Discurso no Senado Federal

PRECARIEDADE DA PAZ NO ORIENTE MEDIO. SECTARISMO ENTRE OS JUDEUS PROVOCANDO MAIS UM ATENTADO TERRORISTA, ONTEM, EM TEL-AVIV.

Autor
Bernardo Cabral (S/PARTIDO - Sem Partido/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • PRECARIEDADE DA PAZ NO ORIENTE MEDIO. SECTARISMO ENTRE OS JUDEUS PROVOCANDO MAIS UM ATENTADO TERRORISTA, ONTEM, EM TEL-AVIV.
Aparteantes
Ademir Andrade, Antonio Carlos Valadares, José Ignácio Ferreira, Pedro Piva, Roberto Freire, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/1996 - Página 3543
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, HENRY SOBEL, REPRESENTANTE, JUDAISMO, BRASIL, YASSER ARAFAT, LIDER, PAIS ESTRANGEIRO, PALESTINA, VALORIZAÇÃO, PROCESSO, PAZ.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, ATENTADO, TERRORISMO, ATRASO, PAZ, ORIENTE MEDIO.
  • INFORMAÇÃO, EXPOSIÇÃO, FOTOGRAFIA, CONGRESSO NACIONAL, ASSUNTO, CIDADE, JERUSALEM, ORGANIZAÇÃO, GRUPO PARLAMENTAR, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL, EMBAIXADA ESTRANGEIRA.
  • ANALISE, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL, HISTORIA, IMIGRAÇÃO, POSSIBILIDADE, AUMENTO, FLUXO, TURISMO, INTERCAMBIO TECNICO.

O SR. BERNARDO CABRAL ( -AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 28 de janeiro o Jornal do Brasil, a página 16 trazia a lume uma entrevista do Rabino Henry Sobel. Eis o lead da matéria:

      "O Rabino Henry Sobel anda preocupado. Se, por um lado, acha que os judeus do mundo devem comemorar o processo de paz entre Israel e os palestinos, por outro assiste com apreensão ao avanço do fundamentalismo religioso. "Os judeus estão divididos," diz Sobel, que voltou sexta-feira de Israel. Lá, ele representou a Congregação Israel Paulista no Congresso Judaico Mundial, cujo tema principal foi justamente o fundamentalismo entre os judeus. Seu segundo compromisso seria impensável tempos atrás: um encontro com o líder palestino Yasser Arafat.

Ao longo da reportagem, Sr. Presidente, destaco os seguintes pontos:

      Paz

      "O processo de paz vai se transformar em realidade. Arafat liderou o movimento político, agora, lidera um povo."

Outro título:

      Palestinos

      "As eleições confirmaram que o comportamento de Arafat reflete o pensamento dos palestinos. Este é um momento histórico."

Sob o título Terra:

      "Para nós, moderados, a santidade da vida humana é muito maior que a santidade de um pedaço de terra."

Quando essa entrevista foi publicada, pudemos assistir, aqui neste Senado, à visita do Líder Arafat, quando S. Exª provou que estava realmente voltado para a paz com Israel.

Hoje, os jornais noticiam que a vista dos dois últimos terríveis incidentes ocorridos com terroristas suicidas levou Israel a criar um Estado-Maior para combater o terror. E um deles declara:

      "O governo de Israel decidiu criar um Estado-Maior especial antiterror para coordenar a luta contra os extremistas do Hamas, anunciaram membros do gabinete. Os israelenses vão também estabelecer uma "zona de segurança" na Cisjordânia...

Ora, observem que a paz, conforme aquela profecia, na entrevista do Rabino Sobel, da sua preocupação, começa a se manifestar. Tanto assim que um jornal israelense, antes do atentado de ontem em Tel-Aviv, registrava que 85% dos israelenses apóiam a separação "absoluta" de Israel dos palestinos. Estava aí um passo quase que absolutamente concreto para que aquela velha e quase insuperável tradicional briga entre os dois povos tivesse um ponto final.

A exemplo de Israel, o Estado de S. Paulo de hoje, na sua página A-13, traz a notícia de que Arafat decreta estado de emergência.

