Discurso durante a 10ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO PRIMEIRO CENTENARIO DO TEATRO AMAZONAS, COM APRESENTAÇÃO DO TENOR JOSE CARRERAS.

Autor
Bernardo Cabral (S/PARTIDO - Sem Partido/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO PRIMEIRO CENTENARIO DO TEATRO AMAZONAS, COM APRESENTAÇÃO DO TENOR JOSE CARRERAS.
Aparteantes
Benedita da Silva, Jefferson Peres, José Ignácio Ferreira, José Sarney, Marina Silva, Ney Suassuna, Pedro Simon, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 05/03/1996 - Página 3409
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, TEATRO, ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, JOSE CARRERAS, CANTOR, SOLENIDADE, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, TEATRO, ESTADO DO AMAZONAS (AM).

O SR. BERNARDO CABRAL ( AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última sexta-feira, comunicava à Casa que hoje ocuparia a tribuna para reportar-me a um acontecimento que para uns pode não ter o destaque necessário, mas para quem é amazonense merece um registro maior. Alertei que falaria após a Ordem do Dia para dispor dos 50 minutos que V. Exª acaba de anunciar.

O último dia 27 de fevereiro assinalou, em Manaus, o início das comemorações do primeiro centenário do imponente Teatro Amazonas.

Contando com a presença do Excelentíssimo Presidente da República, cujo gesto confere ao ato a verdadeira dimensão do seu significado para a cultura nacional, ocorreu o lançamento, pelos Correios, do selo comemorativo do centenário.

Em seguida, em noite de gala que veio reviver o período áureo do Teatro, foi a vez da apresentação de José Carreras. Mundialmente reconhecido com um dos três maiores tenores em atividade, Carreras contou, em seu memorável concerto, com o brilhantismo da Orquestra Sinfônica Brasileira.

No texto de apresentação do bloco filatélico que homenageia os cem anos do Teatro Amazonas, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos foi extremamente feliz ao sintetizar, realçando o essencial, o papel histórico do Teatro: "Inaugurado em 1896, o Teatro Amazonas recebeu uma infinidade de companhias estrangeiras e nacionais, numa sucessão de apoteóticas apresentações. Com cem anos de história, palco de cultura e aplausos, o Teatro Amazonas representa um monumento à arte, nascido de um sonho pretensioso de refinamento, alentado pela opulência econômica de uma época histórica."

Tal como fizeram os Correios, a Casa da Moeda estará participando da programação alusiva à grande data. No próximo dia 10 de abril, será lançada a medalha comemorativa do centenário do Teatro. O escritor amazonense Professor Mário Ypiranga Monteiro está lançando a segunda edição do seu livro "Teatro Amazonas".

Saiba, Sr. Presidente, que, ao registrar da tribuna do Senado Federal tão significativa efeméride, eu o faço na mais absoluta certeza de estar focalizando não apenas o símbolo da cidade de Manaus, mas um dos mais expressivos marcos culturais brasileiros.

Obra monumental, o Teatro Amazonas, oficialmente inaugurado em 31 de dezembro de 1896, teve sua construção iniciada em 1891, a partir do projeto vitorioso apresentado pelo Gabinete de Engenharia de Lisboa. Tendo no Governador Eduardo Ribeiro seu mais entusiasta incentivador, as obras prolongaram-se por cerca de 17 anos, embaladas pelo sonho de fazer do teatro uma referência obrigatória na história da arquitetura regional.

Gosto apurado e férrea disposição uniram-se no esforço da construção da extraordinária casa de espetáculos. Em junho de 1884, os jornais de Manaus começaram a falar das obras, atrasadas por falta de pedra. Como ensina o grande mestre Mário Ypiranga Monteiro: "A cantaria é das pedreiras da cidade, parte obtida das quedas d'água do Bairro da Cachoeirinha e parte da antiga Rua da Pedreira, de onde se obtinham as pedras toscas para calçamento. Além dos profissionais de primeira linha, trazidos de toda parte, o material empregado na construção indicava, pela procedência, o compromisso de se fazer o melhor. Assim, da Alsácia vieram as telhas de vidro que ainda hoje rebrilham no sol amazônico; de Paris chegaram as grades de ferro para os camarotes, frisas e balcões, além da armação da cúpula e dos móveis em estilo Luiz XV; Marselha forneceu as telhas vitrificadas; de Glasgow veio o vigamento de aço das paredes; vasos de porcelana, candelabros, mármores, pórticos, estátuas, colunas lustres e espelhos de cristal foram importadas de Veneza (Itália)."

