Pronunciamento de Carlos Bezerra em 13/02/1996
Discurso no Senado Federal
CRITICAS A POLITICA SUICIDA DE REDUÇÃO DE TARIFAS ADUANEIRAS PARA OS PRODUTOS AGRICOLAS. A SECURITIZAÇÃO DAS DIVIDAS AGRICOLAS.
- Autor
- Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
- Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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AGRICULTURA.:
- CRITICAS A POLITICA SUICIDA DE REDUÇÃO DE TARIFAS ADUANEIRAS PARA OS PRODUTOS AGRICOLAS. A SECURITIZAÇÃO DAS DIVIDAS AGRICOLAS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/02/1996 - Página 1883
- Assunto
- Outros > AGRICULTURA.
- Indexação
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- CRITICA, POLITICA AGRICOLA, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, ALIQUOTA, TARIFA ADUANEIRA, IMPORTAÇÃO, ALIMENTOS, AUMENTO, JUROS, INCIDENCIA, DIVIDA, PRODUTOR RURAL.
- CRITICA, LIMITAÇÃO, SEGURO AGRARIO, PREJUIZO, PRODUTOR RURAL, ESTADO DE MATO GROSSO (MT).
O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dos fatores decisivos para o sucesso do Plano Real foi, com toda a certeza, a manutenção dos preços dos alimentos em níveis muito baixos -- às vezes, até mesmo baixos demais. Demasiadamente baixos, enfatizo-o, sem o receio de ser mal interpretado. Longe de mim a intenção de promover a fome: meu desejo é o de que todos os brasileiros tenham pleno acesso a nutrição adequada, em quantidade e qualidade, para que possam viver com saúde e trabalhar pelo desenvolvimento do País.
O problema, Sr. Presidente, é que esse preço baixo dos produtos agrícolas foi garantido por uma política suicida de redução de tarifas aduaneiras, o que tornou insuportável, para nosso agricultor, a concorrência com o produto estrangeiro subsidiado na origem. Quer dizer, enquanto outros países do globo, particularmente aqueles de economia capitalista mais avançada, promovem sua agricultura por meio de políticas fiscais generosas para com o setor, nosso País simplesmente dá um tiro no próprio pé, ao sabotar seu produtor rural.
É forçoso reconhecermos que alguns de nossos dirigentes econômicos -- para dizermos o mínimo -- não sabem o que fazem. Dada sua arrogância, além disso, não merecem a dádiva cristã do perdão nem o benefício da dúvida quanto a sua boa-fé. Somos levados a duvidar, isto sim, de sua sensibilidade política e até de sua competência técnica.
Uma das demonstrações mais cabais dessa desastrada insensibilidade, Srs. Senadores, está no tratamento conferido pelo Governo ao problema das dívidas dos agricultores. Nos últimos dez anos, a sucessão de planos anti-inflacionários malogrados, com a bagunça generalizada que introduziu na economia, foi inflando a dívida dos lavradores, levando-a a patamares inauditos. Ultimamente, a política de juros estratosféricos, que constituiria -- segundo os economistas oficiais -- um dos pilares da atual estabilidade, fez com que a incidência da TR sobre quaisquer dívidas as tornasse impagáveis.
Os agricultores de meu Estado, por exemplo, devem aos bancos nada menos de dois bilhões de reais, equivalentes ao valor de mercado de duas safras. Desses dois bilhões, cerca de novecentos milhões -- quarenta e cinco por cento -- correspondem ao principal da dívida. A maior parte, portanto, corresponde à parcela dos juros: quase cento e vinte por cento de TR incidindo sobre o principal, e mais cerca de setenta e cinco por cento oriundos do descasamento entre o dólar e o real, segundo estudo preparado pelo Sindicato Rural de Rondonópolis. Nenhum agricultor de país desenvolvido, Srs. Senadores, nenhum, paga a seu sistema financeiro mais de quatro por cento de juros ao ano.
O crime maior -- e mais momentoso -- se encontra, no entanto, Sr. Presidente, nos critérios estabelecidos para a securitização dessas dívidas. Trata-se de um daqueles típicos casos em que esses tecnólogos do asfalto, que julgam válidos para todo o Brasil -- país cuja diversidade ignoram completamente -- os parâmetros que conhecem da Avenida Paulista ou da Atlântica, resolvem aplicar a todas as regiões as soluções ditadas por sua estreitíssima visão. Assim se explica o descabimento da utilização de uma única fórmula, em casos como esse, para todas as realidades regionais.
O caso é que o limite para securitização, estabelecido em duzentos mil reais, atende a noventa e cinco por cento dos produtores do País como um todo, mas não resolve o problema das dívidas dos mato-grossenses. Em meu Estado, oitenta por cento da produção é realizada por apenas vinte por cento dos agricultores. A dívida desses -- aí é que reside o problema -- supera, às vezes em muito, aquele valor. Limitar a securitização às dívidas de até duzentos mil reais é, numa palavra, assassinar a agricultura e a própria economia de Mato Grosso, pois significa a retirada de qualquer possibilidade de sobrevivência no negócio aos responsáveis por setenta por cento do PIB estadual.
Pequeno parêntese, Sr. Presidente: quero só ver como vai ficar o frango, entronizado recentemente como novo herói do real, sem o milho de Mato Grosso.
Numa iniciativa para levar o Governo a rever essa medida, diversos sindicatos de produtores do Estado, no último fim de semana, realizaram reuniões às quais compareceram centenas de produtores. Na qualidade de defensor, nesta Câmara Alta, dos interesses do Mato Grosso, fiz questão de participar dessas reuniões, em municípios como Rondonópolis, Tangará da Serra, Diamantino e Sorriso. Por tudo o que vi, e pelos estudos que me apresentaram, é que venho a esta tribuna para manifestar meu apoio integral ao movimento, capitaneado pelo Secretário de Estado de Agricultura e Assuntos Fundiários, Jeremias Pereira Leite, correligionário nosso no PMDB.
Srs. Senadores: cem dólares de dívida ao final de 1993 se converteram em duzentos e dezoito ao final do ano passado. De trinta sacas de soja por hectare em dezembro de 1993, o endividamento agrícola médio dos agricultores mato-grossenses pulou para o equivalente a setenta sacas por hectare. Não se pode aceitar que uma dívida cresça tão rapidamente, ao ponto de inviabilizar a produção. Agricultor parado significa menos alimento, menos emprego, menos divisas e menos desenvolvimento.
O agricultor mato-grossense não é nenhum caloteiro. Mato Grosso quer pagar, mas precisa de condições razoáveis de pagamento. Por isso o Estado pleiteia cem por cento de securitização, para que a quebra da produção não venha tribular a carreira até agora vitoriosa do Plano Real.
A equipe econômica do Governo deve reconsiderar os dispositivos que regulam a securitização das dívidas agrícolas, ou então ir pondo de molho as barbas. Até quando -- é necessário imaginar -- se poderá manter cheia a panela do povo sem respeitar o produtor e sem promover devidamente a agricultura?
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.