Discurso no Senado Federal

REPERCUSSÃO DE CLIPE DE MICHAEL JACKSON, FILMADO NO MORRO DE DONA MARTA - RJ. IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA EM VARIOS MUNICIPIOS BRASILEIROS, RESSALTANDO AS INICIATIVAS DA PREFEITURA DE CAMPINAS. COMENTARIOS AO DISCURSO PROFERIDO PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA, SENHOR FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EM VISITA OFICIAL AO MEXICO, DESTACANDO A ETICA DA SOLIDARIEDADE. APELO EM FAVOR DA IMEDIATA REVOGAÇÃO DA PRISÃO DE LIDERES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. REFORMA AGRARIA. JUDICIARIO.:
  • REPERCUSSÃO DE CLIPE DE MICHAEL JACKSON, FILMADO NO MORRO DE DONA MARTA - RJ. IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA EM VARIOS MUNICIPIOS BRASILEIROS, RESSALTANDO AS INICIATIVAS DA PREFEITURA DE CAMPINAS. COMENTARIOS AO DISCURSO PROFERIDO PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA, SENHOR FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EM VISITA OFICIAL AO MEXICO, DESTACANDO A ETICA DA SOLIDARIEDADE. APELO EM FAVOR DA IMEDIATA REVOGAÇÃO DA PRISÃO DE LIDERES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/02/1996 - Página 2131
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. REFORMA AGRARIA. JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, VISITA, PAIS, MICHAEL JACKSON, CANTOR, ESTRANGEIRO, GRAVAÇÃO, VIDEO, RELAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, MISERIA, SOCIEDADE.
  • CONGRATULAÇÕES, JOSE ROBERTO MAGALHÃES, PREFEITO, MUNICIPIO, CAMPINAS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA.
  • COMENTARIO, DISCURSO, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VISITA OFICIAL, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, RELAÇÃO, SOLICITAÇÃO, SOCIEDADE, ETICA, SOLIDARIEDADE, LUTA, EXTINÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • SOLICITAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROVIDENCIA, JUDICIARIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REVOGAÇÃO, PRISÃO, LIDER, SEM-TERRA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sr, Senadores, Spike Lee e Michael Jackson incomodaram tanto as autoridades do Rio de Janeiro, bem como as de Brasília, porque resolveram mostrar em vídeo, com a expressão da sua música, a favela do morro Dona Marta como um dos mais importantes símbolos de como eles não se importam conosco - They don't care about us. Ou seja, de como as elites, os que detêm efetivamente o poder, os que estão no Palácio do Planalto e no das Laranjeiras, nos Ministérios, no Congresso Nacional, nos Tribunais Superiores, no topo da hierarquia das grandes empresas, dos bancos e das mais diversas instituições realmente pouco têm tido sensibilidade de pensar em soluções para transformar a vida dos que estão nas favelas, nas palhoças, nas palafitas e nos cortiços.

Passados 14 meses de seu governo, é possível se recordarem as 16 viagens do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao exterior, visitando os mais belos lugares do México, da Índia, da China, do Japão, da Itália e outros países. Somam muito mais vezes do que as suas raras visitas aos lugares onde está vivendo a população mais destituída de direitos no Brasil. Deixou essa tarefa para a Srª Ruth Cardoso, Presidente do Conselho da Comunidade Solidária, que ainda não conseguiu arregimentar o esforço de todos os Ministros em se preocupar com uma verdadeira revolução social no Brasil. Afinal, os Ministros, sobretudo os da Fazenda e do Planejamento, têm suas agendas carregadas de encontros com aqueles que os levam à inevitabilidade das decisões como a de carrear alguns bilhões de reais para resgatar a vida de instituições financeiras, explicando sempre que não o estão fazendo para beneficiar quaisquer banqueiros, mas sim para resguardar os interesses de estabilidade da moeda e de todos os correntistas e aplicadores de suas poupanças nessas instituições. É sem dúvida importante que os Ministros da área econômica estejam a ouvir os representantes das principais entidades empresariais, que possam estar presentes às suas reuniões sociais. Mas só lhes faria bem se pudessem também ouvir o clamor dos desempregados, dos sem-terra, dos pequenos agricultores, dos que trabalham em atividades que lhes proporcionam remunerações abaixo do necessário para a sobrevivência.

Foi, portanto, positiva a visita de Spike Lee e Michael Jackson, sobretudo se servir para mostrar o quão mais deveriam "eles" estar visitando e dialogando com os que vivem em condições como as do morro Dona Marta. As visitas ao exterior do Presidente e dos Ministros podem até ser muito produtivas, do ponto de vista dos que ainda não alcançaram o direito de cidadania no Brasil, se representarem a abertura da cabeça e o conhecimento por parte das autoridades de caminhos mais saudáveis dos que foram tentados sem sucesso até agora.

Até o presente, o Governo Fernando Henrique tem limitado a sua política de transformação social ao esforço para conseguir a estabilidade da moeda, no que foi, em boa parte, bem-sucedido. O crescimento apenas moderado da economia não tem sido acompanhado por crescimento das oportunidades de emprego. Há agravamentos setoriais e regionais de desemprego. A reforma agrária e os assentamentos, diante da necessidade, têm sido caracterizados por esforços apenas modestos. O programa Comunidade Solidária, por ora, mostrou apenas o impacto da boa intenção.

Poderia o Governo agir com muito maior energia nesta área social sem qualquer prejuízo para a meta importante de se resguardar a estabilidade da moeda. Poder-se-á introduzir um novo elemento no grande debate em torno das reformas da Previdência, administrativa e tributária. A própria transformação do que fazer com os encargos sociais, de fazê-los incidir, pelo menos em parte, sobre outra base como o valor adicionado, e não mais sobre a folha de pagamentos, deve levar em conta a instituição de um Programa de Garantia de Renda Mínima ou de uma Renda de Cidadania no Brasil.

