públicos prestados pelos jornalistas ao País ao denunciar as viagens que a secretária fazia a serviço."

E conclui o jornalista:

      "E tudo continuou como antes no Planalto Central. A não ser algumas ações abertas pela ex-secretária contra esses jornalistas, por crime de calúnia, injúria e difamação.

      Episódios como esse reforçam a necessidade de uma Comissão de Ética, indicada pelas empresas jornalísticas, para regular desvios de imprensa."

Eis aí o ponto nevrálgico que merece análise.

Algumas pessoas cultivam a imprensa no sentido de obter notas, ora pela simpatia, ora pelo relacionamento, para que o seu nome fique focalizado. No instante em que surge uma crítica, aquele que não está aberto e que nem sabe como recebê-la começa a se rebelar, como se o trabalho da imprensa fosse apenas o de elogiar e censurar.

Ora, essa Comissão de Ética recomendada pelo jornalista Nassif há de se deter em alguns pontos principais. Primeiro, aquela fonte que informa e que não é fidedigna, que põe o autor da matéria tantas vezes numa situação contraditória, deveria ser devidamente podada da imprensa. Mas se o é, por aquele que recebe a informação, ele passa a procurar um outro. Isso é nítido de quem não tem a formação moral à altura, ao nível do exercício de saber o que é uma liberdade de imprensa.

Falo muito à vontade. Talvez ninguém neste País tenha sido tão criticado - às vezes maliciosamente, às vezes injustamente. Ou, se não criticada, pelo menos tive a minha vida privada invadida. Pois quero lhes dizer, Srs. Senadores, que, apesar de tudo isso, apesar - segundo o que considero - de todas as incorreções que foram publicadas, dos eventuais equívocos cometidos, ainda que o noticiário possa ter sido contra a minha pessoa, quero lhes dizer que prefiro uma imprensa inteiramente livre do que amordaçada por qualquer tipo de ditadura.

No instante em que os fatos não afloram, que a sociedade dele não toma conhecimento e que não pode fazer o seu julgamento pessoal, estaremos vivendo, sem dúvida nenhuma, num estado abúlico, apático, em que só vale a ditadura daqueles que querem ver o elogio fácil.

O Sr. Jefferson Péres - V. Exª me permite um aparte, Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muito prazer.

O Sr. Jefferson Péres - Desculpe-me interrompê-lo, mas infelizmente, para um plenário semivazio, V. Exª aborda um assunto da maior relevância. Comungo inteiramente com o que V. Exª disse, Senador Bernardo Cabral. Em boa hora, a nossa Constituição, a exemplo da americana, consagrou o princípio da liberdade de imprensa como um dos direitos realmente invioláveis, porque uma imprensa livre, com todos os seus erros, não tem preço. Mas, realmente, Senador Bernardo Cabral, é de se lamentar a pouca seriedade com que muitos jornalistas às vezes se comportam. Há poucos dias, eu mesmo fui vítima de um fato como esse, a respeito daquele episódio ocorrido na comissão conjunta que analisa o Sivam. Uma jornalista, de uma grande revista de circulação nacional, ouviu-me sobre o episódio. Narrei-lhe os fatos rigorosamente como se passaram, com a mais cristalina verdade; invoquei o testemunho de outros Senadores insuspeitos. No entanto, a jornalista ignorou tudo o que eu disse e simplesmente publicou, encimando a notícia o título: "Senadores montam armadilha contra Brigadeiro". E passou para a opinião pública a impressão de que eu teria participado de um conluio, algo absolutamente inverídico. Apesar disso, é melhor uma imprensa que, às vezes, distorça os fatos dessa maneira do que uma imprensa castrada e censurada.

O SR. BERNARDO CABRAL - Agradeço o aparte de V. Exª. Apenas quero dizer que V. Exª teria uma surpresa se estivesse aqui em cima: estou vendo mais de um terço dos Srs. Senadores em plenário. Contei, agora mesmo, 27, o que é uma alegria. Já dá pelo menos para que não se faça o juízo de que após a Ordem do Dia o plenário se esvazia. Talvez, quem sabe, tenha sido a forma encontrada para que os demais Srs. Senadores pudessem ouvir, Senador Jefferson Péres, a retificação que V. Exª acaba de fazer. Os colegas, no convívio, é que podem aferir da postura de cada um.

