Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCESSÃO DE EMPRESTIMOS AOS ESTADOS. PRESSÃO PARA A EXTINÇÃO DO IPC - INSTITUTO DE PREVIDENCIA DOS CONGRESSISTAS.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCESSÃO DE EMPRESTIMOS AOS ESTADOS. PRESSÃO PARA A EXTINÇÃO DO IPC - INSTITUTO DE PREVIDENCIA DOS CONGRESSISTAS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Flaviano Melo, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 16/02/1996 - Página 2054
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • DEFESA, CLAUSULA, GARANTIA, SANEAMENTO, ESTADOS, CONTRATO, EMPRESTIMO, UNIÃO FEDERAL.
  • DEFESA, EXTINÇÃO, INSTITUTO DE PREVIDENCIA DOS CONGRESSISTAS (IPC), SANEAMENTO, FINANÇAS, MOTIVO, INCOERENCIA, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • DEFESA, EXTINÇÃO, PRIVILEGIO, APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO, CATEGORIA PROFISSIONAL, PROFESSOR.

O SR. JEFFERSON PERES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o que aconteceu, ontem, na Câmara dos Deputados, e o debate que agora acaba de ser iniciado, com o discurso do Senador Nabor Júnior, dão-me a convicção de que o Brasil vive as dores do parto. Penso que está nascendo um Brasil novo, Sr. Presidente. Nós, contemporâneos, ainda não tomamos consciência disso. O Brasil da esbórnia inflacionária, da corrupção, dos desmandos, da irresponsabilidade administrativa, do comportamento antiético dos seus homens públicos, da impunidade, esse Brasil está moribundo, está acabando. Sem querer estabelecer polêmica com o ilustre Colega do Acre, a autonomia dos Estados não está sendo ferida, Sr. Presidente. Quem quiser que continue autônomo, fazendo o que quer. Agora, se pedir recurso da União, vai ter que fazer o saneamento administrativo e financeiro.

Algumas cláusulas citadas pelo ilustre Senador Nabor Júnior talvez sejam excessivamente draconianas, mas uma delas chamou-me a atenção. Exige que o reajuste do funcionalismo só seja concedido, salvo engano da minha parte, se a União concedê-lo e no mesmo percentual. Está corretíssimo. Estou acostumado aos desmandos de ex-Governadores do meu Estado e de outros. Sabem o que pode acontecer se não houver uma cláusula desse teor? O Governador, no final do seu mandato, derrotado, antes de passar o cargo ao seu sucessor, dá um aumento irresponsável de 50% ao funcionalismo. Ele fica como herói e inviabiliza, por muitos meses, o governo do seu sucessor e adversário, que terá que recorrer novamente a um novo empréstimo da Caixa Econômica Federal. Isso não pode continuar.

Empréstimo, sim, mas sob condições absolutamente corretas. Não estou discutindo se essas condições são certas, mas o Governo Federal tem que impor condições: ou os Estados se disciplinam ou se arrebentam. Acabou-se a inflação, acabou-se a facilidade do passado. Os Governadores poderiam fazer qualquer coisa. Por quê? Era só segurar os vencimentos dos funcionários públicos por quatro ou cinco meses, pois, com uma inflação de 45%, a folha descia de um percentual de 60% para 20%, e eles ficavam bem outra vez.

Chegou a hora da verdade. Os Estados e a União terão que gastar o que tiverem arrecadado ou então se arrebentam.

O meu pronunciamento era outro, mas, de qualquer forma, está relacionado com o assunto que acabo de tratar.

O Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Luís Eduardo Magalhães, em boa hora, reuniu os Líderes dos partidos, pressionando-os - no bom sentido - para que aceitassem a extinção dessa excrescência, que é o Instituto de Previdência dos Congressistas.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, temos que cortar na carne, sim. Todos falam em saneamento do País, todos falam em sacrifício, desde que seja o sacrifício dos outros. Ninguém quer fazer sacrifício neste País. Os governadores não querem, os prefeitos não querem, os parlamentares não querem, os funcionários públicos não querem. Ninguém. O Brasil precisa ser saneado, precisa ser consertado. É preciso acabar com os privilégios - dos outros; os seus, nunca. Ninguém abre mão de privilégios neste País.

A coisa mais escassa no Brasil se chama "espírito público", infelizmente.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PERES - Ouço V. Exª com prazer, apesar de achar que o aparte de V. Exª quase vai ficar sem resposta, porque vou tratar do IPC especificamente. Mas eu não poderia negá-lo a V. Exª.

