Discurso no Senado Federal

A QUESTÃO DAS MENSALIDADES ESCOLARES E O DECLINIO DA ESCOLA PUBLICA.

Autor
Leomar Quintanilha (PPB - Partido Progressista Brasileiro/TO)
Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • A QUESTÃO DAS MENSALIDADES ESCOLARES E O DECLINIO DA ESCOLA PUBLICA.
Aparteantes
Carlos Patrocínio, Emília Fernandes.
Publicação
Publicação no DSF de 16/02/1996 - Página 2069
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ABUSO, VALOR, MENSALIDADE, ESCOLA PARTICULAR, SUGESTÃO, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, MELHORIA, NIVEL, ENSINO, ESCOLA PUBLICA.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORADOR, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, EPOCA, INSTALAÇÃO, ESTADO DO TOCANTINS (TO), ANALISE, SITUAÇÃO, DETERIORAÇÃO, EDUCAÇÃO, FALTA, DECISÃO, POLITICA, DEFICIENCIA, GESTÃO.
  • APOIO, PROPOSTA, CARLOS PATROCINIO, SENADOR, REGULAMENTAÇÃO, COOPERAÇÃO, GESTÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PPB-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, as mensalidades escolares cobradas Brasil afora têm trazido uma preocupação muito grande às famílias brasileiras que, com muito sacrifício, procuram dar um ensino de melhor qualidade para seus filhos.

Recordo com certa nostalgia, Sr. Presidente e Srs. Senadores, que na minha infância e na minha adolescência, originário de família pobre, não tinha eu possibilidades de buscar o ensino particular, mas naquela época não era necessário, porque tínhamos ensino público da melhor qualidade, particularmente na cidade onde cresci. Era uma escola disputada, havia concorrência para as suas vagas. Recordo-me que para ingressar no II Grau precisávamos, àquela época, fazer um teste preliminar, como um pequeno vestibular.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupei nos primeiros momentos de instalação do Estado do Tocantins a Pasta da Educação,tendendo ao apelo do seu primeiro Governador, que tinha a tarefa ingente de organizar administrativamente o estado e fazer suas estruturas funcionarem.

E eu que imaginava conhecer a realidade do estado ficava estarrecido à medida que recebia as informações da nossa efetiva realidade, em que a demanda reprimida quase superava nossa capacidade de atendimento às crianças de I e II Graus.

Nos causava tristeza ver a estrutura física existente nas nossas escolas, com prédios abandonados, desmoronando, com pintura totalmente desgastada, algumas dando choque nas paredes, infiltração de água, vazamento no teto, desabamento parcial, vidraças quebradas, sanitários destruídos, muitos sem abastecimento de água potável.

Uma verdadeira tristeza, realmente, um desastre. Material escolar, nem se fala. Carteiras, muitas das salas não as tinham em número suficiente para acolher as crianças que as freqüentavam. Se buscássemos o quadro docente, veríamos que a situação era também drástica: havia ali uma quantidade enorme de professores sem a necessária qualificação, que não tinham a formação mínima exigida para se orientar uma classe de quarenta, cinqüenta crianças.

Em muitas das nossas salas de aula havia professores que não tinham o I Grau completo. Fiquei assustado com essa situação e imaginei que a solução seria substituir imediatamente esses professores sem qualquer qualificação por pessoas devidamente preparadas, que tivessem freqüentado bancos escolares, que tivessem o diploma adequado para ministrar o ensino fundamental, essencial, a tantas crianças que emergiam da sua vida de obscuridade quanto aos conhecimentos. Era uma situação impraticável, uma situação impossível, primeiro, pelos salários existentes e, segundo, pela inexistência de quantitativo de mão-de-obra disponível para atender a tamanha demanda.

Por outro lado, Sr. Presidente, Tocantins, estado criado pela força e pela luta do seu povo contra o abandono, o ostracismo, apresentava esse quadro difícil nas suas pequenas cidades. Como mandar um professor qualificado para uma cidade de dois mil, três mil habitantes? Não que o professor não quisesse ir, mas porque os salários existentes até então não o estimulavam e não nos possibilitavam a decisão de colocar em cada escola número suficiente de professores nos mais diversos municípios.

Em decorrência desse desapreço, desse desapoio, desse abandono das instituições públicas para com a educação neste País, vemos hoje, com tristeza, que muitos profissionais que tiveram o ensejo de concluir o III Grau têm dificuldade ou não sabem escrever escorreitamente, perdem-se na correção da sua fala ou da sua escrita. Fico a me perguntar: se uma pessoa que fez o I, o II ou o III Grau, estudando sempre a língua pátria, estudando sempre o Português, e no final dos seus estudos escolheu uma atividade técnica profissional para exercer, concluiu o curso superior, tem o seu diploma, mas não sabe escrever corretamente a língua do seu País, como será o conteúdo, a consistência do conhecimento que ele adquiriu nesse curso de III Grau que fez em apenas quatro ou cinco anos, se ao longo da sua vida escolar ele não teve condições de aprender bem a sua língua pátria?