Destaco o seguinte trecho:

      "Yasser Arafat, presidente da Autoridade Palestina, impôs ontem estado de emergência nas zonas autônomas da Faixa de Gaza e Cisjordânia e pediu a ajuda de Israel para combater o terrorismo. "Depois desse novo atentado (num shopping center de Tel-Aviv, que deixou 13 mortos, incluindo o terrorista suicida), não há mais tempo para palavras, mas sim para ações rápidas", afirmou o líder palestino, para acrescentar: "Os terroristas não encontram respaldo apenas nos territórios autônomos palestinos, mas também no Exterior" (alusão a Síria e Irã)." Segundo o líder palestino, será difícil combater o terrorismo sem o apoio irrestrito de todos os países da região. Horas antes, Arafat havia participado de uma inédita manifestação em Gaza de repúdio aos atentados que reuniu pelo menos 10 mil palestinos no Estádio de Yarmuk."

Arafat declarara exatamente o seguinte:

      "Condeno energicamente esses atos de violência e, portanto, vamos trabalhar com Israel para erradicá-los completamente."

Não é apenas isso que me traz à tribuna. Aqui venho porque amanhã, exatamente às 18h, no Salão Negro do Congresso Nacional, pela primeira vez na América Latina, haverá uma montagem para uma exposição fotográfica intitulada O Espírito de Jerusalém. Isso se realizará em função de um convite que estão fazendo o Grupo Parlamentar Brasil/Israel e o Embaixador de Israel, Dr. Yaacov Keinan.

O Sr. Roberto Freire - Senador Bernardo Cabral, V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muito prazer, Senador Roberto Freire.

O Sr. Roberto Freire - Antes de V.Exª entrar talvez no objetivo do seu pronunciamento, gostaria de ficar na parte introdutória porque era minha intenção de falar sobre as tratativas de paz no Oriente Médio. Gostaria de dizer de nossa preocupação - acredito que deva ser a preocupação de todo brasileiro - quanto ao futuro da paz, que naquele Oriente distante foi resolvida entre dois povos, palestinos e israelenses, através de duas grandes figuras, dois grandes estadistas. Um, inclusive, assassinado pela sanha do sectarismo e do terrorismo. Gostaria de dizer da nossa preocupação e enfatizar que talvez esse evento que vai ocorrer no Salão Negro possa ser uma tomada de posição do próprio Senado a favor da paz. A Esquerda brasileira, os setores democráticos têm que nesse momento se pronunciar muito claramente em torno das figuras de Arafat, e do que significou Rabin, e o que significam os seus seguidores em Israel, para que os povos e a humanidade possam ter na continuidade da paz algo fundamental, qual seja, um processo civilizatório. Não podemos assistir passivamente à insanidade terrorista tal como estamos assistindo, nesse momento, naquela região. Gostaria de dizer que esse intróito do discurso de V. Exª, embora possa não ser a finalidade última, acredito que será o grande objetivo e é o que deve ser, por todos nós, nos associando ao Senado Federal brasileiro.

O SR. BERNARDO CABRAL - Tinha certeza, eminente Senador Roberto Freire, que não ficaria sozinho nesta tribuna. Quando vim para cá foi exatamente com a preocupação demonstrada que temos de brigar pela paz, cada vez mais. Depois do sacrifício do Premier Rabin, que o mundo inteiro lamentou, depois da vinda de Arafat a nossa Câmara mais alta, depois das conversas que com ele mantivemos e vimos seu propósito, depois dessa entrevista com um rabino que lá foi pessoalmente cumprimentá-lo depois de ter pedido uma audiência, não era possível que ficássemos silentes, sem condenar, como V. Exª acaba de fazer, esses terroristas suicidas, que não querem a paz e que tudo fazem a troco de nada, senão continuar na ardência de uma guerra que não mais tem razão de ser.