"Toda o lajeado ainda existente em torno do Teatro Amazonas, chamado Pedra de liós de Lisboa, (calcário e não mármore propriamente dito). Os mosaicos, de que nada mais resta, pilhados durante vários governos, vieram por negociação com a Casa Koch-Frères, fabricados especialmente na França. As escadarias de mármores e interiores perderam-se no sinistro do navio Santarense, em 1896, também fornecida pela Casa Koch-Frères. Como não havia muito tempo para vir outras - aproximava-se rapidamente a data da inauguração -, foram substituídas por escadarias de madeira tipo Romeu-Julieta (acapu-pau amarelo, madeiras da nossa região).

"Para o luxo requintado do Teatro Amazonas vieram cortinas de Damasco, tapetes persianos, veludos, rendas. Os camarotes eram guarnecidos de bambinelas de veludos de reps carmesim com berloque de fios de ouro. A balaustrada dos camarotes e frisas igualmente, e todos eles providos das respectivas "damas-de-sala". A decoração interna foi executada com brilhantismo por artistas italianos e pelo cenógrafo pernambucano Crispim do Amaral."

"A pintura do forro do teto é a alegoria intitulada "Glorificação das Belas-Artes na Amazônia", uma pintura que mistura mitologia grega com motivos da floresta tropical. A disposição da platéia imita uma lira musical. O teto projeta-se como se fosse a Torre Eiffel vista de baixo, com um lustre de bronze francês ao centro. A porta que dá acesso ao salão de espetáculos é ornamentada com imitações de produtos regionais como o látex e o guaraná. Outra obra que chama a atenção é o pano de boca do palco. Pintado por Crispim do Amaral, retrata o encontro das águas do Rio Negro e do Solimões."

"No chamado "acervo artístico" do teatro, há bustos de gesso de Gonçalves Dias, José de Alencar, Carlos Gomes e Martins Pena, todos feitos pelo italiano Domenico De Angelis."

Não se discute que as condições para a construção do teatro, com sua monumentalidade e o padrão de requinte que ainda hoje chama a atenção, foram dadas pela vitalidade econômica conhecida pela região ao final do século XIX. Julgo, no entanto, perversa e destituída de fundamento a visão que alguns ainda têm segundo a qual a obra refletia "o delírio da alta cultura no meio da selva" ou o "exótico delírio preciosista" de uma elite que rapidamente fez fortuna.

Passados cem anos de sua inauguração, penso não ser exagero entender o Teatro Amazonas numa dimensão muito superior à da construção arquitetônica. Nessa perspectiva, mais que símbolo da cidade de Manaus, "ele passou também a marcar, como um exemplo de heroísmo cultural, toda a região", na sábia observação de José Joaquim Marques Marinho, Superintendente de Cultura do Estado do Amazonas".

Imaginar o Teatro Amazonas apenas como uma linda casa de espetáculos - malgrado a extraordinária força da beleza que emana de suas formas - é não ter a necessária sensibilidade para compreender a carga simbólica que representa. Como bem assinalou Marinho, sendo síntese, "o Teatro Amazonas é o espetáculo simples e de casa lotada das toadas amazonenses às sapatilhas esplendorosas de Dame Margot Fonteyn".

Encravado no seio da milenar floresta, o secular teatro também é símbolo da luta pela preservação da cultura da terra, ao mesmo tempo em que reconhece e valoriza o patrimônio cultural que a humanidade construiu. Daí sua trajetória, em que o universal se mescla com o local, espaço aberto ao "cantar dos índios e dos pássaros, num palco que já viu passar óperas e operetas, discursos e teses, mocinhas e bandidos, e até seus famosos fantasmas." Nisso consiste, fundamentalmente, a real magnitude do Teatro Amazonas.

A Sra. Benedita da Silva - Permite V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com prazer, ouço V. Exª.