Por essa razão, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, preocupa-me a estrutura de ensino ainda existente no País. Participei de debates prolongados, ouvindo os mais diversos segmentos ligados à Educação, para discutir e aprovar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que teve tramitação traumática e demorada na Câmara dos Deputados. Nesta Casa, a sua tramitação ocorreu com um pouco mais de celeridade, tendo havido o exame do substitutivo apresentado pelo nobre Senador Darcy Ribeiro.

Todavia, Sr. Presidente, entendo que não é na essência da letra, não é na lei que está a gravidade do nosso problema na área educacional. A gravidade do nosso problema na área educacional e nas demais áreas que envolvem o setor público está na questão gerencial. Falta decisão política, falta vontade política para se dar um ordenamento correto, adequado e sério a essa questão fundamental. Não se pode imaginar um povo desenvolvido e despreparado. Não se pode imaginar que o Brasil possa crescer, social e economicamente se sua população tem cultura e conhecimentos limitados.

É preciso que nós, nesta Casa, tenhamos consciência e nos unamos nessa tarefa ingente de acompanhar os trabalhos que são desenvolvidos com vistas à educação e à escola pública, no sentido de evitar a exploração que está acontecendo por parte da escola privada.

Talvez fosse injusto, se generalizasse a crítica à escola privada, porque ela tem suprido a lacuna, a falha que a escola pública tem trazido. Ela tem melhorado realmente a qualidade de ensino hoje entregue à população brasileira, mas a um custo elevadíssimo, a um custo que não permite à grande maioria das famílias brasileiras, do cidadão comum, oferecer ao seu filho, como o mais importante do seu legado, uma instrução à altura, porque as mensalidades escolares assim não o permitem, extrapolam qualquer orçamento.

O Sr. Carlos Patrocínio - V. Exª permite-me um aparte, eminente Senador Leomar Quintanilha?

O SR. LEOMAR QUINTANILHA - Com muito prazer, ouço V. Exª, Senador Carlos Patrocínio.

O Sr. Carlos Patrocínio - Nobre Senador, em um rápido aparte gostaria de comungar com a mesma preocupação de V. Exª quanto à deterioração do ensino público em nosso País. Nós, que, oriundos de famílias pobres, tínhamos que estudar em escola pública. Fiz todos os meus cursos em escolas públicas, inclusive a faculdade de Medicina, graças a Deus de excelente qualidade, o que já não existe hoje no País. Foi movido por essa mesma preocupação de V. Exª que ainda ontem colhi no plenário desta colenda Casa as assinaturas de apoiamento para que possa tramitar uma proposta de emenda constitucional que estabelece a escola de co-gestão ou cooperativa escolar em nosso País. Elas já existem em alguns lugares, como, por exemplo, em Maringá, no Paraná, em Goiânia e em Brasília, onde escola desse tipo vem funcionando com rara eficiência. Portanto, espero merecer o apoiamento dos nossos pares nesta Casa, para que possamos instituir essa nova modalidade de escola. Apenas inserimos no texto constitucional, onde está escrito que a educação é direito de todos e dever do Estado e que será exercido pelas escolas públicas gratuitas e pela rede privada, a expressão "o modelo misto de escola", qual seja, aquele tipo de escola que terá co-gestão administrativa e financeira, pesará menos ao Governo Federal. Tenho certeza de que esse tipo de escola haverá de prosperar com muita eficiência, porque não visa lucro. Gostaria de alertar, em fazendo este aparte a V. Exª, que essa proposta de emenda constitucional vai sofrer muitas pressões, porque sabemos da força do cartel da escola particular. Como bem frisou V. Exª, não temos nada contra as escolas particulares, mesmo porque elas suprem uma lacuna muito grande que existe em nosso ensino, mas estamos sentindo que principalmente a classe média, já que a classe pobre não tem acesso ao ensino privado, está também deixando de ter esse privilégio, digamos assim, de freqüentar as boas escolas privadas, dado o valor insuportável das mensalidades escolares. Numa inflação de cerca de 20% ao ano, algumas escolas majoraram em até 70% suas mensalidades. Há famílias que estão diminuindo a qualidade de sua alimentação, para poder colocar seus filhos em escolas particulares, ainda que as mensalidades sejam escorchantes. Portanto, nobre Senador, quero aplaudir V. Exª e dizer que, comungando com essa preocupação, apresentei essa proposta de emenda à Constituição, que, se merecer o devido acatamento dos nosso Pares no Congresso Nacional, nos ensejará um novo tempo, uma outra modalidade de escola que vai ajudar a escola pública no ensino e na erradicação do analfabetismo em nosso País. Muito obrigado, nobre Senador.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA - Agradeço ao nobre Senador Carlos Patrocínio a contribuição que traz ao debate que iniciamos nesta Casa sobre tema que interessa a todos nós e ao povo brasileiro. Quanto a iniciativa para a regulamentação da escola de co-gestão, estou convencido de que sua propositura está no caminho certo. É por certo com a reação e com a participação da iniciativa privada e, principalmente, da família interessada na educação do seu familiar, do seu parente, do seu filho, que teremos uma escola mais enxuta, de custo mais reduzido, com professores estimulados, melhor remunerados e uma criança bem educada. Agradeço a V. Exª pelo aparte.