O Sr. Sebastião Rocha - V. Exª me permite um aparte, Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - Vou conceder, primeiramente, ao eminente Senador Pedro Piva, que já o havia solicitado, e a seguir ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Pedro Piva - Senador Bernardo Cabral, com a sua inteligência, com o seu conhecimento e com a sua autoridade de Presidente da Comissão Parlamentar Brasil-Israel, suas palavras calam fundo nesta Casa. Sinto-me orgulhoso de aparteá-lo, mesmo porque tenho na minha família e nos meus negócios laços com Israel e também com a colônia árabe. Tenho uma mulher que é filha de judeu com mãe brasileira, e, portanto, é brasileira, porque o ventre materno determina a religião, tenho uma nora árabe. Estou bem à vontade neste contexto de aprovar e de enaltecer as palavras que V. Exª acaba de proferir. Não há pessoa no mundo que não se lembre de Camp David, em 1979, o acordo selado entre os líderes Menahem Beguin e Anuar Sadat. Esta imagem é das mais fortes já fotografadas e divulgadas em todo o nosso planeta. Recentemente, uma revista - não sei se chegou a Brasília -, publicou em São Paulo os fatos mais marcantes do nosso século. Esse foi um deles, e V. Exª, com seu pronunciamento, determina o rumo, determina o método que devemos seguir, no Senado, de apoio à paz e ao contexto das ações, um apoio de todos contra a violência, Senador Bernardo Cabral, que a todos nós repugna.

Sua presença nesta tribuna é para nós um incentivo para rezar e trabalhar por essa paz.

Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral.

O SR. BERNARDO CABRAL - Quero dizer a V. Exª, Senador Pedro Piva, que desconhecia esse traço de união que V. Exª faz entre duas famílias, uma de origem judaica e outra de origem árabe. Aí está posto todo um arcabouço do significado da palavra paz. Dentro de sua própria família, V. Exª conseguiu fazer uma união que no Brasil, aliás, é sempre perseguida por várias famílias, uma vez que aqui não temos essa dicotomia. Ao desconhecer tal fato, vejo agora que isso valoriza o aparte de V. Exª.

Desse modo, V. Exª, que é de descendência italiana, acaba trazendo para o Plenário da Casa a significação maior do que é a palavra paz, porque foi de sua ascendência que saiu a célebre frase "faciamo l'amore, no faciamo la guerra". E aqui, agora, "faciamo la pace, no faciamo la guerra".

Assim, agradeço a contribuição de V. Exª para mais este tom significativo da palavra paz.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muito prazer, Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Bernardo Cabral, faço essa breve interferência no seu brilhante pronunciamento para felicitá-lo pela iniciativa louvável em fazer uma apologia da paz no Oriente Médio, uma vez que, naquela região conturbada pela guerra, muitas vidas foram ceifadas pela barbárie, pelo terrorismo, pela violência, pelo inconformismo diante da divisão existente entre palestinos e israelenses. Hoje, com a paz aceita pelos dois países conflagrados, o mundo inteiro aplaude o comportamento de homens civilizados, como Rabin, Yasser Arafat, que se sentaram à mesa de negociação e entenderam que os seus povos não poderiam continuar sofrendo as conseqüências, os efeitos de uma guerra fratricida. Acompanhando o noticiário de hoje, vejo com profunda preocupação que os atos de terrorismo podem incitar outros acontecimentos e, conseqüentemente, influenciarem a paz ali reinante. De modo que desejo me congratular com V. Exª e somar as minhas palavras às suas, no sentido de que aqueles dois povos encontrem os caminhos da paz, pois somente assim construímos a união entre os homens e o desenvolvimento da humanidade.

O SR. BERNARDO CABRAL - Diz muito bem V. Exª, Senador Antonio Carlos Valadares, porque o próprio rabino Henry Sobel, na entrevista que citei ainda há pouco, destacava que havia pedido um encontro com Yasser Arafat. Ao ser indagado como havia sido esse encontro, respondeu:" Ele me recebeu muito bem. Foi gentil e generoso." E, mais adiante, diz: "Acredito na pessoa do Arafat. O Arafat de hoje não é o Arafat de ontem. Portanto, devemos fazer as pazes com os palestinos. Disse para Arafat em nosso encontro, na semana passada, citando um provérbio da literatura rabínica: Quem é forte? Aquele que pode transformar o inimigo em amigo."´

Ora, palavras de um judeu que demonstra, na sua sabedoria, aquilo que o mundo sempre tem procurado: o significado maior da palavra paz.

