Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÕES QUANTO AO MODELO PREDATORIO E DE CONSEQUENCIAS DESASTROSAS DE OCUPAÇÃO DA AMAZONIA.

Autor
João França (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • PREOCUPAÇÕES QUANTO AO MODELO PREDATORIO E DE CONSEQUENCIAS DESASTROSAS DE OCUPAÇÃO DA AMAZONIA.
Publicação
Publicação no DSF de 09/02/1996 - Página 1588
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, MODELO, OCUPAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, REGIÃO AMAZONICA.
  • COMENTARIO, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), CARACTERIZAÇÃO, AREA, REGIÃO AMAZONICA.
  • COMENTARIO, ESTATISTICA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), RELAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, POPULAÇÃO, DOENÇA, ABASTECIMENTO DE AGUA, SANEAMENTO BASICO, RECURSOS FINANCEIROS, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. JOÃO FRANÇA (PMDB-RR.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a afirmação de Euclides da Cunha de que a Amazônia sempre teve o dom de impressionar a civilização distante continua verdadeira ainda em nossos dias. As características da Amazônia sempre suscitaram admiração. Essas características são marcadas, de certa forma, por significativa uniformidade no que diz respeito à vegetação, às condições climáticas, hidrografia, geomorfologia, natureza dos solos e ao ecossistema em geral, com sua imensa variedade de espécies tanto vegetais quanto animais.

Ao lado da impressão que provoca, no entanto, existem hoje inegáveis fatores de preocupação quanto ao modelo de ocupação ali implantado, um modelo predador e de conseqüências desastrosas. Para alguns cientistas, "o mais grave é que estamos diante do maior banco genético do que sobrou no planeta Terra e os danos em sua totalidade são praticamente irreversíveis".

A onda da garimpagem, hoje em decadência visível, deixou marcas profundas. O rio Madeira está contaminado pelo mercúrio e não tem mais ouro; em Serra Pelada, não há mais lugar para mão-de-obra de garimpeiros, o ouro ali ainda existente requer tecnologia sofisticada para sua extração; "o rio Tapajós, de águas claras e apontado como um dos mais belos do mundo, é um exemplo mais dramático do que o próprio Madeira".

O resultado do esgotamento do eldorado materializa-se atualmente não só nas terras revoltas, na floresta abatida, nas margens descaracterizadas dos igarapés e nos rios poluídos, mas também nas levas de ex-garimpeiros que perambulam pela Amazônia. Parte dessa gente está conseguindo emprego em novo e também preocupante filão, também em nível predatório -- a exploração da madeira de lei -- e parte vem-se alojando nas periferias das cidades e vilas da região. Por sua vez, essas cidades e vilas não possuem infra-estrutura de serviços para atender às populações, de modo especial no que se refere a saneamento básico: água tratada e destino dos esgotos.

A questão do saneamento básico na Amazônia apresenta características dramáticas, por sua inexistência e pelas especificidades da região em termos das condições econômicas da população e da facilidade com que se propagam as doenças de veiculação hídrica e de ambiência tropical.

Números divulgados em 1994, por meio do Catálogo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental -- CABES, dão conta de que 105 milhões de brasileiros -- setenta por cento da população -- estão excluídos dos serviços de saneamento básico. Em 1991, conforme dados do Anuário Estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -- IBGE, de 1994, 23 milhões, 846 mil e 914 residências estavam ligadas à rede geral de água tratada; 12 milhões, 110 mil e 215 à rede geral de esgotos; 5 milhões, 366 mil e 048 residências possuíam fossa séptica; 6 milhões, 262 mil e 678 tinham fossa rudimentar.

Diante desses dados, não é de estranhar que o Brasil se tenha tornado um laboratório de doenças. Dengue, cólera, leptospirose, malária, leishmaniose e todo tipo de verminoses constituem verdadeiros flagelos da população brasileira, de modo particular das populações mais afastadas e pobres, como é o caso dos habitantes da Amazônia.

De acordo com informações contidas no Diagnóstico Ambiental da Amazônia Legal, recentemente concluído pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -- IBGE, hoje existem nada menos do que treze amazônias diferentes na região, com situações políticas, sociais, econômicas e ambientais críticas.

A Amazônia Legal ocupa uma área correspondente a sessenta por cento do território nacional; ali vivem dezoito milhões de pessoas, setenta por cento das quais em cidades e vilas que não têm nenhuma infra-estrutura.

A partir dessa realidade, pode-se concluir que os projetos de desenvolvimento implantados na Amazônia tiveram baixíssimo impacto em referência à absorção de mão-de-obra e favoreceram o amontoamento populacional nas cidades. Em Manaus, por exemplo, os igarapés transformaram-se em canais sujos, de águas fétidas, por falta de rede de esgoto.

As conseqüências dessa situação são graves para a população. Segundo o Anuário Estatístico do IBGE de 1994, em maio de 1990, houve 927 mortes por malária no País; 556 ocorreram nos Estados do Norte. Em 1992/93, abrangendo os Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, foram detectadas 330 mil e 649 lâminas positivas de malária. Em 1990, nesses mesmos Estados, de 33 mil e 407 óbitos de residentes, 7 mil e 638 foram de crianças com menos de um ano de idade.

Manaus, em 1991, sempre segundo o Anuário Estatístico do IBGE, possuía vinte e sete favelas; Belém, vinte e sete também; e Macapá, quatro.

De acordo com o Catálogo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental -- CABES, o Brasil deveria investir um por cento do seu Produto Interno Bruto -- PIB -- isto é, quatro bilhões e quinhentos milhões de dólares -- por ano, em saneamento básico. Em 1993, gastou somente oitocentos milhões de dólares.

Em 1995, para abastecimento de água, saneamento básico, esgotamento sanitário e prédios administrativos de unidades de saúde, nos Estados de Roraima, Rondônia, Acre, Amazonas, Amapá e Pará, foram liberados apenas 4 milhões, 946 mil e 227 reais.

No mesmo ano, foram liberados 3 milhões, 434 mil e 712 reais para ações de saneamento, visando ao controle da malária nos Estados do Amazonas, Maranhão, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão do saneamento básico é grave em todo o País. Na Amazônia, assume características de calamidade pública, porque praticamente inexiste. Sem essa infra-estrutura básica, as populações continuarão expostas a todos os tipos de doenças, ao subdesenvolvimento físico e intelectual e à morte prematura, especialmente as crianças.

Urge que o País retome com seriedade e determinação a questão do saneamento básico, com particular atenção para a Amazônia. Fora de uma ação decisiva nesse setor, dentro de poucos anos, a Amazônia impressionará as civilizações distantes não mais somente por suas peculiaridades naturais e exóticas, mas também pelo abandono, pelas doenças e pela morte a que estão sujeitos seus habitantes.

Era o que tinha a dizer! 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/02/1996 - Página 1588