Discurso no Senado Federal

ELOGIOS AOS COMENTARIOS DO DR. RUBENS RICUPERO, PUBLICADOS NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, EDIÇÃO DE 03 DE FEVEREIRO DE 1996, SOBRE A QUESTÃO DA DISTRIBUIÇÃO DESIGUAL DE RENDA NO BRASIL.

Autor
João Rocha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: João da Rocha Ribeiro Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • ELOGIOS AOS COMENTARIOS DO DR. RUBENS RICUPERO, PUBLICADOS NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, EDIÇÃO DE 03 DE FEVEREIRO DE 1996, SOBRE A QUESTÃO DA DISTRIBUIÇÃO DESIGUAL DE RENDA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 15/02/1996 - Página 1991
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PROBLEMA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL.
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, HISTORIA, FORMAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA, SITUAÇÃO SOCIAL, BRASIL.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a público tecer elogios aos comentários de Rubens Ricupero, publicados na Folha de S. Paulo, de 03 de fevereiro corrente, Caderno 2, página 02.

Desta tribuna, levo a Ricupero o meu aplauso pela coragem de denunciar o óbvio. Afinal, o silêncio proposital a respeito de certas questões fundamentais, e até mesmo elementares, cujo descaso a respeito é flagrante, faz com que nos assombremos e aplaudamos aqueles que ousam trazê-las à baila, contrariando, por certo, interesses os mais diversos e segmentados do País.

Está com a razão o Dr. Rubens, quando apregoa que "uma baixa desigualdade de riqueza constitui elemento valioso, talvez indispensável, para garantir um desenvolvimento duradouro e sem sobressaltos". Cita já ter sido demonstrado à farta " que em sociedades de alta desigualdade as pressões do populismo político e do distributivismo econômico tendem a gerar inflação, instabilidade e, finalmente, estagnação".

Efetivamente, uma democracia plena e um sólido mercado interno pressupõem uma distribuição mais justa de renda.

Esta é uma questão que, no Brasil, precisa ser analisada e enfrentada. O problema é secular e sofre agravamentos ano a ano. É bem verdade não nos ser exclusivo, embora tal fato não nos sirva de consolo. Faz parte de uma característica do Estado Latino-Americano que, via de regra, ao contrário dos Estados Europeus, ergueu-se como organização institucional, antes mesmo da formação da sociedade nacional, não se adequando a ela, mas se sobrepondo a ela.

Vejamos, pois, o caso da colonização hispânica, em que a imposição do ordenamento institucional espanhol se direciona a uma grande população indígena, com níveis de organização mais complexos e elevados do que os da própria Espanha. Por outro lado, na América portuguesa, o Estado condiciona a formação da sociedade dada uma população indígena escassa, com pouca capacidade de organização para opor-lhe resistência.

No que pertine à América hispânica, deu-se a construção do Estado e da sociedade de forma conflitiva e instável, em que os setores organizados condicionam e limitam a ação estatal . No caso da América portuguesa, o Estado impõe seus limites à formação de uma sociedade despreparada para negociar com instituições políticas e governamentais.

Ambas as situações, ainda que históricas e específicas, acarretaram um ranço nos Estados latino-americanos, inculcando-lhes características gerais que até hoje, mais em alguns do que em outros, se refletem na estrutura sócio-econômica dos seus povos.

O Brasil é um exemplo de Estado que se instituiu à revelia da sua realidade social. O primeiro governador-geral, Tomé de Souza, chegou ao País em 1549, trazendo em sua bagagem o "Estado brasileiro", isto é, leis, normas, regulamentos, e uma espécie de constituição, o Regimento Almeirim, todos espelhados na vivência econômica, política e institucional portuguesa, para serem aplicados a um Brasil, ainda sem brasileiros.

A partir daí, surgiram as nossas mazelas que se arrastam, ora intensificadas, ora minimizadas, conforme as inúmeras políticas já adotadas por um sem-número de governos. A verdade, porém, é que não se solucionam. Crescimento econômico não implica desenvolvimento visto que este se verifica quando é facultado à sociedade em geral usufruí-lo, sob a forma de empregos, aquisição de bens, serviços públicos e, principalmente, de equitativa distribuição de renda.

Atentemos, pois, para o surto desenvolvimentista ocorrido no País, durante a década de 70, que teve seus pilares no endividamento externo, num inicial processo inflacionário, e, é bem verdade, num PIB acrescido, mas cujos recursos não beneficiaram, a contento, a aquisição de bens e serviços pela grande massa brasileira, pobre, carente, desassistida. Os recursos cooptados pelo governo já estavam comprometidos com as dívidas públicas externas e internas.

