Discurso no Senado Federal

COMENTARIO AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR ROBERTO FREIRE SOBRE O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REGIMENTO INTERNO. PRIVATIZAÇÃO. GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).:
  • COMENTARIO AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR ROBERTO FREIRE SOBRE O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 05/03/1996 - Página 3420
Assunto
Outros > REGIMENTO INTERNO. PRIVATIZAÇÃO. GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).
Indexação
  • SUGESTÃO, ENCAMINHAMENTO, PROJETO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), MESA DIRETORA, AUSENCIA, APRESENTAÇÃO, EMENDA, CUMPRIMENTO, REGIMENTO INTERNO.
  • DENUNCIA, EMPRESA, AUDITORIA, INEFICACIA, APURAÇÃO, IRREGULARIDADE, BANCO PARTICULAR, PARTICIPAÇÃO, CONSORCIO, ACOMPANHAMENTO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, PARTICIPAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), PRESERVAÇÃO, INTERESSE NACIONAL.
  • LEITURA, NOTA OFICIAL, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), RESPOSTA, NOTICIARIO, IMPRENSA, CRITICA, ATUAÇÃO, PROCESSO, ESPIONAGEM, GOVERNO, DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já que estava inscrito, aproveitarei para falar sobre três assuntos. Primeiro farei uma sugestão à Mesa e ao Senador Antonio Carlos Magalhães com relação ao Projeto Sivam até para que se evitem especulações.

A Supercomissão do Sivam aprovou o Relatório do Senador Ramez Tebet. Pelo Regimento Interno do Senado Federal, a matéria deveria ter sido encaminhada à Mesa para que se abra o prazo de cinco dias úteis para recebimento de emendas e, a partir daí, ser remetido de volta para que a comissão dê o parecer sobre as emendas.

Até concordo com o encaminhamento de se aguardar maiores detalhes sobre a investigação do TCU. Lamento que este entendimento não tivesse sido adotado quando da definição do prazo para encerramento dos trabalhos da comissão já que, inclusive, nesse período em que estamos aguardando o posicionamento do TCU, poderíamos estar ouvindo outras pessoas, como foi, inclusive, objeto de requerimento.

Mas, concordando que se deve aguardar a decisão do TCU, sugiro que a matéria seja encaminhada à Mesa para que se abra o prazo dos cinco dias úteis a fim de que sejam apresentadas emendas e que nessa reunião se aguarde o parecer do TCU, mas que não haja o encaminhamento das emendas à Mesa, porque aí estaremos, na prática, pervertendo o Regimento do Senado.

Gostaria de dar essa sugestão, até aproveitando a presença do Senador Antonio Carlos Magalhães, para que fosse encaminhado à Mesa o pedido de abertura do prazo regimental para apresentação das emendas, mas que o parecer sobre as emendas, que deverá ser objeto de uma nova reunião da supercomissão, fosse feito após essas novas informações.

Aproveitando o pronunciamento do Senador Roberto Freire, alerto os Senadores para uma outra questão que está, por incrível que pareça - ficamos sabendo disso no fim da semana passada -, concatenada com a discussão da CPI dos Bancos, do sistema financeiro nacional, etc.

A imprensa informou que o Banco Nacional tinha um balanço paralelo e que a empresa encarregada da auditoria deste banco era a KPMG. Por uma dessas coincidências da vida, a KPMG, que não conseguiu detectar este balanço paralelo do Banco Nacional, é associada à Ernest & Young, empresa responsável pela auditoria do Banco Econômico. Queremos registrar que o Banco Econômico, até um mês antes de quebrar, apresentava balancetes maquiados que o mostravam como um banco lucrativo.

Ainda mais: a Ernest & Young e a KPMG fazem parte do consórcio que está avaliando a Companhia Vale do Rio Doce.