Não é possível que haja pessoas insensíveis a ponto de se transformarem em terroristas suicidas, dizimando vidas inocentes como aconteceu, de sábado para domingo e, como, ainda ontem, ocorreu.

Agradeço o aparte de V. Exª

O Sr. Sebastião Rocha - Permite V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Sebastião Rocha - Na tarde de hoje, V. Exª analisa, com o brilhantismo de sempre, um dos temas que mais preocupam toda a humanidade: a paz. E ela precisa ser construída naquela região, sobretudo, de Israel com seus vizinhos, principalmente com os palestinos. Quero me associar a V. Exª, como homem também preocupado com a paz. Todos nós sabemos que a guerra é muito fácil de ser provocada; ela pode ser resultado de atos impensados, inconseqüentes, de irresponsabilidade e até ser provocada por ato isolado de qualquer pessoa, de qualquer autoridade, sobretudo das nações mais poderosas. Mas a paz é diferente. A paz, principalmente num ambiente conturbado como aquele, necessita realmente do esforço contínuo e da decisão interior dos homens que dirigem aquelas nações para que possa ser construída e, acima de tudo, ser definitiva, que é o que todos esperamos. Parabenizo V. Exª. Toda vez que V. Exª ocupa a tribuna desta Casa, nós, Parlamentares estreantes no Senado, sentimo-nos recompensados e orgulhosos de ter o privilégio de ouvi-lo e de participar de seu discurso com contribuições que estejam à nossa altura. Portanto, mais uma vez, meus parabéns e muito obrigado pelo aparte.

O SR. BERNARDO CABRAL - Obrigado, Senador Sebastião Rocha, sobretudo porque V. Exª, no exercício da Liderança do PDT, dá uma contribuição que enriquece o meu discurso. V. Exª demonstra, como médico que é de profissão, que apenas não está preocupado com o sentido da dor física, mas também com o sentido da dor moral, espiritual, que abala aqueles que são vítimas de um terrorismo dessa natureza.

O Sr. Ademir Andrade - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muito prazer, ouço o aparte do nobre Senador Ademir Andrade.

O Sr. Ademir Andrade - Senador Bernardo Cabral, gostaria de registrar uma preocupação. Os atos terroristas, praticados pelo grupo Hamas, podem levar a um processo de guerra e ao fim da paz. Israel está prestes a ter uma eleição. Parece que a intenção desse grupo é justamente fazer o sucessor de Yitzhak Rabin, que tanto defendeu a paz, perder essa eleição e colocar no poder daquele país aqueles que não aceitam a paz e querem a guerra.

O SR. BERNARDO CABRAL - Participo do raciocínio de V. Exª.

O Sr. Ademir Andrade - Fico extremamente preocupado e, como disse o Senador Roberto Freire, seria muito bom que as esquerdas deste País se preocupassem com essa situação e pudessem contribuir no sentido de interferir nesse processo. Que a exposição que se faz neste Senado possa auxiliar nesse intento, e que o Grupo Parlamentar Brasil-Israel também dê a sua opinião, interferindo - minimamente que seja - para que a paz prospere. Até os familiares de Yitzhak Rabin, inclusive sua esposa, dizem que nem os atos terroristas poderão terminar com o ideal de paz propalados por aquele estadista, que é o mesmo de Yasser Arafat. O que é lamentável é que esta paz pode ser perdida por uma eleição que se avizinha, provocada por esse grupo terrorista para que a guerra prevaleça. Gostaria que nós, Parlamentares, pudéssemos interferir, que a paz tão almejada por aqueles dois grandes estadistas possa, de fato, ser alcançada. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Quero dizer a V. Exª, Senador Ademir Andrade, que as expressivas Lideranças da esquerda deste Senado acabam de dar uma prova, começando pelo Senador Roberto Freire, passando pelo Senador Sebastião Rocha, pelo eminente Senador e ex-Governador Antonio Carlos Valadares e, agora, por V. Exª, de que realmente não há nada que dignifique tanto o ser humano quanto a sua vida, mas a sua vida em liberdade.