A Sra. Benedita da Silva - Senador Bernardo Cabral, dificilmente peço aparte, porque sempre o orador me encanta e eu não me sinto com coragem para apartear, a fim de que não haja uma quebra de raciocínio. Mas, neste momento, estou viajando poeticamente em sua narração. Não sendo amazonense, estou, mais com o sentimento do que com o conhecimento, entendendo a importância do discurso feito por V. Exª, desse resgate histórico. Como bem colocou V. Exª, o Teatro Amazonas não é apenas uma casa de espetáculos. Eles traz uma contribuição histórica até mesmo do ponto de vista das relações internacionais. Mais do que isso, na construção, soma-se a inteligência brasileira ao patrimônio trazido, que se misturam com os nossos recursos naturais, as nossas pedras preciosas, o que faz desse teatro uma das maiores belezas do mundo. Por outro lado, o pronunciamento de V. Exª chama a nossa atenção para a necessidade de sustentarmos o teatro como um espaço de tanta importância quanto as questões econômicas que temos tido o cuidado de tratar aqui. O teatro é a cultura, é a arte de um povo. Ali no palco, nada é falso. Se acompanharmos a narrativa de cada peça que ali se representa, vamos encontrar, nos personagens, sem dúvida alguma, um momento das nossas vidas, um momento da vida de nosso País e de outros países. Sou uma admiradora e freqüentadora de teatro. Teatro é cultura. E temos, exatamente na Amazônia, um patrimônio como esse, que recebeu a presença do Presidente da República para significar a importância que se está dando não apenas ao Teatro Amazonas, símbolo da resistência e da necessidade de investimento na arte e na cultura do povo brasileiro, mas à cultura. Este aparte é para parabenizar V. Exª pelo excelente discurso. Quisera eu ter conhecimento à altura de V. Exª, para me aprofundar, como assim faz V. Exª, nesta comemoração que é, sem dúvida nenhuma, um resgate da história da arte e da cultura para todos nós neste País.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senadora Benedita da Silva, o aparte de V. Exª me emociona. É verdadeira a afirmação que lhe faço, porque, mesmo não sendo da região, V. Exª conseguiu pinçar exatamente a linha filosófica do meu discurso, distanciada de qualquer conotação político-partidária, para me fixar numa obra que redime o povo brasileiro. E por que o digo? Porque V. Exª acaba, por outras palavras, de me dizer o que estava um francês me indagando, na noite desse centenário, desse espetáculo: Como é que vocês conseguiram, há cem anos - ele tinha visto as fotografias -, em plena selva, construir um teatro como este, num lugar onde a dificuldade de comunicação era tão grande? Só por intermédio de navios poderiam chegar até aqui. Como vocês conseguiram, perguntava ele, sensibilizar artistas estrangeiros do porte de um Domenico Angelis para pintar este teto? Ele se referia ao teto do Salão Nobre, o local onde nos encontrávamos. Eu respondi exatamente aquilo que V. Exª acaba de dizer: foi a luta de quem estava tão distante, tão desprotegido da cultura do sul do País, mas com intensa noção de que o teatro é arte, de que o teatro é aquilo que V. Exª dizia, o palco aonde todos vão para demonstrar o que sentem, dizendo ao povo que não está ali na iluminação, mas na sala obscura de que o coração brota quando se fala em teatro. E essa é, sem dúvida alguma, a significação maior do Teatro Amazonas - um dos cinco templos, continuo a confirmar isso, mais bonitos que existem no mundo, perdido num Estado tão distante. E hoje, como marco de referência de que, em verdade, ele tem a sua audiência garantida para a posteridade.

A Sra. Marina Silva - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª, Senadora Marina Silva.

A Sra. Marina Silva - Quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento que faz. Enquanto ouvia V. Exª descrever a beleza, o bom gosto e a opulência do Teatro Amazonas, eu aqui estava a recordar algo que me ocorreu há alguns anos. Morei durante um período no Estado do Amazonas, quando criança, devia ter de 6 para 7 anos. Naquela ocasião, meu pai vendeu a colocação de seringas que nós tínhamos no Seringal Bagaço, e fomos tentar a vida em Manaus. Esse sonho durou apenas 5 meses para mim que era uma criança sonhadora, que gostava de fugir de casa para conhecer coisas novas. Em Manaus, entrei num elevador pela primeira vez, na loja que se chamava "Quatro e Quatrocentos" - talvez V. Exª conheça.

