Discurso no Senado Federal

PROPOSTA DE CONTRATO DE TRABALHO PROVISORIO DA FORÇA SINDICAL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • PROPOSTA DE CONTRATO DE TRABALHO PROVISORIO DA FORÇA SINDICAL.
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/1996 - Página 1832
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA, SINDICATO, CONTRATO DE TRABALHO, CARATER PROVISORIO, MOTIVO, PREJUIZO, DIREITOS, TRABALHADOR, REGISTRO, CARTEIRA DE TRABALHO, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS).
  • CARACTERIZAÇÃO, TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST), INCONSTITUCIONALIDADE, CONTRATO DE TRABALHO, CARATER PROVISORIO.

A SRª BENEDITA DA SILVA(PT-RJ.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, filiado à Força Sindical, apresenta, hoje, uma proposta de contrato de trabalho provisório, que permite a flexibilização de algumas normas e benefícios trabalhistas. Esse acordo está dispensando o registro de carteira de trabalho, o recolhimento do FGTS junto à Caixa Econômica, o recolhimento das contribuições do salário educação, do Sebrae e do Incra, e a multa em casos de demissão. A contratação teria um período mínimo de três meses, podendo ser prorrogado por até dois anos.

Srs. parlamentares, antes de analisarmos as consequências, positivas ou negativas, de ordem social e econômica, é necessário atermo-nos à validade jurídica do acordo. O Tribunal Superior do Trabalho considerou a medida inconstitucional, porque os direitos trabalhistas, suprimidos no acordo para o contrato temporário, estão garantidos no texto da Constituição. E sendo inconstitucional, os rumores em torno de que seria encaminhada, ao Congresso Nacional, Medida Provisória regulamentando a matéria, são descabidos e inóquos. Todos sabemos que para modificar-se o texto da Constituição é necessário um projeto de Emenda Constitucional, e não uma simples Medida Provisória. Assim, se o acordo for atacado em juízo, facilmente cairá. Nas palavras do Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, os direitos dos trabalhadores são normas de ordem pública, prevalecendo contra a vontade das partes. Portanto, a menos que esta Casa aprove Emenda Constitucional modificando os direitos dos trabalhadores, o acordo não resistirá à primeira ação judicial.

Fora a questão de ordem legal, de suma relevância, desejo tecer algumas considerações a respeito desse acordo, que o governo está aplaudindo de pé. É verdade que o povo já não aguenta tanto desemprego. Que os índices nesse sentido são alarmantes. Que um ser humano sem trabalho é um ser humano sem liberdade, sem dignidade. Infelizmente, essa realidade é uma imensa chaga social no nosso País. É verdade que precisamos aumentar a produtividade e a competitividade na produção dos nossos bens e serviços. Os produtos são caros, comparativamente ao mercado internacional e, não raro, de pior qualidade. É bem verdade, também, que é legítima a preocupação do Estado com a geração de novos empregos, bem como são justas e democráticas as tentativas de negociações entre Sindicatos Patronais e de Trabalhadores. Todavia, há que se atentar para a euforia que se está criando com relação à idéia de que, ao suprimir-se direitos trabalhistas, estará se viabilizando a geração de empregos no Brasil. Tal teoria é temerária, primeiro, porque experiências desse tipo, em países como Argentina e Espanha, não foram bem sucedidas. Os índices de desemprego, naqueles países não declinaram em função de acordos de trabalho temporário.

Segundo, porque está se verificando uma inversão de valores, uma inversão de responsabilidades para com as realidades sociais e econômicas que enfrentamos. Essas inversões podem ser perigosas para o avanço do verdadeiro progresso e da democracia que pretendemos alcançar. A exemplo da situação dos funcionários públicos que - em detrimento de todos os desvios, desperdícios, desmandos e corrupções já comprovadas na Administração Pública - carregam o estigma de serem os responsáveis pelo déficit público, alguns defendem que os benefícios sociais, garantidos no texto Constitucional aos trabalhadores da iniciativa privada, estão a impedir a viabilização de uma política de emprego para o País.

Esses direitos garantem uma prosperidade mínima àquela parcela da população e sua supressão é o agravamento das diferenças econômicas e sociais entre trabalhadores e empregadores, representando menos qualidade nas relações entre as partes. Além do mais, não são os encargos sociais que mais pesam sobre a nossa produção mas, sim, a política de juros altos e a quantidade de impostos. É notório que o Brasil possui um dos sistemas tributários mais perversos do mundo e uma política de juros com taxas tão elevadas que, ao mesmo tempo em que atrai os especuladores internacionais, inviabilizam o crescimento econômico sem que o endividamento insuportável seja o pesadelo certo daqueles que "ousam ousar". Esta é a verdade! Se priorizássemos nosso trabalho na Reforma Tributária, se contássemos com uma política de juros que reconhece a necessidade de manter níveis de crescimento econômico e manutenção de empregos, é bem provável que estaríamos vislubrando o surgimento de verdadeiras frentes de trabalho na construção civil, no comércio, na indústria, no campo.