Ora, no instante em que, por meio de atos de terrorismo, se pensa coagir uma população que saiu de milênios de vida errante, que foi a população judaica, e que hoje encontra uma vivência de liberdade, de harmonia e de paz, não é possível que não se dê àqueles que têm a noção exata do que significa vida senão isso que acabo de ouvir das Lideranças de esquerda.

Permito-me, ainda, dentro de umas anotações que tenho, fazer uma consideração, já que foi superada a dicotomia Leste-Oeste que o imediato pós-Segunda Guerra engendrou. Foram vencidas as barreiras impostas pela rigidez do confronto ideológico, conforme acabamos de assistir ainda há pouco.

O que cabe agora, então? Cabe aos Estados agirem de modo a ampliar as diversas formas de intercâmbio, integrando-se aos padrões de Estados, por aquilo que se convencionou chamar uma economia efetivamente globalizada.

Aliás, é bom que se tenha a percepção do momento histórico, já que estamos vivendo um novo sentido conferido às relações internacionais. Hoje, mais do que em qualquer outra época, é imprescindível fixar pontes e estabelecer laços com todas as regiões, para tanto, necessário se faz conhecê-las em profundidade, partindo do princípio de que, nos dias atuais, nenhuma parte do mundo é área de interesse exclusivo das grandes potencias.

A esse respeito, o Oriente Médio simboliza, com perfeição, o grau de dificuldade que o Brasil tem, historicamente, demonstrado na implementação de sua política externa. Quer pelo reconhecimento na região de uma área de atuação hegemônica das maiores potencias mundiais, sobretudo, como dizia ainda há pouco, a partir da Segunda Guerra, quer por não conseguir entender os mecanismos de funcionamento das sociedades locais, o certo é que a inserção do Brasil no Oriente Médio quase sempre se deu de forma epidérmica, calcada em contatos eventuais.

Ora, se é evidente a crise energética, manifestada com aguda intensidade nos primeiros anos da Década de 1970, não menos evidente é a exposição dramática que a dependência da economia brasileira ao fornecimento de petróleo estrangeiro se fez presente, sobretudo do Oriente Médio.

O ex-Chanceler Saraiva Guerreiro, com quem tive o prazer de conviver, em um livro-depoimento publicado em 1992, declarou, e aqui está a anotação, "a partir de 1973, e ainda mais a partir de 1979, os Estados árabes, grandes produtores de petróleo, adquiriram importância internacional excepcional. Com os preços do petróleo tendo triplicado e depois sextuplicado, alguns países, como o Brasil, muito sofreram".

O fato é que a ação diplomática brasileira na região, ao longo do século XX, especialmente até o final da década de 1960, teve na eqüidistância sua característica essencial. As alterações verificadas a partir dos anos 70 foram muito mais uma decorrência do modelo de desenvolvimento econômico nacional então implementado do que propriamente o reflexo de uma política externa brasileira formulada para a região.

As relações entre Brasil e Israel, por exemplo, inserem-se nesse quadro geral mas, ao contrário do que ocorre com os demais países do Oriente Médio, devem ser entendidas a partir da singularidade da presença judaica na formação histórica do Brasil.

A presença judaica no Brasil remonta aos primeiros passos da colonização, no início do século XVI. Liderando um grupo de judeus portugueses, Fernando de Noronha apresentou ao Rei D. Manuel a primeira proposta de colonização do território brasileiro, aceita e firmada já em 1503. Antes disso, aliás, a própria expedição comandada por Pedro Álvares Cabral contava, na condição de Capitão-mor de um dos navios, com a presença de Gaspar de Lemos, judeu, incumbido de regressar a Portugal para comunicar a posse da terra recém-descoberta.

Dois dos primeiros núcleos de povoamento estabelecidos no Brasil - anteriores ao processo regular e efetivo de colonização, que se dá com a criação das Capitanias Hereditárias, em 1534, e do Governo Geral, em 1548 - eram lideradas por pessoas procedentes de famílias judaicas portuguesas: na Bahia, Diogo Álvarez Correa - Caramuru, dava início ao que mais tarde seria a cidade de Salvador; João Ramalho, por sua vez, fundava o povoado de Piratininga, no planalto de São Paulo.