O SR. BERNARDO CABRAL - Sim, conheço.

A Srª Marina Silva - Quando cheguei em casa e contei que tinha andado de elevador, minha mãe não acreditou e pediu que eu descrevesse como era. Falei, levei um carão, mas havia aprendido o que era um elevador. Depois, ouvi, pela primeira vez, tocarem piano no Colégio Santa Dorotéa. Achei muito bonito ver as moças tocando piano e entrei. Havia um tapete vermelho, lindo, que nos conduzia ao salão onde estavam as moças aprendendo a tocar. Eu, que estava morando no Morro da Liberdade, envergonhada, tirei minhas sandalinhas, que estavam cheias de barro porque tinha ido a pé até o colégio, e entrei. Uma irmã alertou-me de que eu não deveria tirar as sandálias, mas eu as tirei, pois estava com medo de sujar o tapete. Passei também uma vez na frente do Teatro Amazonas, mas não consegui entrar. Mas estou aqui, ainda devo essa visita a V. Exª porque agora posso entrar, não sou mais uma criança. V. Exª dizia que algumas pessoas acreditam que era período de opulência e que a obra não tinha nada a ver com a realidade da Amazônia. Com certeza, tem a ver com a realidade, tanto é que está lá. Retrata parte da cultura do Brasil, particularmente da Amazônia, retrata um período de opulência, quando a Amazônia foi rica e próspera, embora saibamos que não era para todos, mas é parte de um período histórico. Talvez, das grandes coisas ali produzidas, o Teatro Amazônia seja como um mastro erguido àquele período, que sabemos ser verdadeiro, pelo que a história nos revela. Pensando no que V. Exª estava dizendo, cheguei à conclusão de que se enganam aqueles que pensam que os grandes monumentos são mastros erguidos aos poderosos e aos grandes; pelo contrário, são altares erguidos para eternizar a bravura e a ação edificante dos pequenos, que eternizam para sempre a cultura de um determinado período. Creio mesmo que o Teatro Amazonas é um altar erguido aos seringueiros, aos índios, aos homens que produziram essas riquezas. Hoje, eu os encontro da mesma forma como eram: de pés calçados com sapatos de seringa, tentando matar uma caça para sobreviver, vendendo um quilo de borracha a R$0,60 - o custo de um quilo de sal equivale a quatro quilos de borracha. O Teatro Amazonas representa um período de riqueza que precisa ser resgatado e distribuído socialmente como um tributo a ser pago àqueles que construíram tanta beleza e atraíram esses artistas. Exportávamos borracha e importávamos mercadoria e até o entretenimento, como V. Exª muito bem sabe.

Muito obrigada.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Concederei em seguida, Senador. Peço apenas permissão para comentar o aparte da eminente Senadora Marina Silva que, como a Senadora Benedita da Silva, são dois expoentes do Partido dos Trabalhadores. S. Exªs dão uma demonstração a esta Casa de que não existe o conceito ideológico da oposição quando se trata de um templo de arte. A Senadora Marina Silva, se já me havia antes a Senadora Benedita da Silva me deixado uma forte carga de emoção, fez-me olhar como se voltasse ao tempo aquela criança subindo no elevador da "Quatro e Quatrocentos", que é um edifício entre a Rua 7 de setembro e a Avenida Eduardo Ribeiro e, depois, aquela menina que deixava as sandálias sujas de terra para entrar no Colégio Santa Dorotéa, que fica na Joaquim Nabuco com a esquina Del Vasquez de Figueiredo.

A freira não se expressou bem , e quero corrigi-la. V. Exª estava imitando os orientais que, quando chegam na porta das suas casas, deixam as sandálias para não levar a impureza da rua, mas que levam a pureza dentro do coração. Foi o que V. Exª fez ao ouvir o piano. É o que V. Exª retrata agora, é o que V. Exª constrói, num aparte, junto com a Senadora Benedita da Silva, todo um discurso.

Se nada eu tivesse de substancial nesse meu pronunciamento sobre o Teatro Amazonas e apenas dele fizessem parte as duas interferências, eu já me sentiria feliz como amazonense. Seria a revelação, a confirmação de quem sabe sentir. E as pessoas não são humanas se não têm o sentimento interno, o afeto concentrado para dizer o que lhes vai na alma.