Repito: as duas empresas de auditoria, uma, responsável pela auditagem no Banco Nacional e que foi incapaz - não sei por que motivo, se por incompetência, ou conivência - de detectar a existência de dois balanços paralelos no Banco Nacional, e, a outra, que auditava o Banco Econômico, também incapaz de avaliar verdadeira situação desse banco, fazem parte do consórcio encarregado de acompanhar a privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Lembro, pela enésima vez, de projeto de minha autoria, propugnando pela autorização legislativa para a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que não foi votado no dia 15 de dezembro do ano passado, sob alegação de que deveríamos aproveitar a convocação extraordinária para fazermos um debate com a presença do Ministro José Serra, com a presença do Presidente e da Diretora de Desestatização do BNDES. E não o fizemos.

O Ministro José Serra não compareceu ao plenário do Senado, apesar das promessas da Liderança do Governo que incluía, também, a presença do Presidente do BNDES. Provavelmente, para evitar-se a aprovação desse projeto, utilizar-se-á de argumentos semelhantes aos que são apresentados, por exemplo, para evitar-se a convocação de uma CPI do Banco Central e do Sistema Financeiro, a de que tal convocação, por um lado, atrasará a discussão das reformas no Congresso Nacional e, por outro lado, que ela poderia provocar um cataclismo tão grande que, talvez, levasse o Sistema Financeiro à quebra.

Gostaríamos de lembrar que, durante a ditadura, foi instalada uma CPI para investigar o escândalo Coroa-Brastel e do Banco Halles. Durante a ditadura! Agora, em plena democracia, utilizam-se esses arrazoados para evitar a instalação da CPI.

A argumentação, que inclusive já foi utilizada algumas vezes, para evitar a aprovação de um projeto que condiciona a privatização da Companhia Vale do Rio Doce à autorização do Congresso Nacional, é a de que um projeto dessa natureza seria um sinal negativo para a comunidade financeira internacional; que poderia significar que estaria havendo um atraso no programa de privatizações brasileiro; que seria um aceno negativo para aqueles investidores que estão com as malas cheias de dinheiro, prontos para investir no Brasil, gerar empregos e trazer desenvolvimento social, etc. Registre-se, inclusive, que essas malas cheias, esse desenvolvimento, essas empresas que estariam vindo para o Brasil, até agora não chegaram. O que vimos, na verdade, foi a notícia de que o BNDES financiaria a instalação da Renault no Brasil.

Essas duas informações reforçam ainda mais a necessidade de o Congresso Nacional trazer para si essa discussão da privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Se temos um consórcio que está avaliando a companhia, do qual participam duas empresas de auditoria incapazes de detectar, no Banco Nacional, a existência de um balanço paralelo, no Banco Econômico, a verdadeira situação deste banco, será que este consórcio fará o seu trabalho preocupado com os interesses da Nação, preocupado em encontrar o melhor valor, a melhor forma de privatizá-la?

Essa é uma situação que revela a inter-relação entre o Sistema Financeiro Nacional e a economia brasileira como um todo. Esta discussão está ramificada por todos os setores, não só o Sistema Financeiro, mas a estratégia industrial do Governo, assim como o conceito de reforma do Estado.

Entendemos a reforma do Estado como uma oportunidade de o Congresso Nacional retirar o caráter patrimonialista do Estado brasileiro, desprivatizando-o, o que, até o momento, sempre foi utilizado para a acumulação privada por parte daqueles que não estão comprometidos com o interesse da maioria da Nação.

A Srª Marina Silva - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Ouço-a com muito prazer.