O primeiro Governador-Geral do Brasil, Tomé de Souza, também era de origem judaica. Com os amplos poderes conferidos pelo "Regimento Geral", a administração de Tomé de Souza representou a consolidação do projeto colonial português para o Brasil, assentado fundamentalmente na agroindústria açucareira.

O historiador Manoel Diégues Júnior - e isso vem a termo por causa do aparte do eminente Senador Pedro Piva - em seu livro Etnias e Culturas do Brasil, é enfático quando à expressiva e numerosa presença judaica na colonização do Brasil: "Os judeus vindos para o Brasil eram os chamados sefardins, isto é, da própria Península Ibérica: Portugal e Espanha. Com eles desenvolve-se uma imigração judaica para o Brasil nos séculos que precedem a Independência. Tornaram-se de extraordinária importância para a história do Brasil colonial. Com a atuação do Tribunal do Santo Ofício, na Bahia de 1593/95 e, em Pernambuco, em 1593/95, novamente na Bahia em 1618, os judeus que, a princípio, se encontravam nas duas capitanias, dispersaram-se por todo o Brasil e principalmente para o Sul".

A emigração dos sefardins para o Brasil, no período colonial, foi constante, malgrado as dificuldades eventualmente interpostas. Assim, quando o governo de Lisboa proíbe a emigração dos judeus em 1567, muitos sefardins vieram para o Brasil, provenientes da Holanda, país para o qual haviam emigrado.*

O Sr. José Ignácio Ferreira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Senador Bernardo Cabral, V. Exª já deixou o enfoque inicial e agora passeia pelo fluxo da história do País, fazendo referência aos principais fluxos migratórios judaicos para o Brasil nas diversas oportunidades em que isso ocorreu. Gostaria, no entanto, de me centrar no episódio inicial que foi o nascedouro da sua exposição...

O SR. BERNARDO CABRAL - E gostaria que V. Exª assim o fizesse, pois lá na frente do meu pronunciamento voltarei a abordar o assunto da paz. De modo que o ouço, pois o aparte de V. Exª não quebra a linha do meu discurso.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Realmente o problema judaico, ou seja, a saga dos judeus sempre me sensibilizou muito. Tenho acompanhado pela história a evolução dessa caminhada dolorida dos judeus, a pulverização desse povo pela Europa e pelo mundo e depois o processo de confluência deles no Oriente Médio, seguido da série de conflagrações que isso produziu. E agora, numa seqüência de tese, antítese e síntese, o surgimento da paz que todos nós buscamos e que está ameaçada pelo fantasma do terrorismo que a todos indigna, estarrece e choca. Eu queria dizer a V. Exª que quando o Campo de Concentração de Auschwitz comemorava 40 anos de sua reabertura, eu estive na Polônia. E a 20 quilômetros de Varsóvia visitei o campo. A neve caía. Fui a um alojamento onde ficavam os judeus. E fiz aquele percurso até chegar à câmara de gás. Entrei na câmara de gás, parei e pensei, medindo o percurso daquele alojamento até à câmara de gás. Eu parava e dizia: o que fazia essa gente vir feito cordeiros, feito carneiros, tangidos, às vezes, por um cape, que era às vezes algum judeu desgarrado que eventualmente servia de guarda. Eles chegavam até à câmara de gás sabendo que iam morrer. O que fazia com que essa gente não reagisse? A resposta nos vem logo. As pessoas só reagem contra qualquer máquina, seja máquina de guerra, seja máquina autoritária, quando a máquina ainda não está pronta. Depois que está pronta, não se consegue mais lutar contra ela. Quer dizer, no momento em que se luta contra o autoritarismo depois que o autoritarismo já se instalou, é muito mais penoso. O totalitarismo é pior ainda. Quando vemos o início da montagem de uma máquina de guerra, quer dizer, a paz sendo destruída pelas beiradas, por aqueles que querem a guerra, não querem a paz. Tememos que se esteja montando uma máquina de guerra, para tirar de nós o objetivo de pacificação que todos queremos alcançar. Quer dizer, devemos lutar qualquer ação que malbarate a convivência, que a disperse, que impeça as pessoas de resolverem seus conflitos mediante o contato pessoal, mediante instituições que elas mesmas erijam e que permitam que o social fale por elas e que dentro dos alvéolos da construção da sociedade organizada surja forte a cidadania reivindicante, criativa, crítica. Enfim, devemos lutar contra qualquer ação que vise destruir isso pelas bombas do terrorismo, pela inconseqüência daqueles que querem a guerra. Por quê? Porque é a ação que leva à construção de uma máquina que não queremos, contra a qual depois não poderemos lutar. Tenho naturalmente a oportunidade de dizer isso ao Senado e a V. Exª, na hora em o nobre colega faz um discurso muito oportuno e muito certeiro. Temos de dizer permanentemente não ao terrorismo, não à inconseqüência, não à irresponsabilidade criminosa daqueles que não querem que se estabeleçam normas de convivência. Temos de impedir que esse tipo de máquina surja, porque depois será muito difícil lutar contra ela. Temos enorme simpatia pela saga dos judeus, temos enorme simpatia por eles exatamente pelo que expressam de qualificação pessoal. O povo judeu tem figuras da maior expressão na história do mundo, nas letras, nas artes, na cultura de um modo geral. Permanentemente vemos pessoas de origem judaica se destacarem na vida da humanidade. Tenho enorme simpatia pela história de vida desse povo, pela característica singular exibida pelas figuras eminentes que dele fazem parte. Quero, nesta oportunidade, felicitar V. Exª e dizer-lhe que me sintonizo com isso como homem que acredita na força da paz e está convencido de que sempre temos de lutar contra qualquer coisa que vise montar qualquer tipo de máquina. Temos de dizer chega à bofetada do policial, à do laranjeiro da esquina, ao tiro que é dado lá fora, à bomba que explode no ônibus. Temos de dizer não a tudo para não deixarmos que essa máquina seja montada.