Quero que V. Exª receba, Senadora Marina Silva, os meus agradecimentos pela sua interferência.

Ouço, com muito prazer, o Senador Romeu Tuma que não é amazonense de nascimento mas de coração.

O Sr. Romeu Tuma - Agradeço a V. Exª. Pouco tenho a acrescentar aos apartes que recebe nesta tarde, no entanto não poderia deixar de registrar, Senador Bernardo Cabral, a paixão que tenho pela Amazônia. Há cerca de trinta anos, pela primeira vez, fui lá com minha esposa e um filho pequeno. A orientação para os turistas era conhecer o Teatro Amazonas. Encantei-me com as suas belezas e com tudo isso que V. Exª descreve com inteligência, sabedoria e poesia. Viajei, depois, pelo mundo a serviço da Interpol e visitei vários templos da inteligência e da cultura. No entanto, nada se iguala ao espírito e à alma do Teatro Amazonas. Dizem que Deus, ao construir o mundo, dotou o homem de centenas de belezas naturais. A Amazônia tem seus rios, a sua floresta e tantas outras belezas naturais que V. Exª tão bem conhece, pois é lá o seu berço. Eu diria que o homem, na Amazônia, construiu uma beleza com suas próprias mãos para alegrar os olhos de Deus. V. Exª, portanto, tem aqui os meus cumprimentos e a inveja - uma inveja sadia - de não ter o seu saber e a sua inteligência, que tanto aprendi a admirar desde quando servi sob a sua orientação no Ministério da Justiça, para tão bem descrever as belezas que o homem constrói para que Deus as aprecie.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Romeu Tuma, é claro que o laço de amizade que há entre mim e V. Exª leva, eu não diria ao exagero, mas ao conforto de trazer a este seu amigo a referência que faz. No entanto, não posso deixar de comentar o fato mencionado por V. Exa. há 30 anos referindo-se ao Teatro Amazonas. Posso afirmar - e pouca parte do mundo não conheço - que, de todos os teatros que vi na minha vida, nenhum está situado num platô, numa localização como a do Teatro Amazonas. Não discuto a beleza interna, que há muitos outros que a têm com muito mais profusão.

V. Exª fala nessa beleza e me lembra Euclides da Cunha. Retratando a Amazônia, quando ali chegou, Euclides da Cunha parou, olhou e disse: "No anfiteatro da beleza que é esta Amazônia, o homem chega a ser um intruso".

Como não tenho beleza em meu discurso, V. Exª não é um intruso, dele participa, recolho o aparte e agradeço-lhe.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador Bernardo Cabral, temos de reconhecer que a reabertura do Teatro Amazonas está tendo um orador a sua altura, com o colorido, a beleza, a sua maneira de ser, que indiscutivelmente o Brasil admira. V. Exª está dando o devido valor a algo que realmente merece e que talvez não tenha tido o devido destaque, porque não se localiza no Rio ou em São Paulo. Quando ouço uma pessoa do aprumo de V. Exª falar sobre o Teatro Amazonas, o que significou ontem e o que significa hoje na sua reabertura, fico a me perguntar: quem de nós é mais responsável por esse tempo todo ter passado e aquela região, com suas riquezas fantásticas, tem a cobiça do mundo inteiro e não temos nada acerca da nossa presença. Se aquilo foi representado, querer imaginar, porque foi a época da borracha, tem mil vezes mais riquezas no Amazonas do que a borracha. Ali foi apenas um fluxo que alguém descobriu e permitiu aquela fase de desenvolvimento. Mas fôramos nós um País que amasse a sua terra, que desse prioridade às importâncias da sua terra, não no sentido do favor, não no sentido da caridade, não no sentido de ajudar a Amazônia, pelo contrário, no sentido de investir com competência para ter o retorno a nível de país, não há dúvida nenhuma de que esse espaço longo, doloroso e triste de silêncio sobre a Amazônia, e que só é reaberto, só é debatido a nível nacional pela cobiça internacional, não há dúvida nenhuma de que estaríamos vivendo o momento em que V. Exª não seria apenas um, mas o representante de muitos e muitos iguais a V. Exª. E o nobre Senador não estaria aqui a bater palmas apenas pela reabertura do Teatro Amazonas, mas para um dos maiores, mais um, mais outro e mais outro evento que signifique cultura, progresso e desenvolvimento daquela região. Queira Deus que no momento em que reabre uma luz que brilhou e que volta a brilhar, na hora em que acesos estão os faróis do mundo inteiro no sentido da cobiça daquela região, tenhamos nós, principalmente nós do Senado, que somos representantes da Federação, a responsabilidade de entender e de compreender a obrigação que temos com a Amazônia. Não no sentido de ajudar aquela região, mas a obrigação que eu do Rio Grande do Sul tenho para com meus filhos de ir, lá, na Amazônia entender que passa por ali o crescimento e a independência do nosso País. Meu carinho muito afetuoso ao belíssimo pronunciamento de V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Pedro Simon, quero dizer do encantamento de todo esse seu aparte. Mas no final, quando V. Exª lembra sua descendência e que a ela dará a responsabilidade do que representa todos nós unidos lutarmos por aquela região, confirma mais uma vez que V. Exª, depois de ter sido Governador do seu Estado, portanto, com responsabilidade de quem já passou pelo Poder Executivo, de trazer para o Legislativo este traço de união, essa interdependência que há entre o Senado e a defesa desta Nação.