A Srª Marina Silva - Agradeço a V. Exª. Em tese, eu diria que concordo plenamente com o ponto de vista de V. Exª. A meu ver, os Estados cometeram abusos, contrataram indevidamente; os governadores fazem essas manobras no final do mandato, ou seja, dão aumentos fora da realidade para ficarem bem com a população, pensando nas próximas eleições. O problema que estamos abordando, os Senadores Nabor Júnior, Flaviano Melo e eu, é que, no caso do Acre, foram realmente excessivas as exigências do Governo Federal. Por exemplo, no que se refere às contratações: Há Municípios com 30 mil habitantes que contam com apenas um médico! Como o Governador assina contrato que contém cláusula segundo a qual não se contratará ninguém durante um período de três anos? Temos inúmeros casos que, realmente, apresentam situação de calamidade, e o Governador se submete a esse tipo de exigências. Todos os Governadores devem ter assinado seus contratos em condições que requerem, também, uma taxa de sacrifício, uma contrapartida, mas que não firam a dignidade de seu povo e de seu Estado. O problema é que o Estado do Acre, hoje, sofre uma crise de autoridade. Essas exigências demonstram um completo entreguismo para uma intervenção por parte do Governo Federal. Quero parabenizar V. Exª pela abordagem que faz na tarde de hoje - e vai continuar, com certeza - sobre o fim da aposentadoria dos Parlamentares, e por isso vou ser breve. Concordo que temos que sangrar e cortar a própria carne; seria vergonhoso, no momento em que se estão derrubando privilégios de funcionários, de trabalhadores, mantermos os nossos. A sociedade elege um Senador, um Governador, um Deputado para um período determinado de quatro ou oito anos, não para lhe pagar salário pelo resto da vida. Quando era Deputada Estadual, quando era Vereadora, sempre batalhei contra a aposentadoria de ex-governadores, porque entendia que no caso do meu Estado era uma afronta que as pessoas se aposentassem com salário de Governador, enquanto não existem verbas para escolas e postos de saúde. Fizemos um levantamento, certa época, e verificamos que havia 13 ex-governadores aposentados; somando-se todas as vantagens daria para construir um grande número de escolas rurais, não me lembro bem os números. Claro que existe a idéia do direito adquirido daqueles que já estão aposentados, até porque eles não fizeram as leis. Mas se o momento é de sacrifício, temos que também partilhar, ainda que em pequena dose, porque se compararmos nossos vencimentos com os da maioria da população verificaremos que o sacrifício ainda é muito pequeno e que não se perde aquilo que não se tem. Não considero minha uma aposentadoria por apenas oito anos de trabalho. Digo isso sem qualquer tipo de demagogia, sem querer fazer discurso fácil; sempre disse isso, sempre defendi essa tese. Quero me aposentar dignamente como professora de Segundo Grau e não envergonhada como Senadora por apenas um mandato. Muito obrigada e aproveito para parabenizar V. Exª.

O SR. JEFFERSON PERES - Muito obrigado, Senadora. Também eu, quando Vereador em Manaus, apresentei um projeto que se transformou em lei que extinguia as aposentadorias de ex-prefeitos. Fiz três inimigos.

Quero, no fim de minha vida pública, dizer como o Cardeal de Richelieu: "Todos os meus inimigos eram inimigos da coisa pública. Não me arrependo de tê-los feito".

O Sr. Flaviano Melo - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PERES - Rapidamente, senão não falarei no IPC. Desculpe.

O Sr. Flaviano Melo - Só queria dizer que no caso do Acre o comprometimento da receita foi de 11%. São Paulo, recentemente, fez um acordo com o Governo onde comprometia 2,9%. Para V. Exª ver a discrepância existente entre os acordos do Acre e de São Paulo.