O SR. BERNARDO CABRAL - Agradeço-lhe o aparte, Senador José Ignácio, e a lembrança que V. Exª traz ao meu discurso. Talvez eu não registrasse esse fato que ocorreu nos campos de concentração, sobretudo nos da Polônia, nos guetos de Varsóvia, na Rua Vila 13, no campo de Auschwitz, que V. Exª citou. Devo fazer uma revelação a V. Exª - não sou judeu, não tenho nenhum parente judeu, pelo menos por nascimento não o sou, não obstante muitas vezes o sejamos por escolha : fui o primeiro brasileiro a receber o título de professor honorário da Universidade de Telaviv,o que aconteceu em 1984, portanto, há doze anos, lembro-me que o segundo foi o cirurgião plástico conhecido no País inteiro, que dispensa qualquer registro: Ivo Pitangui, que, por coincidência, tomou posse com a minha beca. Naquela cidade, tive oportunidade de visitar o Museu do Holocausto. Ali, há doze anos, a terrível lembrança, toda documentada, deu-me a certeza de que o povo judeu perseguia a paz.

Esta paz está demonstrada com o encontro que houve entre o Primeiro-Ministro Rabin, brutalmente assassinado e susbstituído por Shimon Peres, e Arafat, mostrando que ele e Arafat tinham superado brigas de milêmios. Quando isso aconteceu eu me recordei daquela visita, como V. Exª agora recorda a que fez. Portanto, nós, os dois, podemos dizer de viva voz que a longa caminhada para a paz vale a pena ser feita. Nós, advogados, temos sempre dito que a guerra talvez seja um meio para obter um direito, mas a paz é a única forma de obtê-lo. Essa é a paz que hoje defendemos e definimos. A esquerda, o centro, a direita, todos, independentemente de qualquer conotação política ou ideológica, lutamos pela paz, porque não é mais possível mediante brutais crimes cometidos por terroristas suicidas chegar à paz.

Sr. Presidente, tenho a certeza, por conhecê-lo, que V. Exª se associa aos termos de tudo aquilo que foi dito aqui pela paz.

COMPOR PÁGINAS NºS 609/1 À 609/5 (CONTINUAÇÃO DO DISCURSO DO SENADOR BERNARDO CABRAL)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/1996 - Página 3543