Discurso no Senado Federal

INDIGNAÇÃO DIANTE DA AUSENCIA DOS GOVERNOS ESTADUAL E MUNICIPAL NAS TRAGEDIAS DO RIO DE JANEIRO, DECORRENTES DAS FORTES CHUVAS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • INDIGNAÇÃO DIANTE DA AUSENCIA DOS GOVERNOS ESTADUAL E MUNICIPAL NAS TRAGEDIAS DO RIO DE JANEIRO, DECORRENTES DAS FORTES CHUVAS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/1996 - Página 2362
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, RELAÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • REGISTRO, FALTA, INTERESSE, AUTORIDADE ESTADUAL, AUTORIDADE MUNICIPAL, AUXILIO, VITIMA, CHUVA, EXECUÇÃO, MANUTENÇÃO, OBRA PUBLICA, CONTROLE, INUNDAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, POPULAÇÃO, MOTIVO, AUSENCIA, PODER PUBLICO, ASSISTENCIA, VITIMA, INUNDAÇÃO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, agradeço ao nobre Senador Eduardo Suplicy pela gentileza da permuta.

Não poderia deixar de vir a esta tribuna para colocar o fato conhecido por meio da imprensa, que não retratou 50% da tragédia ocorrida em várias regiões do Estado do Rio de Janeiro.

Dentre os mortos e desaparecidos, diversas pessoas ainda não foram encontradas, porque o serviço de busca foi cessado. Há um apelo das comunidades no sentido de que dêem continuidade a esse processo; entretanto, até o momento, não conseguimos saber qual a posição do Poder Público sobre a continuidade da busca de corpos, que, provavelmente, ainda estejam em lagoa e em rios. Os familiares têm procurado os desaparecidos sem sucesso.

Venho a esta Casa não apenas como representante do Estado do Rio de Janeiro, mas também como uma cidadã indignada, porque os Governos, do Município e do Estado, atribuíram à fatalidade os fatos ocorridos naquele Estado, numa demonstração cabal de despreparo para administrar um Estado e uma cidade como a do Rio de Janeiro.

Essa fatalidade, sobre a qual nós verdadeiramente não temos domínio - os fenômenos da natureza -, foi por várias vezes abordada desta tribuna por mim, ocasiões em que responsabilizava os Governos do Estado e do Município como responsáveis por não fazerem contenções de encostas e de não atenderem às reivindicações das comunidades.

Ouvimos um administrador, que deveria, com responsabilidade, fazer as obras necessárias, pedir que o povo rezasse. E foi esse pedido que me trouxe anteriormente à tribuna. Daqui falei que o povo não tinha votado em nenhum santo, mas no Prefeito da cidade do Rio de Janeiro; portanto, a responsabilidade era dele. No momento dessa grande tragédia, ouvimos também das autoridades que os pais deveriam ter livrado os seus filhos da morte, da lama, da enchente. Isso é um absurdo, um desrespeito, desumano. Foi o que vimos.

O retrato da desgraça e do descaso está em Jacarepaguá, que lidera nesse contexto. Ali constatamos que a tragédia foi maior. As regiões atingidas ainda não obtiveram solução para os desabrigados. Alguns estão em CIEPs, com ordem para desocupar hoje, porque as aulas começaram no Estado do Rio de Janeiro.

A Cidade de Deus foi projetada para vinte mil habitantes, hoje tem aproximadamente 120 mil. Não é possível que, durante todo esse tempo, os governantes não tenham tido sensibilidade para atender aquela comunidade. Mas é uma comunidade organizada, e a liderança da associação de moradores pôde ali criar a Cooperativa Habitacional Prosperar, para viabilizar a construção das chamadas casas populares, a fim de retirar da beira do rio as pessoas que haviam se instalado ali, pois não tinham condições de ficar em outro lugar.

Na Cidade de Deus, as reivindicações já estavam sendo feitas há alguns anos. Mostraram-me documentos comprovando que, em 1992, eles já reivindicavam a limpeza, a dragagem do rio, tanto do Banca Velha quanto do Rio Grande; reivindicavam a desobstrução das redes de esgotos, já antigas, com mais de vinte anos; reivindicavam a remoção das casas de triagem daquelas pessoas que, desde 1966, ali se encontravam. Algumas delas ainda permanecem lá.