O SR. JEFFERSON PERES - Sr. Presidente, como disse a Senadora Marina Silva, como é que este Congresso poderá votar a lei de reforma da Previdência, extinguindo privilégios de funcionários e de algumas categorias de trabalhadores se mantiver esse privilégio? É indefensável. É incrível como 280 Deputados assinaram um requerimento em que se pede destaque supressivo para a emenda que extingue o IPC - vamos tentar derrubá-lo no Congresso. Os argumentos são absolutamente não-convincentes. Como podemos justificar, perante a sociedade, que um Senador ou um Deputado recebe aposentadoria depois de oito anos de mandato? Respondem, como querubins, que a aposentadoria é apenas proporcional e que o Deputado ou o Senador não se aposenta com os subsídios integrais, mas apenas com uma parte. Sim, mas essa pequena parte são R$2 mil - é o mínimo, após oito anos de mandato. Ora, creio que R$2 mil não ganham cerca de 70% dos brasileiros. Há argumento mais cínico do que esse?

Outro argumento é que se dedicam ao Parlamento; as pessoas abandonam suas funções e quando voltam não podem mais restabelecer seus escritórios e consultórios. Em primeiro lugar, Sr. Presidente, funcionários públicos, trabalhadores de empresas e empresários - que são Deputados e Senadores - quando voltam, reassumem seus empregos e não sofrem, absolutamente, perda alguma ao terminarem seus mandatos. Supostamente, quem perderia: médicos, engenheiros, advogados, profissionais liberais. É possível. Mas, em primeiro lugar, quem mandou que se candidatassem? Candidataram-se a Deputado e Senador porque quiseram. Correm o risco, ao voltarem, de perderem a clientela? Correm. Então não se candidatem.

A propósito, Sr. Presidente, conheço inúmeros ex-Deputados Federais que passaram quatro anos aqui, mas não conheço um que esteja passando privações. Se o Senador Bernardo Cabral quiser ajudar minha memória, poderia responder se conhece algum Deputado que esteja mendicando em Manaus.

O Sr. Bernardo Cabral - Não.

O SR. JEFFERSON PERES - Não. Então a aposentadoria parlamentar não lhes fez falta. É outra afirmação cínica, Sr. Presidente.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª novo aparte?

O SR. JEFFERSON PERES - Cedo-lhe o aparte, Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Gostaria de abordar um aspecto do seu discurso. V. Exª falou do sacrifício, o sacrifício dos outros. Sempre se quer sejam feitos sacrifícios, mas que seja o outro a fazer e não nós mesmos. Penso que o Brasil chegou num momento semelhante à estória da raposa que queria pegar facilmente as galinhas. Dizem que era uma raposa muito magra e faminta que via gordas galinhas dentro de um galinheiro. Um dia teve uma idéia brilhante para pegá-las e entrou por uma pequena brecha. Chegando lá começou a comer todas as galinhas. Engordou, ficou enorme e, após comer a última galinha, tentou sair pela mesma brecha, mas percebeu que não passava mais por onde tinha entrado e teve que fazer um novo e rigoroso regime, saindo de lá da forma como entrou. Penso que os privilégios já foram tantos, tantas tentativas de enriquecimento fácil que, hoje, o Brasil vai ter que fazer semelhante esforço, a fim de que aqueles que engordaram e foram pelo caminho mais fácil saiam como entraram; do contrário, Senador, não haverá futuro para este País, porque encontramos muito pouco espírito público, renúncia e compromisso de ajudar a maioria. Creio que V. Exª, com coragem, assume um tema que gera inimigos. Não digo que eu tenha inimigos, porque não me considero inimiga de ninguém, mas tive muitos embates em função de combater esses privilégios de aposentadoria. No Acre, meu Estado, ex-governadores que assumiram um mês ou uma semana que seja, se aposentaram, para o resto da vida, como governadores e ainda com verba de representação. A verba de representação tem sentido quando se está imbuído da função; como Governador aposentado está-se representando o quê? No Estado do Acre, têm o salário de ex-governador e a verba de representação, embora um ex-governador aposentado nada represente.

O SR. JEFFERSON PERES - Muito ilustrativo e inteligente seu exemplo, nobre Senadora, e o incorporo ao meu pronunciamento. É exatamente isto que V. Exª acaba de dizer: Foram-se atribuindo às elites brasileiras privilégios. Creio que é hora de, pelo menos, alguns segmentos delas, fazerem o mínimo de sacrifício. Todavia, se formos olhar bem isso não é sacrifício, porque vão continuar vivendo muito bem, nobre Senadora.

Sr. Presidente, não quero pertencer a esse instituto. Desde que entrei aqui, já disse isso da tribuna, apresentei um projeto tornando facultativo o pagamento do IPC, que está sobrestado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, à espera da reforma da Previdência, porque sou compelido, sou obrigado a descontar para esse Instituto, algo que eu não quero fazer.

