Pronunciamento de Pedro Simon em 07/02/1996
Discurso no Senado Federal
HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-SENADOR NELSON CARNEIRO.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-SENADOR NELSON CARNEIRO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/02/1996 - Página 1407
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM POSTUMA, NELSON CARNEIRO, EX SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não poderia deixar de trazer aqui a minha palavra de carinho, de afeto, de amizade à figura de Nelson Carneiro.
À margem da figura do homem, era profunda a ligação pessoal que eu tinha com Nelson Carneiro. Nós, lá do Rio Grande do Sul, nas horas mais difíceis, nas horas mais amargas, nos identificávamos com alguns nomes do Partido em nível nacional: Dr. Tancredo, Nelson Carneiro, Dr. Ulysses Guimarães.
É com pesar que vemos uma geração que cumpriu a sua tarefa nos deixar: Tancredo, Ulysses, Teotônio, Nelson Carneiro. Essa foi uma geração que dignificou, abrilhantou e honrou este Congresso Nacional. Se analisarmos, veremos que foi uma geração que teve desempenho numa longa etapa da vida política brasileira e que serve de exemplo e de biografia a ser seguida por todos nós. De todos eles, o que teve a luta mais antiga, mais fecunda e mais profunda foi Nelson Carneiro.
Ele contava várias vezes um episódio de quando era jovem, jornalista: a campanha pela Constituinte de 1934. Ele, jovem político, na campanha em que Armando Salles e José Américo competiam para uma eleição que não houve em 1937. Ele contava que estava no Palácio Piratini, no Rio Grande do Sul, com o candidato de oposição, Armando Salles, quando alguém da comitiva entrou naquele palácio, eufórico, para dizer: - "Já ganhamos! José Américo renunciou!" E Mangabeira, presente, virava-se para Armando Salles dizendo: - "Devemos voltar logo para o Rio, porque se José Américo, candidato oficial do Governo, saiu, é porque algo de grave está acontecendo, provavelmente, essa eleição não sai - como não saiu. Nunca esqueço como S. Exª lembrou esse episódio nesta Casa.
Sr. Presidente, nessas questões da vida, tenho muito medo quando se faz a mídia de um lado e de outro. Naquela eleição, quando V. Exª e Tancredo Neves disputaram com o Sr. Paulo Maluf, com todo carinho, com toda amizade que tive e tenho pelo nome e pela memória do Dr. Tancredo, na verdade, a mídia colocou o Dr. Tancredo como Deus e o Dr. Maluf como o diabo. Eu, que participei daquela caminhada, que coordenei dentro do meu Partido aquela luta, hoje, muitas vezes venho dizendo que faço o meu mea culpa. Não penso que o Sr. Maluf era o diabo. Era uma pessoa de quem podíamos discordar, divergir, mas era um político e empresário cuja fortuna é conhecida, pois veio do seu pai, e há muito tempo possui a sua empresa. Dele se pode divergir, mas se deve respeitá-lo. Isto que estou dizendo agora, que é fácil de dizer, Dr. Nelson Carneiro disse daqui, da tribuna, quando havia uma guerra de desmoralização contra o Sr. Maluf, o que o estava levando a renunciar a sua candidatura, e chamava a atenção dos colegas: "Sou amigo e sou irmão de Tancredo, vou votar no Tancredo, mas quero salientar dois fatos: primeiro, a minha gratidão pelo Sr. Paulo Maluf, porque me ajudou no meu momento mais dramático, e devo-lhe a minha vida."
Nunca me esqueço disso. Em meio ao Carnaval, por coincidência, estava eu no gabinete do Dr. Ulysses Guimarães, na sua casa, em São Paulo, quando a filha e a esposa de Nelson Carneiro telefonaram desesperadas, dizendo que os médicos diziam que não havia mais solução, que tinham dado como definitiva a morte de S. Exª, mas que elas não acreditavam e perguntavam ao Dr. Ulysses o que poderia ser feito, porque em São Paulo deveria haver melhores prognósticos, melhores possibilidades do que no Rio de Janeiro.
Dr. Ulysses, eu e Dª Mora ficamos apavorados, sem saber o que fazer, até que alguém teve a idéia de telefonar para o Governador, Paulo Maluf, o qual, na mesma hora, disse para não nos preocuparmos. Mandou um avião ao Rio de Janeiro, que trouxe Dr. Nelson Carneiro. S. Exª estava esperando-o no aeroporto, levou-o para o hospital e, durante dois meses, ele e a esposa, permanentemente, visitavam Nelson Carneiro, que ficou totalmente recuperado.
Nelson Carneiro contou essa história desta tribuna, dizendo: "Sou eternamente grato ao Sr. Paulo Maluf, mas vou votar em Tancredo Neves, porque voto não é gratidão, voto é uma questão de consciência; o Brasil está numa época de transição, e Tancredo Neves representa isso. Mas quero chamar a atenção de V. Exªs para o fato de que estão cometendo um grave equívoco, porque essa campanha de difamação do Sr. Maluf, que já está derrotado, deveria ser substituída por uma campanha de consolidação da candidatura do Sr. Maluf, mostrando que perder não é vergonha. Porque, ele renunciando, não sei se, como em 37, atrás dele não vai a candidatura do Dr. Tancredo."
