Discurso no Senado Federal

POSIÇÃO DE S.EXA. QUANTO A REFORMA DA PREVIDENCIA SOCIAL.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • POSIÇÃO DE S.EXA. QUANTO A REFORMA DA PREVIDENCIA SOCIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/1996 - Página 2100
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, ORADOR, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, SUPRESSÃO, BENEFICIO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, SEGURIDADE SOCIAL, APOSENTADORIA.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reforma da Previdência Social, pretendida pelo Governo e em vias de ser apreciada pelo Congresso Nacional, é a melhor demonstração da distância, em assuntos políticos e administrativos, entre os fatos e suas versões e do predomínio destas sobre aqueles nos veículos de comunicação social.

A versão social, repercutida na imprensa como expressão da verdade sobre o assunto, dá conta de um quadro catastrófico, com o sistema prestes a mergulhar numa crise financeira gigantesca e irremediável, se mantidas as atuais regras de custeio e prestações.

Daí a premência de aprovar-se uma reforma drástica, baseada na supressão imediata de inúmeros direitos e benefícios sociais, num verdadeiro desmonte do sistema. Ora, se há um assunto onde reina a mais absoluta desinformação e descontrole, muitas vezes consentidas, autorizadas, até mesmo estimuladas pelos sucessivos governos, é o das contas previdenciárias, seja do lado das receitas, seja do lado das despesas.

Infelizmente, pouca coisa mudou a este respeito desde os tempos do regime militar, quando os recursos da Previdência Social serviram até para o financiamento das iniciativas faraônicas dos ditadores de plantão, como no caso da Transamazônica, da Ponte Rio-Niterói, de Itaipu e tantos outros projetos megalomaníacos. Assim, ainda hoje não é diferente, sendo notória a promiscuidade entre as contas da Previdência e as do Tesouro, embora a Constituição de 1988 tenha feito a sua separação em orçamentos distintos: o da União e o da Seguridade Social.

Do lado das receitas, a situação de desinformação e desgoverno é ainda mais alarmente, quando se estima que a sonegação no setor iguale ou talvez seja até mesmo superior ao montante efetivamente arrecadado.

E o pior é que não devem ser de todo inverossímeis tais estimativas, pois o próprio Orçamento da Seguridade Social prevê para este exercício uma receita de mais de R$88 bilhões e um total de despesas com seus beneficiários de cerca de R$44 bilhões, e, não obstante estes números, ainda se admite o déficit.

Por outro lado, o tão decantado rombo da Previdência não foi confirmado, antes posto sob suspeita, quando em auditoria promovida ano passado o TCU constatou saldo acumulado na Previdência de cerca de R$2 bilhões.

Colocando-nos aqui na posição do contribuinte, como fugir da perplexidade: em que números, afinal, acreditar?

De todo modo, a simples notícia de haver indícios fortes de sonegação no âmbito da Previdência, a ponto de cortar pela metade suas expectativas de receitas, constitui, do ponto de vista do Congresso Nacional, matéria não propriamente para uma reforma previdenciária, mas até mesmo para uma CPI do setor.

Para o Congresso, não se trata aqui de legislar, mas, antes, de investigar e fiscalizar.

Para o Executivo, do mesmo modo, em face desses claros sinais de irregularidades, não compete propor a mudança de leis ou da Constituição Federal a propósito, mas, sim, usar a legislação existente para coibir as ilicitudes que determinam a sangria dos cofres previdenciários.

Como propor lei nova, se não se cumpre a lei vigente?

Quem garante que a nova regra seja cumprida pelo próprio administrador inadimplente da anterior? A leniência com a sonegação em tão gigantescas proporções gera, inevitavelmente, um ambiente suspeito de cumplicidade entre os fraudadores e a administração pública, o que, de forma alguma, autoriza esta última a propor qualquer reforma no sistema, que não passe, primeiro, pela recomposição de suas receitas, através de ações firmes, administrativas e judicias, de exigência desses créditos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, é evidente que uma sonegação de tal porte aponta para um problema gerencial da Previdência, cujo campo próprio de equacionamento é o administrativo e não o legislativo.

Imagine-se, numa analogia tão ao gosto do modismo neo-liberal em vigor, que um hipotético empresário, às voltas com créditos duvidosos da ordem de metade de seus ativos, desistisse de sua cobrança, preferindo, para compensar-se e evitar a realização desses prejuízos, não entregar mercadorias já vendidas, à vista, a seus clientes.

Tal comerciante, além de ineficiente para administrar seus negócios, estaria cometendo o ilícito penal da apropriação indébita.

Não é descabida a comparação com a posição do Governo na reforma administrativa, já que, ao invés de agir como administrador zeloso de seus créditos, perseguindo os devedores inadimplentes, procura livrar-se das suas obrigações já assumidas com terceiros de boa-fé, sonegando-lhes as prestações regularmente pactuadas.