Quero agradecer a V. Exª pela sensibilidade que tem para com a nossa área.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Meu caro Senador Bernardo Cabral, também sou um dos que estão aqui realmente tocados pela extroversão dos seus sentimentos. V. Exª é um homem que naturalmente transmite sentimento quando fala.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Isso no seu cotidiano, no nosso colóquio. Mas V. Exª hoje fala no Teatro Amazonas, talvez deixando espaço para que nós todos entendamos que V. Exª deseja ser muito mais profundo do que os enfoques que está fazendo sobre aquele monumento de arquitetura, sobre a história daquele monumento. Ou seja, o tempo da opulência que o gestou e todo o intercurso de espetáculos notáveis que marcaram a sua existência, e agora os seus 100 anos que, com a presença do Presidente da República, aquele Teatro comemora essa data tão importante. Quando da sua fundação, diz V. Exª, o Estado do Amazonas contribuía com 51% do orçamento da União. V. Exª enfoca como poeta - e já disseram antes, aqueles lambris, aquela madeira de lei, os cristais, os tecidos, aquelas pinturas magníficas - com todo o seu talento e como amazonense que vibra com as coisas do Amazonas, a história, o passado, o presente e o que representa aquele monumento. Às vezes paro e penso no milagre que é a unidade deste País, sobretudo agora que estamos vivendo um tempo de mundialização, de internacionalização econômica e também de superação dos traços de Estados nacionais em que, paradoxalmente, há um movimento centrífugo e centrípeto. Centrípeto por quê? Porque tende-se à unidade, à unificações em muitos pontos do planeta, e dentro dessas unificações explodem movimentos nacionais e setorizados que querem autonomia e singularidade. Então, fico realmente imaginando quanto foi difícil, quase miraculoso o processo de manutenção da unidade deste País, e quanto é difícil hoje e vai ser nos dias de amanhã, nos tempos que vamos vivendo, manter essa unidade. V. Exª quando enfoca o Teatro Amazonas nos dá oportunidade para ver nesse discurso o enaltecimento de um símbolo, mas V. Exª quer ir muito mais além, seguramente. V. Exa. é um homem que alcança todo este País, é um cidadão deste País; já presidiu a Ordem dos Advogados do Brasil, é conhecido, respeitado e querido, mas sentimos em V. Exª bater no seu peito, muito mais forte, o coração quando fala das coisas do Amazonas. E fala, inclusive, trazendo-nos a oportunidade de reflexão sobre a importância de nos voltarmos sobre a Amazônia, não só sobre o Estado do Amazonas, mas sobre a Amazônia brasileira, para que possamos, nesses tempos tão trepidantes e difíceis manter a unidade nacional.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador Bernardo Cabral, peço desculpas, mas se V. Exª permitisse, interromperia brevemente seu discurso, tão bem recebido pela Casa, apenas para aproveitar a presença dos Srs. Senadores ainda em plenário, para dizer que a Presidência convocou sessão solene do Congresso Nacional a realizar-se hoje, às dezenove horas, no Plenário da Câmara dos Deputados, destinada à promulgação de emenda constitucional.