Aprendi a respeitar esse homem, que era uma linha reta na sua maneira de ser. Poderá se dizer que mudou de Partido. Perdoem-me a sinceridade, mas eu, que nunca mudei de Partido -porque só saí dos Partidos que foram dissolvidos e fui para um Partido que foi a continuação do que saiu -, respeito, muitas vezes, pessoas que são obrigadas a mudar de Partido para manter a sua identidade. Nelson Carneiro manteve, permanentemente, a sua identidade.
Sr. Presidente, digo, com certa emoção: Tancredo, Teotônio, Ulysses, Nelson - se olharmos esses nomes que simbolizam uma geração que passou por este Congresso, vamos verificar que era uma geração de homens públicos. Podiam ter errado, podiam divergir, podiam ter as idéias mais diferentes, mas era uma geração de políticos com "P" maiúsculo. Era uma geração de vocacionados para a vida pública, que a ela se dedicavam.
Desses todos, o mais simples, o mais singelo, o mais sacerdote, era, indiscutivelmente, Nelson Carneiro; o mais despreocupado consigo, pessoalmente, e preocupado com o social. A preocupação dele com o social, com a mulher, com as crianças, com os menores, com a família e com a sua organização era permanente. Ele tinha coragem de enfrentar as situações.
Agora, parece até piada lembrarmos que houve uma época, no Brasil, em que falar sobre divórcio era palavrão, provocava a excomunhão e a ida para o inferno; houve uma época, neste Brasil, em que se falar sobre concubina era uma coisa absurda, absolutamente incompreensível e irracional; houve uma época, no Brasil, em que se falar sobre adoção e que o filho adulterino tinha direitos, porque era gente, tinha alma, sentimentos e personalidade, era algo de ridículo neste País.
As suas leis foram voltadas para isso, para a organização da sociedade, do lar, independentemente de ter a bênção de Deus ou a bênção da sociedade, desde que fosse formado por duas pessoas que se amassem, que vivessem e que se constituíssem como tal.
Nelson lutou todos os dias. Era emocionante. Digo, com toda sinceridade, que desde o início era emocionante - a dedicação, o carinho, a vontade com que S. Exª apresentava novos projetos de lei! O Nelson falava como se fosse durar a vida inteira!
Hoje, falo com muita mágoa, porque, quando lhe prestei uma homenagem, desta tribuna, nunca imaginava que S. Exª não seria reeleito, que o Rio de Janeiro não lhe daria o voto para voltar a esta Casa - ele tinha esse direito! Nunca sonhei, nunca me passou pela cabeça que o Rio, que consagrou Nelson tantas e tantas vezes, não lhe desse o voto.
Eu disse, desta tribuna: não sei se estarei aqui no ano 2000. Tenho certeza de que Nelson estará e, se eu não estiver, peço a ele que me represente, porque ele significa e significará, nessa mudança de século, exatamente o conceito entre o velho e o novo, entre uma sociedade que era e a sociedade que vai ser, a nova família da organização social brasileira.
S. Exª tinha enorme dedicação e disposição para o trabalho! Falava como se não fosse morrer! Os projetos que apresentava, as causas que defendia, a dedicação que tinha era a dedicação de um homem como deve ser! Dizia S. Exª: "Vivo como se fosse viver eternamente. Luto, pratico a minha ação, como se fosse morrer amanhã, mas executo as minhas missões, busco o trabalho, como se fosse indefinidamente permanecer".
Nelson era isso. Era um homem que viveu, que lutou, que se dedicou, que tinha a humildade de ir de gabinete em gabinete, já praticamente no seu final, arrastando os pés, colhendo as assinaturas para as emendas que entendia importantes.
Era emocionante; S. Exª tinha uma central de correspondência; mandava as suas cartinhas e uma espécie de boletim de suas atividades para milhares de pessoas, principalmente na Bahia, sua terra, a qual sempre dedicou tanto carinho, e no Rio de Janeiro. S. Exª recebia uma infinidade de sugestões. Eu poderia dizer que o Nelson foi o ouvidor da sua gente. Por ter sido eleito, não pensava ser o tal: "Eu sou Senador da República. Eu vou fazer pelo povo, e o povo que fique esperando". Não. Eu lia os seus boletins onde ele pedia sugestões, orientação, que o povo lhe mandasse idéias, porque ele gostaria de levá-las adiante. Inclusive, havia pessoas que se dedicavam a fazer estudos e a mandarem para Nelson Carneiro, e a tudo ele respondia com carinho, com afeto e com respeito.