A Srª Marina Silva - Senador Dutra, parabenizo V. Exª pelas colocações que faz em seu pronunciamento. Há algo que vem me cansando há algum tempo. Lembro-me que quando cheguei a esta Casa estavam sendo colhidas assinaturas para a formação da CPI das Empreiteiras e logo veio o argumento de que ao invés de fazer isso, deveríamos centrar fogo na questão das reformas, porque os que desejavam a CPI, no fundo, objetivavam atrapalhar o processo de modernização do País. Assim, as pessoas que estavam querendo a instalação da CPI eram taxadas de impatriotas, pois não se preocupavam com a modernização do País e pretendiam engessar o País, fazendo com que o Congresso ficasse sempre debatendo sobre corrupção e mazelas. Vejo novamente esse argumento nesse episódio dos bancos, e as pessoas interessadas em investigar as irregularidades são tratadas como algozes da Nação. Penso que isso é problemático, porque se está sempre querendo um aceno de grandeza, um gesto de compreensão de alguns, para que o País não seja prejudicado, para que não se crie problemas de ordem econômico-financeira, como a especulação. No entanto, não se faz nada para punir aqueles que tenham gestos pequenos, como a locupletação com o dinheiro público, esses, sim, trazendo sérios problemas para os cofres da Nação e para todo o sistema econômico. Com esses, tem que haver complacência, que o Governo faça o que melhor convier a eles. Faço esse aparte apenas para registrar que sempre que a Oposição ou segmentos desta Casa do Congresso Nacional querem investigar alguma coisa, logo são taxados de tentar dificultar algo bem mais grandioso, que não poderia jamais ser interrompido, porque geraria prejuízos para o País. Todavia, em seu pronunciamento, o Senador Roberto Freire fez algumas indagações, tais como: Por que nada aconteceu às pessoas que estavam falsificando moedas com recursos eletrônicos, no caso do Banco Nacional, e aquele lavrador que falsificou moeda com um sistema bastante rude, artesanal, foi imediatamente preso? Não quero acusar, não quero me fazer de bastião do mundo, mas é estranho. O ladrão de galinha e o falsificador de R$5.000, como aquele agricultor, devem ir para a cadeia, devem ser presos, devem ser punidos. No entanto, essas pessoas, no máximo, colaboram com apenas um voto para a eleição; mas essas famílias poderosas, às quais se referiu o Senador Roberto Freire, que têm uma relação muito forte com o poder, até mesmo de controle, quem sabe, com a própria Justiça, com a polícia, sei lá com quem, colaboram com milhões. São milhões de reais envolvidos em campanha. Tudo fica, no mínimo, estranho. Àqueles que colaboram para campanhas apenas com um voto, que falsificam alguns reais, que roubam algumas galinhas, a cadeia; aos outros, não. Parece-me que há uma disposição em compreender o que aconteceu, em investigar com maior afinco as denúncias. Isso deve ser feito. Mas no caso do Banco Nacional, trata-se de réu confesso. Se o réu confessou o crime, o que a Justiça brasileira está esperando para tomar as providências necessárias? A Justiça age contra os ladrões de galinha, contra aqueles que falsificam moeda, que devem realmente ser punidos. Também à revelia da lei, a Justiça pune aqueles que defendem uma idéia ou um projeto, como é o caso da companheira Diolinda, acusada de formação de quadrilha, uma quadrilha para trabalhar, para produzir e para tornar terras produtivas. No entanto, quando pessoas formam quadrilha para se locupletar às custas do dinheiro público, não dá para entender por que não são imediatamente enquadradas na lei.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senadora Marina Silva.

Gostaria ainda de registrar que se eu estivesse convencido de alguns argumentos contrários à CPI, os quais temos ouvido seja pela imprensa ou no plenário, do tipo "CPI sempre acaba em pizza", apresentaria uma emenda constitucional acabando com o instituto da CPI. Creio que se formos radicalizar esse argumento, por trás dele talvez esteja um certo descrédito com a própria democracia representativa e com as prerrogativas que deve ter o Congresso Nacional dentro dessa democracia.

Se as CPIs que realizamos cassaram apenas servidores públicos, puniram apenas parlamentares, talvez seja porque uma parcela considerável do Congresso Nacional não quis chegar ao ponto de punir os poderosos, conforme salientou o Senador Roberto Freire.