A Srª Emilia Fernandes - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - Nobre Senador Leomar Quintanilha, a Presidência comunica que V. Exª dispõe, de acordo com o Regimento, de três minutos para concluir o seu pronunciamento.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA - Sr. Presidente, com a benevolência de V. Exª, eu não poderia perder a oportunidade de incorporar a este debate a manifestação da nobre Senadora Emilia Fernandes, a quem concedo, neste momento, o aparte.

A Srª Emilia Fernandes - Agradeço a oportunidade e cumprimento V. Exª por pela avaliação lúcida e objetiva que faz da situação da educação no seu Estado e no País. Também registro minha preocupação como educadora que sou, inclusive professora do Ensino Fundamental, durante 23 anos, em escola pública. Como parlamentares, como pessoas comprometidas com a educação, sabemos que esta área deve ir muito além do saber ler e escrever. É imprescindível, neste momento, nesta virada de século, que se pense e se exija educação de qualidade, onde o aluno possa realmente desenvolver sua visão crítica e criadora. Isso passa por uma avaliação do que recentemente discutimos, durante um ano, no Senado Federal, a chamada Lei de Diretrizes e Bases da Educação, recentemente aprovada. Muitos avanços esta lei está a apresentar e a desafiar a educação deste País, como a importância dos profissionais habilitados, do ingresso por concurso público, da valorização do ensino supletivo para jovens e adultos de forma gratuita, como defendemos e conseguimos aprovar, a questão de ampliarmos o ensino fundamental com a incorporação do pré-escolar. Tudo isso vai exigir dos Governos - Federal, Estaduais e Municipais - e da própria sociedade como um todo uma qualificação e uma priorização, que não existem neste País. Sabemos que o problema educacional no País não é questão de escolas. Sabemos que ainda existem muitas escolas em condições precárias e, por incrível que pareça, até mesmo no meu Estado, Rio Grande do Sul, considerado um dos Estados em que a educação estava num nível mais elevado, existem escolas em precárias condições, professores com salários ínfimos, universidades sucateadas e ainda estamos clamando por escolas técnicas profissionalizantes, que ainda hoje são em número reduzido. Avançamos, demos um passo a frente. Entretanto, chamo a atenção dos Srs. Senadores, assim como da sociedade brasileira como um todo, para a possibilidade prevista na Lei de Diretrizes e Bases de que continuar existindo Ensino Fundamental dividido em ciclos não é bom para o País, porque continua permitindo que se fale em escolas de primeiro grau incompleto, de primeira a quarta, de primeira a quinta séries. Isso significa um retrocesso. Sabemos das dificuldades, mas o País e seus legisladores devem ter uma utopia a perseguir, uma utopia que se pode concretizar. É um alerta que deixo nesse sentido. Quanto à questão levantada pelo Senador Carlos Patrocínio, parece-me fundamental. Apresentamos uma emenda que previa um direcionamento, na gestão participativa, através de pais, alunos, professores e da própria sociedade, inclusive funcionários das escolas, mas não obtivemos aprovação. Portanto, a emenda do Senador Carlos Patrocínio chega em bom momento para que, gradativamente, possamos mostrar que a administração financeira e pedagógica de uma escola não é para ser decidida entre quatro paredes, mas responsabilidade e compromisso de uma comunidade escolar. Compartilho da preocupação de V. Exª e certamente teremos outras ocasiões para discutir este tema. Cumprimento o nobre Senador Leomar Quintanilha pelo pronunciamento que faz. Acredito que quando o Brasil se der conta de que recursos aplicados em educação não é gasto, é investimento para melhorar a qualidade da mão-de-obra de seus trabalhadores e da vida da sua gente, todos seremos mais felizes.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA - Agradeço a contribuição que traz V. Exª, emérita educadora, profunda conhecedora da questão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entendo que o comportamento reprovável da maioria das escolas particulares com a aplicação de mensalidades abusivas não será coibido através de um policiamento. A forma mais adequada e correta é que o ensino público, obrigação e dever do Estado, seja oferecido com eficiência, com qualidade. Esta seria a única forma de contribuir para a regularização dessa situação e coibir esses preços abusivos cobrados hoje pelas escolas particulares.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/02/1996 - Página 2069