Casa de triagem é um barracão de compensado, onde se atende mais de cem famílias e onde há dez banheiros coletivos. A promessa feita em 1966 não foi cumprida e a remoção não foi realizada.

Aquela comunidade se reuniu, criou essa cooperativa e buscou apoio junto ao Governo Estadual e ao Prefeito da época; mas não obtiveram nenhum respaldo. Constatamos isso pelos ofícios mandados, pelas cópias dos documentos que enviaremos ao Presidente da República.

Sou portadora de um pedido de audiência pública e quero convidar os Srs. Senadores para, juntos, atendermos a reivindicação dessas comunidades. Vou falar com o líder do Governo nesta Casa sobre o pedido de audiência ao Presidente da República. A comunidade pede essa audiência e, ao mesmo tempo, pede desculpas.

Quero ler aqui trecho do ofício em que a comunidade pede uma audiência intitulado: "SOS Presidente da República".

Diz o texto, a certa altura:

      Pedimos desculpas ao Excelentíssimo Senhor por ter de procurá-lo, tendo em vista que o Estado do Rio tem seus próprios administradores. Mas o fato é que, desde o ano de 1992, a comunidade vem solicitando, insistentemente, limpeza, dragagem, contenção de encostas e remoção de duas mil e quinhentas famílias, que construíram suas casas em zonas de alto risco.

Sr. Presidente, pude observar que o Governo tentou, de certa forma, passar a idéia de que estava impossibilitado de atender às reivindicações. Uma delas, a dragagem dos rios, não foi considerada prioritária em 1992.

Agora, após as chuvas torrenciais, foram retirados vários corpos dos rios e insistiram em levar algumas dessas pessoas para o outro lado do rio. Por que para o outro lado do rio? Porque estão construindo outras casas de triagem no local onde eles já haviam removido pessoas por constatarem que por ali passava gás e havia lixo, o que poderia trazer transtornos à saúde daquela população.

Pois bem, as famílias que ali estavam e que depois foram removidas, haviam criado uma certa infra-estrutura para permanecerem naquele local. Agora estão sendo recolocadas no mesmo lugar onde não existe mais a infra-estrutura anterior. Essas pessoas ficarão num lugar onde há uma corrente de ar que passa constantemente e, sendo assim, um vento mais forte poderia derrubar aquelas casas de triagem. Além disso, por ali não passa ônibus. Ou seja, lá não há transporte, não vai há escolas, não há esgotos, enfim, não há absolutamente nada porque eles já destruíram a infra-estrutura que existia anteriormente.

Uma pesquisa aponta como responsáveis tanto o Governo do Estado como o Prefeito da cidade do Rio de Janeiro. Ainda que não queiram, são responsáveis porque os documentos constatam que eles foram avisados. São também responsáveis porque o Instituto Nacional de Meteorologia - e a revista Veja publicou - previu essa calamidade no Rio de Janeiro.

Já estivemos na França e nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, constatamos a passagem do último furacão na Flórida, que foi muito pior e onde houve um número de mortos menor do que no Rio de Janeiro. Isso demonstra que há uma ausência do poder público aqui. E essa ausência ocorreu, inclusive, durante o período da tragédia.

Eu, representante do Estado, estava em Cuba. Diante da tragédia, voltei para o Estado do Rio de Janeiro para dar a minha solidariedade material, já que não sendo do Executivo, não poderia fazer absolutamente nada.

O poder público se ausentou, apenas cumpriu a sua agenda, deixando que o povo ficasse lamentando a perda dos seus entes queridos.

Senti profunda angústia e impotência infinda quando olhei para aquelas pessoas e vi tudo destruído. Perderam tudo! Verdadeiramente perderam tudo, porque além de bens materiais perderam suas famílias.

O jornal O Dia publicou que uma criança, que estava nos braços do Prefeito quando, como candidato, prometia o mundo ao povo, foi levada pela enchente, porque ele não cumpriu suas promessas e não fez o saneamento necessário para a Cidade de Deus.

É uma irresponsabilidade candidatar-se com o chamado título de competente e deixar a cidade um caos. Hoje a cidade do Rio de Janeiro é um caos; é um caos para os favelados, para os pobres e para a classe média, tal a incompetência da administração pública do Município do Rio de Janeiro.