Muito obrigado.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Concederei já, apenas quero dizer ao Presidente José Sarney que esta interferência sua neste meu pronunciamento apenas dá brilho, mostrando que preside a Casa o nosso eminente homem de letras.

Eu pediria a V. Exª apenas que me permitisse, antes de lhe conceder o aparte, Senador Ney Suassuna, dizer que o eminente Senador José Ignácio, com a responsabilidade de quem já foi membro da União Internacional dos Advogados, Vice-Presidente do Senado Federal e no exercício da Presidência, e Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, registra realmente o que se pretende fazer. Ao enfocar o Teatro Amazonas, estou mostrando à nação inteira que temos naquela região, como ressaltou o Senador Pedro Simon, além das riquezas do subsolo, as que brotam, as que afloram, a confirmar que o Amazonas é filho do Brasil.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço o Senador Jefferson Péres, e, a seguir, V. Exª, Senador Ney Suassuna, porque o nosso colega já havia solicitado o aparte anteriormente.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Bernardo Cabral, só quem é amazonense sabe o que representa para cada um de nós aquele que é o monumento-símbolo da nossa terra. Não vou falar a respeito, primeiro porque correria o risco de me emocionar profundamente, e segundo porque seria supérfluo...

O SR. BERNARDO CABRAL - Não apoiado.

O Sr. Jefferson Péres - ...diante dessa bela peça oratória que V. Exª está pronunciando, perfeitamente a altura da grandeza do nosso teatro. Permita-me subscrever o seu discurso, transportar-me para a tribuna e assinar embaixo do que V. Exª agora diz, e o faço com muita satisfação e orgulho de tê-lo com companheiro de bancada. Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral.

O SR. BERNARDO CABRAL - Evidente que as emoções hoje começam a fazer com que este velho coração dê as suas rateadas. O aparte de V. Exª, ao subscrever o discurso com a reconhecida competência que lhe envolve e com o companheirismo que orna seu caráter, apenas enriquece essa peça que produzi.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me concede um aparte.

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muito prazer, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Quando estudante no colégio estadual em Campina Grande, os cadernos que o Governo distribuía estampavam na parte posterior da capa uma foto do Teatro Amazonas. Ficávamos extasiados. Quanta inveja tínhamos de toda aquela beleza que era mostrada naqueles cadernos. Quando estive pela primeira vez em Manaus fiz questão de conhecê-lo, e digo a V. Exª que foi uma emoção muito grande, cheguei a ficar com os cabelos arrepiados, tamanha foi a emoção. Realmente, é uma obra que impressiona. Senador, tenho a maior admiração pela lisura, pelo brilhantismo, pela camaradagem que V. Exª sempre tem para com seus companheiros. E não poderia deixar de dizer hoje que também estou emocionado ao ver V. Exª ocupar hoje na tribuna para falar dos 100 anos do Teatro Amazonas. Parabenizo V. Exª, o Amazonas e o Brasil, e tenho certeza que muitos espetáculos, muito da cultura ainda será levada a efeito naquele teatro, para que outros bernardos cabrais - com esse brilhantismo - venham a esta Casa do Congresso Nacional para fazer o enaltecimento e elogios que aquele teatro com certeza merece. Certamente, apenas com a cultura gerada por monumentos como aquele, com toda uma preocupação com a área cultural é que se podem formar pessoas como V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os apartes estão demonstrando que são múltiplas as razões que fazem do Centenário do Teatro Amazonas alvo de tantos e brilhantes eventos comemorativos. De um lado, aqui se viu, falou-se sobre a beleza arquitetônica do teatro, por outro lado, foi dado o devido destaque à expressão criadora da gente amazônica.

Ademais, há que se reconhecer o fato de não ser muito comum, sobretudo em países periféricos, um teatro chegar aos 100 anos, integralmente restaurado e estimulado, a conquistar a plenitude da sua maturidade artística.

Afortunadamente, é esse o caso do Teatro Amazonas, que nesse período sofreu grandes obras de restauração, "a maior e mais importante delas, realizada no primeiro Governo de Amazonino Mendes e que levou mais de dois anos, voltando a funcionar em 17 de março de 1990", conforme ensina Mário Ypiranga Monteiro, que na minha avaliação, ainda que possa parecer modesta, é hoje, no limiar dos seus quase 90 anos, a maior autoridade em história da nossa região.