Por que não quero pertencer a esse Instituto? Por uma questão de princípios. Se condeno o Instituto, se condeno a aposentadoria aos 8 anos, como é que posso contribuir para essa entidade? Mas estou obrigado, por lei, a contribuir.

Passada a reforma da Previdência, se o dispositivo que extingue o IPC cair, vou fazer o meu projeto andar, porque quero me desligar desse Instituto. Respeito a opinião dos colegas que forem contra, não quero violar os direitos de ninguém.

Aliás, o Senador Bernardo Cabral formulou uma emenda constitucional que resguarda e respeita os direitos adquiridos. Tudo bem! Não quero violentar o direito de ninguém. Agora, que esse Instituto não pode continuar com essa aposentadoria indecorosa, não pode, Sr. Presidente.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PERES - Concedo o aparte ao nobre Senador Eduardo Suplicy, com muito prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Nobre Senador Jefferson Peres, manifesto meu apoio à reflexão de V. Exª. É preciso que haja coragem por parte daqueles que pertencem a categorias como a dos Parlamentares brasileiros, em função da história com que com tanta facilidade se atribuíram vantagens tais como as do Instituto de Previdência dos Congressistas, que permite a cada Parlamentar, desde que tenha 50 anos, pelo menos, após 8 anos de contribuição, ter direito a uma aposentadoria que não guarda relação com o que se passa com o conjunto da população brasileira. É muito importante que nessa reforma da Previdência, se vamos caminhar na direção da eqüidade para com todos os cidadãos, com os trabalhadores do setor privado e do setor público, que também estejam os Parlamentares em uma situação institucional, com respeito ao seu direito previdenciário, que não se distancie do mecanismo que é o existente para o conjunto da população brasileira. Cumprimento V. Exª por sua atitude. Desde já, manifesto apoio ao projeto de V. Exª para tornar facultativa a contribuição para o IPC. E como para as decisões que iremos tomar aqui durante a votação da reforma da Previdência, acredito que já constituem um número considerável os Senadores que aqui têm se manifestado em consonância com o que V. Exª está propondo. Ainda ontem o Senador Romero Jucá apresentou a sua posição sobre essa questão. A posição de V. Exª encontrará guarida em toda a Bancada do PT. Muito obrigado.

O SR. JEFFERSON PERES - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy, eu não poderia esperar outra atitude de V. Exª, que tem mantido na sua vida pública e neste Congresso, primeiro como Deputado e agora como Senador, uma trajetória retilínea e de absoluta coerência.

Se o Instituto de Previdência dos Congressistas for mantido, Sr. Presidente, muito bem, é um direito do Congresso fazê-lo - direito em termos, mas ele tem poder para fazer isso, que o mantenha -, mas ele vai deixar esta Instituição extremamente exposta. Não vamos convencer ninguém, nenhum cidadão deste País de que o corte de privilégios - dos privilégios dos outros - é correto, se não cortarmos os nossos.

Dirão que falo assim porque não tenho os oito anos necessários para me aposentar. Mas eu teria, ao concluir o meu mandato de Senador, uma aposentadoria de R$2 mil, em valores de hoje. Essa aposentadoria me está assegurada hoje se eu quiser lutar pelo IPC. Mas eu não quero, como não luto pelo privilégio dos professores universitários.

Sou professor titular da Universidade do Amazonas e aplaudo a redução da aposentadoria. Não há por que o professor se aposentar com cinco anos menos de trabalho do que a maioria dos funcionários públicos. Exerci a minha atividade docente durante 25 anos, ainda sou professor, e ainda não me aposentei porque não quis. Tenho tempo, mas não quis me aposentar. Não está certo, não há por que o professor se aposentar com 30 anos de serviço. Tem que ser com 35 anos, como todos os demais.

Meu esforço na sala de aula - sempre fui da linha de frente, nunca me escudei em cargos administrativos, nunca fui fazer longas bolsas de estudo para fugir da sala de aula, sempre fui um soldado, um professor do batente, da sala de aula, porque gosto de lecionar - nunca foi um sacrifício que me permitisse o privilégio de me aposentar com cinco anos menos do que os demais funcionários públicos. Fizeram muito bem em cortar. Deveriam cortar privilégio de juiz e de todo mundo.

Este País precisa começar a aprender que todos têm que ser realmente iguais perante a lei. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/02/1996 - Página 2054