A década de 80 representou um período de quase estrangulamento da dívida externa, em que as internas eram roladas, amiúde, ao sabor de interesses políticos. Dava-se o acirramento inflacionário da moeda brasileira. Igualdade social? Justa distribuição de renda? Políticas efetivas tendentes à erradicação da pobreza? Nem pensar! Imergíamos num mar de problemas para os quais as soluções eram "prioritárias" e emergenciais.

Desse histórico, ainda que incompleto, resulta o fato de que o Brasil tem, hoje, uma economia com o mais alto índice de concentração de renda no mundo. Os brasileiros 10% mais ricos são detentores de 50% da renda nacional. Aquilata-se que a renda do trabalho represente, apenas, um terço da renda nacional.

Há que se concluir, portanto, que somos o País do mais ou menos, quase sempre "menos". Somos meio democráticos, meio desenvolvidos, meio intencionados em resolver as grandes e nevrálgicas questões nacionais. Não existe, pois, democracia e cidadania plenas, onde não há uma justa política de distribuição de riquezas. A falta desta gera a pobreza econômica, que gera a miséria política. Povo pobre é povo inculto. Um povo inculto não se capacita a participar das decisões que norteiam seu país. Questiona-se, dessarte, haverá democracia plena onde não há condições, pela incultura, de o povo entender e, por conseguinte, de participar das questões nacionais? Daí resulta o exercício da meio-democracia, da meio-cidadania. País, repito, do mais ou menos.

É justo que a esta altura se indague: como reverter esse quadro? Concordo com Rubens Ricupero quando pondera que a justa distribuição de renda, e conseqüente erradicação da pobreza, não se pode dissociar de questões fundamentais, como o ajuste tributário e fiscal, políticas de geração de empregos, políticas agrárias, aliadas, evidentemente, ao crescimento e estabilização econômicos.

Para que empregos e salários sejam gerados é imperativo o crescimento econômico que, por sua vez, pressupõe investimentos, os quais dependem de financiamentos a juros compatíveis, com moeda e regras estáveis.

Diga-se ter o Real reduzido o imposto inflacionário, pago, em maior parte, pela população de baixa renda. Entretanto, o custo desta estabilização nos foi oneroso quanto ao aspecto distributivo. As elevadas taxas de juros e a sobrevalorização do câmbio acarretam a exportação de empregos. Enfim, o Estado brasileiro vê-se atropelado por encargos financeiros altíssimos, decorrentes da rolagem da sua dívida.

Concluímos daí, que, embora cresça a nossa receita, pois só a carga tributária atingiu 31% do PIB em 1995, tais recursos continuam a não implicar melhoria de condições de vida da população. A nossa dívida pública devora a maior parte dos recursos que, de outra sorte, serviriam à saúde, ao saneamento, à educação, à agricultura, etc.

Ressalte-se, ainda, a questão tributária e fiscal como instrumento distributivo. O nosso sistema tributário tem se revelado ineficaz e injusto e exige mudanças.

Medidas como imposto de sucessão ou sobre herança ajudariam a desconcentração de riquezas. Também o imposto patrimonial se faz boa alternativa nesse particular. Projeto pertinente do então Senador Fernando Henrique Cardoso vagueia, sem porto, pelo Congresso Nacional.

A privatização politicamente bem concebida e conduzida igualmente reforçaria a redução das nossas desigualdades sociais, criando novos empregos e aquecendo o nosso mercado interno.

Idéias, sugestões, não nos faltam. Carecemos, sim, de vontade política para mudar o que for preciso. É a estratégia do conservadorismo dinâmico, caracterizado pela proliferação de propostas, planos, declarações governamentais, pequenos e grandes comitês encarregados de estudos específicos, portando nomes pomposos.

Em suma, um verdadeiro aparato burocrático, cuja subjacente palavra de ordem é promover, com o máximo de barulho, o mínimo de mudanças possíveis.

Veja-se que "assim" não é necessário criar uma resistência aberta a uma nova redistribuição de renda, que fatalmente traria uma nova redistribuição de poder. Basta, simplesmente, deixar que o processo burocrático siga se arrastando em seu curso.

É, por conseguinte, passada a hora de repensarmos sobre a busca responsável da justiça social neste País. É passado o momento de fixarmos a nossa atenção numa indolente falta de vontade política para fazê-lo.

Finalizando, considero oportunas as palavras sábias de Reinold Neibur: "É a busca da justiça pelo homem que faz a democracia possível. Mas é a sua tendência à injustiça que a torna necessária."

Obrigado, era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/02/1996 - Página 1991