Devo dizer, Sr. Presidente, para que a Casa tome conhecimento, que até ao final do ano a programação do Centenário do Teatro Amazonas deverá contemplar atrações de indiscutível valor, em diversas modalidades artísticas. Assim, o público de Manaus terá a oportunidade de assistir a espetáculos de rara beleza, tais como o de Ana Maria Botafogo, o Ballet Stagium, Moscou City Ballet, Balé Folclórico Russo, a orquestra de câmara italiana I Musici, a soprano norte-americana Barbara Hendricks, o Coro Sinfônico do Recife, a cantora de jazz Diane Shuur, a Orquestra Estatal da Rússia, além de peças teatrais e lançamentos de filmes.

Concluo, Sr. Presidente, desejando que o Teatro Amazonas, rejuvenescido aos 100 anos, continue sendo o símbolo maior da cultura da região e, como tal, seja a grande referência para a montagem de ampla e diversificada agenda cultural que Manaus merece e espera ter, e que estado e sociedade se mobilizem para que o belo cenário, existente há um século, possa acolher espetáculo de música, dança e teatro rotineiramente.

O Sr. José Sarney - Permite V. Exª. um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - É evidente, eminente Presidente José Sarney, que interrompo o meu discurso, porque é uma honra ouvi-lo. Esse aparte diz bem do quanto o Teatro Amazonas e o seu povo merecem de V. Exª a sua admiração.

O Sr. José Sarney - Senador Bernardo Cabral, achei que era do meu dever, antes de V. Exª concluir o seu discurso, trazer a minha solidariedade ao pronunciamento de V. Exª. O Teatro Amazonas é uma referência cultural não só para o Estado do Amazonas, para o Norte do Brasil, mas também para o País como um todo, é uma demonstração do quanto o povo daquela região tem apreço pela cultura. Fico também mais feliz pela contribuição dada por um maranhense, Eduardo Ribeiro, que saiu do Maranhão na diáspora da sua juventude - jovens intelectuais como Artur de Azevedo, Aluísio de Azevedo e tantos outros -, foi para o Amazonas e lá colaborou com sua sensibilidade cultural para que fosse levantado naquela selva esse monumento que é o Teatro Amazonas. Li algumas críticas feitas sobre a reinauguração do teatro. Acho que não devemos, de maneira alguma, ficar espantados por um estado empregar seus recursos como um símbolo para reconstruir o seu teatro. O que acho terrível é que tenha passado com um silêncio profundo no Brasil o fato de o Teatro Municipal de São Paulo ter estado fechado durante 10 anos. É inconcebível que a maior cidade do Brasil, uma das maiores do mundo, tenha se conformado em ficar com seu teatro fechado durante 10 anos, e ninguém tenha falado nada a respeito. O Teatro Amazonas, o Teatro da Paz e o Teatro de São Luís se constituem marcos indeléveis do apreço que este País sempre teve naquela região pela cultura.

O SR. BERNARDO CABRAL - Quero agradecer a V. Exª, eminente Senador José Sarney, e dizer-lhe que, ao começo do meu discurso, havia feito referência de que a obra se devia, sobretudo, a Eduardo Ribeiro, que acabou falecendo em circunstâncias até hoje misteriosas - uns dizem que teria se suicidado e, outros, que seus inimigos, invejosos por ter sido ele realmente um grande governador, o enforcaram para simular o suicídio. Seja essa ou aquela a forma pela qual Eduardo Ribeiro desapareceu fisicamente, ele até hoje continua na memória do povo amazonense. O início do meu discurso confirma isso, e o aparte de V. Exª revigora-o ao lembrar que os homens públicos podem não ter o reconhecimento dos seus contemporâneos, mas terão, sempre, a admiração dos seus pósteros.

Sr. Presidente, concluo dizendo que muito me orgulho de ter nascido no Amazonas. E nada mais justo para uma cidade como Manaus poder se sentir num ápice tendo como marco um templo de cultura, o Teatro Amazonas. Nada mais adequado para reverenciar a memória dos arrojados empreendedores do final do século passado. Nada mais correto para, descortinando o futuro, lembrar que os sonhos não envelhecem.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/03/1996 - Página 3409