Assim, ainda que se tratasse de matéria de ordem privada, haveria, no caso, lesão a dois importantes princípios da prática negocial, quais sejam, o da boa-fé dos contratantes e o da força obrigatória dos pactos civis.

E, note-se, em tema de previdência social cuida-se de matéria de ordem pública, de assento constitucional, o que torna os benefícios de natureza previdenciária verdadeiros direitos individuais protegidos pela garantia do art. 5º da Constituição Federal, na qualidade de direitos adquiridos, e, portanto, a salvo de modificação, mesmo que por emenda constitucional.

Como, então, intentar a supressão de tais direitos com o açodamento pretendido pelo Governo, aparentemente apenas para atender a seus problemas de caixa?

Como dar a um problema eminentemente conjuntural, resultado de mau gerenciamento por parte da administração pública, uma solução estrutural, com alteração do texto permanente da Constituição Federal?

Por outro lado, não se quer com isso dizer que não haja pontos positivos no substitutivo ao projeto do Governo, do Relator, Deputado Euler Ribeiro.

Pelo contrário, há naquele texto propostas dignas de aprovação, como, por exemplo, a adoção da gestão quadripartite da Previdência na busca de uma administração mais democrática e transparente.

Outro ponto positivo é o da proibição do uso de recursos da Seguridade Social em outras áreas de governo, através da arrecadação, fiscalização e administração das contribuições sociais atribuídas, com exclusividade, a órgão próprio integrante do sistema da seguridade social - o INSS -, e não através do Tesouro e do Ministério da Fazenda, como hoje é feito, com notórios prejuízos para a Previdência.

A manutenção das aposentadorias dos trabalhadores rurais e dos professores até o segundo grau na forma atualmente prescrita, bem como o combate a privilégios injustificados, representados por algumas aposentadorias especiais, são também dignos de aprovação.

Entretanto, o limite que nos parece intransponível para o legislador, na dita reforma, pelas razões jurídicas, sociais, éticas e até gerenciais, é o dos direitos adquiridos, tanto dos trabalhadores em geral quanto dos servidores públicos. Sobre estes, aliás, o substitutivo não poderia ser mais iníquo ao criar uma tripla exigência que deve ser cumulativamente satisfeita pelo servidor, que, para requerer a aposentadoria, deve provar 35 anos de contribuição, 55 anos de atividade e 10 de permanência na mesma função.

Estimativas recentes apontam que apenas 10% dos servidores conseguirão um dia aposentar-se debaixo de tais regras, o que deixa, portanto, 90% deles à margem do benefício da aposentadoria, tornados meros contribuintes compulsórios de um sistema que, de antemão, já se sabe, nunca lhes retribuirá com os proventos de uma inatividade merecida após toda uma vida de serviços e de tributação.

À vista de tudo isto, o que é preciso neste momento é não se passar o carro à frente dos bois.

Se o problema é administrativo e gerencial, se a sonegação é bilionária, como tudo leva a crer, por que não resolvê-lo com medidas de âmbito administrativo, e, ao invés, pretender sua solução no campo normativo, a golpes de mais legislação, e legislação de duvidosa constitucionalidade e eqüidade?

Insistir nos pontos mais controvertidos desta reforma e enfrentar uma questão administrativa como se legislativa fosse é ignorar a sede administrativa do problema e equivale, em primeiro lugar, a perdoar-se a inércia e a ineficácia do administrador público, incapaz de perseguir seus créditos e, pior que isso, equivale a premiar o sonegador com a impunidade.

Este o sentimento que estará presente no íntimo de cada Parlamentar, ao deliberar sobre a reforma da Previdência tão apressadamente querida pelo Governo: o de, implicitamente, estar concedendo anistia aos fraudadores e sonegadores da Seguridade Social e o de estar expressamente compactuando com a espantosa ineficiência da máquina arrecadadora do sistema previdenciário, como se se tratasse de uma fatalidade insuscetível de modificação.

Parodiando o próprio Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em uma de suas principais obras acadêmicas, é preciso não confundir as coisas, colocando cada uma em seu lugar.

E para finalizar, Sr. Presidente, como já disse, apenas 10% desses trabalhadores é que um dia poderão receber esses benefícios.

É lamentável a guerra de informação e desinformação que estabelece o Presidente da República através dos veículos de comunicação, confundindo e dizendo que a Previdência é um caos e que tudo precisa ser revisto se o problema, na verdade, é de ordem moral.

Deixo o meu posicionamento na tribuna do Senado pelo direito adquirido e pela garantia desses trabalhadores. Que prevaleça a Constituição, Sr. Presidente.

Na verdade, já estamos estudando uma CPI para que os verdadeiros dados da Previdência venha a ser esclarecido para a opinião pública brasileira, porque, na verdade, o Governo tem procurado, através dos seus instrumentos de pressão e relacionamento com as outras instituições, escamotear a verdade.

Sr. Presidente, era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/1996 - Página 2100