De modo que a reclamação de V. Exª se junta a tantas das quais já fomos vítimas pela vida afora.

Essa é uma matéria que requer alta, eu diria altíssima reflexão, porque o parlamentar, sobretudo o parlamentar brasileiro, está sempre exposto numa vitrina, a receber as pedradas por uma incorreção qualquer que venha a cometer. E é esquecido, seu passado inteiro, sua biografia construída ao longo de mais de 40 anos. Vejo alguns companheiros neste Senado, que compuseram sua autobiografia sem afastar-se um instante do lado da dignidade, pobres no exercício do seu mandato, e que de uma hora para outra foram arrastados no turbilhão da injúria, da difamação, da calúnia, até porque isso interessa àqueles que são opositores sobretudo no seu Estado natal. As bases regionais catapultam para o ângulo nacional visões que acabam voltando a uma espécie de ricochete para tirar a tranqüilidade daquele que caminha pela vida pública.

O que é bom, o que vale é que, quando o homem público é testado, quando ele vem com todas as suas passadas pela vida afora e recebe essa ou aquela crítica, não importa se justa ou injusta, ele, ao cabo de submeter o seu nome ao seu Estado, à sua população, ao eleitorado, vê-se consagrado em uma vitória. Isso o redime, ou o absolve, ou será a retificação de tudo o que lhe foi feito de forma maldosa.

Vejo, na Presidência da Casa, o Senador José Sarney. Tenho acompanhado o quanto S. Exª também foi vítima. Vejo outros no plenário, mas sintetizo na pessoa de S. Exª, porque não quero tirar a "altaneidade" de que dispõe a Presidência - não que S. Exª olhe com soberano desprezo para o Plenário, mas para mostrar que inclusive quem foi Presidente da República e hoje exercita a Presidência do Senado também não está imune àquela maldade ou perversidade que se possa cometer contra o homem público.

Trago essa reflexão, porque quero cumprimentar, sem conhecê-lo, sem com S. Sª ter convivido, sem lhe dever nenhum favor e tampouco S. Sª a mim, a maneira pela qual o jornalista Luís Nassif abordou o tema. Esse tema precisa merecer reflexão, análise, julgamento do Senado Federal.

A população brasileira reclama de uma lei de imprensa que esteja à altura dos dias atuais, esquecida essa população daquela legislação do passado fruto de uma ditadura militar.

A reflexão do Legislativo se impõe, porque está na hora de se mostrar que a imprensa não pode ser balcão onde se negocia esse ou aquele favor. Eu, por exemplo, não acredito em favores que se vendem, nem em benefícios que se possam comprar.

O eminente Senador - e pronuncio seu nome com a admiração de sempre -, meu velho e querido amigo José Fogaça, que me deu a honra de ser meu Relator-Adjunto na Assembléia Nacional Constituinte, foi o Relator dessa chamada nova Lei de Imprensa e recebeu críticas, advertências porque estaria fazendo concessões. Isso vale, mais uma vez, para demonstrar que, se não for possível apontar caminhos, indicar soluções no sentido de que se tenha uma forma de se pôr um cobro paradeiro na maneira pela qual se levam para a imprensa notícias mentirosas. E a melhor forma de fazê-lo, na minha avaliação, no meu julgamento, é apenação na algibeira do bolso. Não adianta pensar-se em forma de queixa-crime no âmbito penal, quando o ideal deve ser aquele caminho da indenização pelo mal causado.

Eram essas as reflexões que eu queria trazer à consideração dos meus eminentes Pares. Digo-lhes mais uma vez: se não tivermos uma imprensa livre, ela, que hoje nos pode atacar, amanhã não terá como nos defender.

De modo que minha posição é essa. E, ao declará-la, agradeço aos eminentes Senadores a atenção dispensada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/02/1996 - Página 1195