Essa é a recomendação de um número crescente de economistas e cientistas sociais em todos os países do mundo. Esse é um debate que vem aumentando no Brasil, inclusive a partir de experiências regionais e municipais que estão se realizando.

Sr. Presidente, na última segunda-feira, visitei o Prefeito de Campinas, José Roberto Magalhães Teixeira, que infelizmente se encontra com grave doença. Fui cumprimentá-lo, mais uma vez, por sua ousadia, com responsabilidade, ao introduzir, no ano passado, o Programa de Garantia de Renda Mínima para famílias com crianças em situação de risco, assim definidas como aquelas com crianças de até 14 anos e renda per capita menor que meio salário mínimo mensal. De igual forma, o Governador Cristóvam Buarque introduziu, no Distrito Federal, um sistema semelhante, que é o da chamada Bolsa-Educação. O programa desenvolvido, em Campinas, pelo Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira hoje atinge cerca de 2.700 famílias, enquanto que, no Distrito Federal, o Projeto Bolsa-Educação já atinge 6.000 famílias. A previsão é de atender, em Campinas, cerca de 3.000 famílias, e aqui, cerca de 20.000. É interessante observar que tal projeto foi implementado e sancionado em outras cidades, como Salvador, Ribeirão Preto, Sertãozinho, São Joaquim da Barra, São João da Boa Vista, Londrina; e, em mais de 50 municípios, hoje estuda-se a implementação de tal proposição.

Na sua palestra, realizada no Colégio do México, anteontem, o Presidente Fernando Henrique Cardoso fez um forte "apelo por uma ética da solidariedade, a redefinição de valores nacionais e principalmente a luta contra a desigualdade, que as elites encaram hoje como algo natural e até aceitável". Disse que esses "são ideais que somente a política, enquanto arte de construção de consensos, pode equacionar". Chamou a atenção para a observação do atual Secretário de Trabalho do Governo Bill Clinton, Robert Reich, de que "a ruptura do sentimento de solidariedade tem grave repercussão na própria idéia da identidade nacional". Robert Reich é justamente um dos grandes entusiastas da forma de imposto de renda negativo, introduzida nos Estados Unidos há 20 anos, e que foi mais do que duplicada pelo Presidente Bill Clinton. É um instrumento que guarda relação com o Programa de Garantia de Renda Mínima.

Infelizmente, o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso e seus Ministros têm demonstrado, até o presente, forte resistência a estudar essa proposição, que seria consistente com a ética da solidariedade proposta no México. Mas, até agora, ausente das preocupações, ou melhor, da própria prática, pode estar presente nas palavras, mas não na prática propriamente dita. Está presente, sim, nas recomendações da Campanha "Justiça e Paz se Abraçarão", divulgada ontem pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

A Campanha "Fraternidade e Política" tem como objetivos específicos:

      "1. ampliar o conceito de política para além de processos eleitorais;

      2. oferecer elementos para um novo exercício da política, a partir do pobre e do excluído;

      3 - incentivar as pessoas a se tornarem sujeitos da ação política na promoção do bem comum;

      4 - clarear a ligação da política com o cotidiano nas relações familiares, comunitárias e eclesiais;

      5 - estimular a militância política e o exercício de cargos públicos, revisando permanentemente a prática do poder.

      A Campanha da Fraternidade de 1996, Fraternidade e Política, se insere nos temas das Campanhas de anos anteriores, que abordam a temática social, e dá continuidade à de 1995, pois mostra a vinculação que existe entre a política e o fenômeno da exclusão social."

Mas cabe, Sr. Presidente, fazer com que o Executivo, o Governo Fernando Henrique Cardoso, transforme em termos práticos os instrumentos de política econômica para, de fato, acabarmos com a exclusão social no Brasil.

É preciso que o combate ao desemprego e à exclusão social venha, de fato, se transformar em garantia de cidadania para os brasileiros. É preciso que as suas políticas, por exemplo, de realização de assentamento e de reforma agrária, se façam com muito maior rapidez do que até o presente.

É preciso, Sr. Presidente, que não continuemos a assistir àquilo que acontece no Pontal do Paranapanema, pois há quase um mês estão ali detidos Diolinda Alves de Souza, Felinto Procópio, Laércio Barbosa e Claudemir Cano, líderes do Movimento dos Sem-Terra, que, inexplicavelmente, estão presos porque resolveram sinalizar para o Governo a necessidade de assentamentos.

Ainda ontem, na Catedral da Sé, em São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, ao abrir a Campanha da Fraternidade, perguntou ao povo reunido na cerimônia que abria a Quaresma se achava justo que as pessoas que lutavam pelo direito à terra, pelo direito de trabalhadores estarem lavrando a terra para uma sobrevivência mais digna, estivessem presas. E ouviu-se um sonoro "não"!

Ora, Sr. Presidente, não seria o caso de o Executivo - o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Governador Mário Covas - agilizar providências para que possa a Justiça, de pronto, revogar a prisão dos líderes do Movimento dos Sem-Terra? Ainda mais quando o próprio delegado que fez a solicitação do pedido de prisão chegou a oferecer, perante o juiz, perante o promotor, que as quatro pessoas citadas e ali detidas fossem libertadas, desde que se apresentasse o líder José Rainha!?

Ora, Sr. Presidente, uma excrescência do ponto de vista jurídico! Não se pode admitir que estejam essas pessoas detidas, o que constitui um confronto às próprias palavras expressas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso na sua palestra sobre a necessidade de se realizar um desenvolvimento sem a exclusão de pessoas em nosso País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/02/1996 - Página 2131