Paralelamente, criar jornadas flexíveis de trabalho para aumentar empregos é uma realidade em vários países do mundo. Incentivar a micro, pequena e média empresa, através de linhas de financiamento e créditos especiais, desonerando o setor do volume de impostos existentes, também. Incentivar a produção de alimentos e dar continuidade a uma reforma agrária consequente é garantir emprego para milhões de trabalhadores. Garantir o acesso à educação e ao estudo profissionalizante é, igualmente, necessário e fundamental na busca de uma política de geração de emprego e renda, no Brasil.

Por outro lado, os economistas estão prevendo que haverá uma perda na arrecadação de impostos, o que é ruim para a Nação, principalmente em tempos de déficit nas contas públicas. Em suma, um acordo temporário de trabalho, nesses moldes, é "quebra-galho", é "tapa o sol com a peneira", que poderá até mesmo trazer alguns benefícios temporários e ilusórios mas não resolve o desemprego estrutural que precisamos, de uma vez por todas, enfrentar!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago à tribuna da Casa um outro assunto, também da maior importância. Recebi em audiência, a ministra da Cultura de Angola, Srª Ana Maria de Oliveira, que veio ao Brasil em busca de apoio do governo brasileiro para o projeto "A Rota dos Escravos".

Este projeto está sendo elaborado pela Unesco (Fundo das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). O mesmo consiste em pesquisa científica, antropológica e de turismo cultural. O objetivo é estreitar laços em comum entre as nações africanas que saíram para o exterior.

Este projeto fará um estudo sobre a dispersão da população africana que se espalhou pelas três Américas.

Angola tem com o Brasil similaridades históricas - foi para cá que vieram a maioria de escravos africanos.

A escravidão deixou marcas cujas sequelas, longe de fazer de nós, negros, povos com ódio, nos fez compreender, humanamente, a maior violência cometida entre as relações raciais num momento de resgate histórico.

De onde vimos, o que somos, para onde iremos, parece identificar-se com a intenção desse projeto.

A República de Angola, localizada ao Sudoeste da África, e que tem a língua portuguesa como oficial, sem dúvida é dentre nós, nações africanas ou da diáspora, a que mais preservou as diversas línguas nacionais: Ovimbundu, Kimbundu, Bakongo como principais.

Em um comparativo visual, africanos angolanos não conseguiram no Brasil preservar a linguagem, assim como passá-las para a maioria de nós. Contudo podemos observar em nossa fala, que dependendo do Estado, há características semelhantes na diversidade linguística. Posso até afirmar que são raízes angolanas.

O governo de Angola e seus Ministros da Economia, da Saúde, da Educação, dos Transportes, das Comunicações, da Defesa e Representação Diplomática, ao visitarem o Brasil, deram demonstração do desejo de estreitar cada vez mais as relações comerciais com o nosso País.

De nossa parte, há também interesse. Já promovemos seminários, na Comissão de Relações Exteriores, buscamos entendimentos com a Embaixada de Angola e Países Africanos e propusemos estarmos juntos para fortalecer e respaldar as iniciativas do Executivo e Legislativo Brasileiro.

Este trabalho, de acordo com seus coordenadores, não tem por objetivo fomentar o espírito de revanchismo, mas tão somente buscar a verdade, que permitirá reescrever um período triste da história, especialmente a questão do tráfico negreiro, suas consequências sobre o processo de desenvolvimento do continente africano e de seus descendentes nos países da diáspora negra.

A visita cordial e política da Ministra da Cultura, Sra. Ana Maria, amplia, sem dúvida, a relação e compromisso que já tínhamos com Angola.

Independente de toda a história que unifica esses dois países, a cultura constituiu-se no laço mais estreito à preservação da nossa identidade. Valores étnicos e políticos, se consolidam. Portanto, refazer a rota dos escravos é nos solidarizarmos com Angola, este país irmão que, num esforço supremo, ressurge dos escombros da guerra e precisa de todo apoio internacional para que este povo retome com orgulho e cabeça erguida, o seu espaço.

Acompanhei, passo a passo, a luta de independência de Angola, desde 1960, ainda na minha juventude. Hoje, nesta tribuna, digo com certeza de que a cultura deste povo tornaram-os perseverantes, fizeram-os vitoriosos, tornaram-nos seus aliados.

Muito Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/1996 - Página 1832