O Prefeito diz que não recorrerá ao Governo Federal porque tem dinheiro. Na verdade tem, mas não estabeleceu prioridade para essa população, não teve compromisso social com ela. Essa gente sofrida ainda vai enfrentar dificuldades por muito tempo, porque, em vez de atenderem às suas necessidades, os administradores da cidade estão argumentando que os bandidos, que eles alimentaram pela sua ausência, estão impedindo a prestação do serviço. E isso é uma mentira, é uma forma de escamotear sua incompetência, é uma forma de transferir sua responsabilidade.

Estive na comunidade e não vi patrulhas, carros; sequer vi a presença de algum representante do poder público. O povo está revoltado. Essa revolta prejudica o País, prejudica inclusive o momento eleitoral.

Como votarão os moradores do Estado do Rio de Janeiro diante da tragédia e da ausência do poder público? Como estará a consciência dessas pessoas? Irão provavelmente anular seus votos, deixando de comparecer às urnas e contribuindo, inconscientemente, para que aventureiros sejam eleitos sem a responsabilidade de administrar a cidade para o asfalto e para os morros.

Essa é questão para a qual temos de chamar a atenção. Os recursos existem e não estão sendo aplicados. Não querem aplicá-los. Por que não pedir ajuda ao Governo Federal? Porque seria referendar a sua incompetência. Seria dizer que verdadeiramente não conseguiram administrar bem.

A população, nós, representantes do Estado do Rio de Janeiro, e as lideranças das comunidades estamos buscando o apoio desta Casa, da Câmara dos Deputados e do Governo Federal, para que os recursos necessários sejam enviados para a cidade do Rio de Janeiro. É preciso que fiscalizemos essas ações, para que não haja nenhum desvio. Dezessete municípios foram atingidos e o Município do Rio de Janeiro foi o que mais sofreu. Não queremos que haja desvio desses recursos. O Rio de Janeiro precisa de proteção e de todo respaldo; não pode continuar sendo essa cidade vazia, vazia do poder público.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer, mais uma vez, um apelo como representante daquele Estado, porque tenho sofrido cotidianamente com esses fenômenos. Sei perfeitamente o que é isso, porque, em 1966, com meus filhos, perdi meu barraco em virtude de desabamento e só em 1989 o poder público chegou para fazer as primeiras obras de contenção. Em 1966, vimos famílias morrerem, barracos deslizarem, não porque os barracos não eram bem-feitos - pelo contrário, eram muito bem-feitos -, mas porque não haviam sido realizadas obras para contenção de encostas.

Não podemos ser desumanos. Não podemos promover megashows, gastar fortunas e não ter a sensibilidade de abrigar aquelas pessoas.

Por isto, faço este apelo.

Sr. Presidente, encaminho à Mesa, para registro, as documentações que comprovam que as reivindicações foram feitas há anos e que o poder público tomou conhecimento delas, mas nada fez.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - Pelo que pude depreender, no Rio de Janeiro há extraordinária preocupação da população em relação a certas decisões tomadas pelo Prefeito César Maia e pelo Governador Marcello Alencar com respeito ao que fazer com os recursos públicos. O que se nota, até mesmo pelas pesquisas de opinião, é que há crítica muito severa a ambos os governantes e, em especial, ao fato de terem tomado inúmeras deliberações sobre o uso de recursos públicos em obras que não representaram prudência, sobretudo com respeito à possibilidade de prevenir aquilo que agora constitui desastre, seja na Cidade de Deus, seja em Jacarepaguá, seja em inúmeros outros lugares da cidade de V. Exª. Avalio, portanto, que é da maior importância a análise que V. Exª traz para o Senado Federal. Também é importante que o diagnóstico de V. Exª seja levado ao Executivo Federal para que resulte em coordenação de esforços nos três níveis, mesmo sendo V. Exª Senadora opositora ao Prefeito do Rio. Após a eleição para Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, quando eleito César Maia, V. Exª trouxe um diagnóstico do que poderia ser um caminho alternativo.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª e concluo dizendo que nesta hora não importa se somos oposição ou situação; importa é arregaçar as mangas e dar prioridade a essas políticas e, quando houver qualquer iniciativa, mesmo sendo do Prefeito, do Governador do Estado ou do Governo Federal, darmos as mãos e fazer com que isso se torne realidade, a fim de que o povo da cidade e do Estado possam voltar a ser felizes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/1996 - Página 2362