Vejam V. Exªs, como foi dito aqui, Agapito Durão, personagem que ele criou na sua fantasia, volta e meia, ele apresentava para, no traço da ironia, dizer aquilo que ele colocava em sua boca. O Agapito me ensinou muito, Sr. Presidente, porque ele, Nelson, era o digno e era o sério, mas o Agapito era quem mostrava o outro lado. Quando começaram a fazer as privatizações, o Agapito lhe chamou atenção e ele leu a sua carta. "Eu e Nelson Carneiro precisamos de mais seis Senadores para fazermos uma sociedade e ficarmos milionários. Porque nas privatizações que estão sendo feitas - aquela primeira de Minas Gerais - de acordo com o que está ali, bastam sete pessoas se reunirem, se organizarem na forma de capital, ganharem, pegarem o dinheiro e passarem adiante". É claro que esse era o Nelson debochando, não era o Nelson de coração.
Nelson Carneiro tinha paixão por viajar. Falou-se muito bem aqui que ele era um cidadão do mundo e não viajava para passear. Hoje, pela manhã, Ronan Tito contava que participou com S. Exª do Parlamento Latino-Americano e, quando entrou, Nelson Carneiro foi aplaudido de pé. Ronan Tito não conseguiu entender por que S. Exª era aplaudido de pé por aquela multidão de Parlamentares de toda a América, de Portugal e Espanha. E eles lhe explicaram que Nelson Carneiro era um dos responsáveis pela existência do Parlamento. Foi um dos lutadores, desde a primeira hora, para que esse Parlamento tivesse existência, foi o nosso presidente e era praticamente um presidente permanente.
Então, se formos analisar as grandes causas, nelas iremos encontrar Nelson Carneiro. Que amor ele tinha pela sua Bahia! Quando não se elegeu Senador, fez questão de ir ao Senador Josaphat Marinho e dizer-lhe que gostaria de prestar uma homenagem a S. Exª e à Bahia: passar-lhe o seu gabinete, se o Senador aceitasse. O Senador Josaphat Marinho, emocionado, contou-nos esse episódio e recebeu o gabinete.
O Senador Nelson Carneiro era muito respeitado no Rio de Janeiro. Andei muitas vezes com ele naquela cidade. Era impressionante a identificação e o carinho que as pessoas tinham por ele.
Mas, olha, Sr. Presidente, desta vez, Deus foi injusto! Perdoem-me! Devemos aceitar os desígnios de Deus, pois Ele sabe o que faz. E claro que sei disso, por amor de Deus! Nós todos devemos saber os desígnios que nos conduzem pelo imprevisível, mas digo que foi uma pena, porque que lição de vida, que lição de beleza o Senador Nelson Carneiro daria ao Brasil na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro! Em primeiro lugar, que votação espetacular ele teria e que exemplo daria com os seus 86 anos - que completaria no próximo ano - na Câmara de Vereadores, com a mesma garra, com a mesma competência de sempre. Quando ele falava conosco, nos contava que já estava preparando os projetos, porque o Rio precisava, a começar pela violência, a continuar pelos menores atirados, abandonados, esquecidos e indo adiante tendo coragem de enfrentar os morros e aceitar aquele desafio. A última vez que conversamos, S. Exª apresentou uma plataforma de candidatos a vereador que eu chorei. Uma plataforma de candidatos como se Nelson Carneiro fosse durar 200 anos. Uma plataforma verdadeira, preocupada com o social, preocupada com os humildes.
Não vamos ver jamais nos milhares de discursos, nas centenas de leis de Nelson Carneiro nada que não tenha o cunho do social, do humano, da gente, do menor, da esposa, da família, da sociedade na sua organização, dos que estavam por baixo. Tenho dito muitas vezes que nós aqui, neste Senado e neste Congresso, temos de ter muito cuidado, porque, de certa forma, temos contato com a nossa classe. E nós somos o quê? Classe média alta ou até alguns - não digo isso com inveja, até com um pouco de mágoa, mas com respeito e não crítica - da classe alta e que são grandes proprietários.
Não são muitos aqueles que, quando vão a sua cidade - eu, por exemplo, quando vou a Porto Alegre não sou daqueles que vão nas vilas, nos bairros -, convivem com os mais humildes. Estes, geralmente, não conseguem vir aos nossos gabinetes. Pois Nelson Carneiro, com os seus 85 anos de idade, teve uma preocupação com essas pessoas e estava se preparando para ser vereador pelo Rio de Janeiro para poder olhar por essas pessoas.
O Rio de Janeiro teria uma bela lição se pedisse à D. Carmem ou a sua querida filha, D. Laura, os estudos que Nelson Carneiro estava fazendo para a sua plataforma como vereador.
Trago a minha palavra de carinho, a minha palavra de respeito. Mas a mim, Sr. Presidente, magoa-me ver que com a morte de Nelson, praticamente, essa geração de grandes lideranças políticas, de condutores, de pessoas que fizeram a história - e não foram apenas partícipes, pois eles conduziram e fizeram a história - deixa de existir. Nelson é esse nome. É esse vulto que morre.
Não tenho nenhuma dúvida, Sr. Presidente, que já ficamos menores com a não vinda para esta Casa de Nelson. Somos, ainda, menores com a não convivência, nesta terra, com o grande Nelson. (Muito bem!)