Nunca é demais registrarmos o fato de a CPI das Empreiteiras, criada no início da Sessão Legislativa do ano passado, por meio de requerimento do Senador Pedro Simon, que conseguiu o número de assinaturas exigido pelo Regimento, não foi instalada, depois de todo o ano de 1995, porque o PSDB e o PFL não indicaram seus representantes. Repito: o PSDB e o PFL não indicaram os representantes da CPI das Empreiteiras.

Entretanto, devemos registrar a postura corajosa e patriota do Senador Jefferson Péres, do PSDB, que por diversas vezes manifestou-se favoravelmente à instalação dessa CPI neste plenário e lamentou, não só aqui, mas também publicamente em entrevistas na televisão, que seu Partido fosse um dos responsáveis pela não-instalação dessa CPI.

Surpreende-nos também o argumento apresentado pelo Líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Deputado José Aníbal, em um debate com a Líder do PT, Sandra Starling, na televisão, quando ele dizia: "Tudo bem, podemos concordar com a CPI, mas depois que votarmos as reformas".

Ora, as atribuições constitucionais do Congresso Nacional dizem respeito à legislação e à fiscalização. E elas acontecem de maneira paralela. Não existe em nosso Regimento nenhum artigo que diga: "Durante o período "x" o Congresso legisla; durante o período "y" o Congresso fiscaliza". As coisas têm de ser feitas paralelamente, até porque o processo de elaboração legislativa muitas vezes é enriquecido com os atos de fiscalização que o Congresso Nacional desenvolve.

No entanto, ainda acreditamos que seja possível a criação da CPI para investigar o Banco Central e suas relações com o sistema financeiro, não para investigar a questão do Banco Nacional. Concordamos com o que foi dito pelo Senador Roberto Freire. Inclusive nosso requerimento prevê que é para investigar o Banco Central e sua relação com o sistema financeiro nacional.

Srª Presidente, no início do meu pronunciamento, eu disse que falaria sobre três assuntos. Segundo o Senador Pedro Simon, mais de três assuntos é proibido pelo Regimento.

Srª Presidente, gostaria apenas de ler a nota oficial do Governo do Distrito Federal relativa às notícias que foram hoje publicadas na imprensa, segundo as quais o GDF estaria promovendo um processo de espionagem. A nota oficial é a seguinte:

      "O Governo do Distrito Federal, em face de reportagens dos jornais sobre os desdobramentos da investigação, pela Justiça, do envolvimento de um Deputado Distrital com drogas, vem a público esclarecer o seguinte:

      1. O Governador do Distrito Federal mandou instalar sindicância para investigar fatos que possam estar ocorrendo com a participação de seus servidores, à revelia deste Governo. De imediato, foi afastado de suas funções o sargento José Ferreira da Silva, até que se conclua a sindicância;

      2. O Governo do Distrito Federal considera que os fatos relatados nos jornais de hoje têm como único objetivo desviar a atenção da opinião pública, de segmentos políticos, da Justiça e da população em geral da investigação sobre o tráfico de drogas no Distrito Federal e sobre os possíveis implicados;

      3. Foi solicitado pelo Governo do Distrito Federal ao Ministério da Justiça, na semana passada, o acompanhamento das investigações pela Polícia Federal;

      4. O Governo Democrático e Popular do Distrito Federal rejeita veementemente o hábito de fiscalizar pessoas e movimentos sindicais, comportamento dos governos da ditadura militar, e contra o qual sempre lutou e continuará lutando. Este comportamento é, e sempre foi, dos atuais políticos da oposição, que apoiavam a ditadura militar. São estes políticos que ainda mantêm sistemas privados de informação;

      5 - Reafirmando o seu compromisso com uma administração transparente e com o poder público aberto a todos, lembra que todas as informações político-institucionais que porventura cheguem ao Governo são imediatamente repassadas ao movimento sindical e a todos os grupos que apóiam este Governo.

      6 - O Governo Democrático e Popular do Distrito Federal reitera a sua fé na Justiça do Distrito Federal e do País e espera que a imunidade parlamentar não seja impeditivo para que se alcance o fim da impunidade."

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/03/1996 - Página 3420