Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS ACERCA DO ESCANDALO DO BANCO NACIONAL.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.:
  • COMENTARIOS ACERCA DO ESCANDALO DO BANCO NACIONAL.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Josaphat Marinho, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 01/03/1996 - Página 3085
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
Indexação
  • COMENTARIO, IRREGULARIDADE, ADMINISTRAÇÃO, BANCO PARTICULAR, PREJUIZO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, PAIS.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APURAÇÃO, IRREGULARIDADE, BANCOS, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fato que abalou ultimamente a opinião pública do Brasil foi o escândalo do Banco Nacional.

A imprensa divulgou, todos os jornais publicaram os atos ilícitos praticados pelos diretores daquela instituição, que foi colocada sob intervenção do Banco Central e teve, depois, o seu patrimônio vendido ao Unibanco. Com a interferência do Banco Central, fez-se o negócio: o que era bom passou para o Unibanco, e o que era ruim ficou com o Banco Central.

Leio no Jornal do Brasil de ontem, 28 de fevereiro, que o Ministro Pedro Malan, quando era Presidente do Banco Central, no ano de 1994, em virtude de irregularidades cometidas pelo Banco Nacional, fez denúncia ao Ministério Público Federal no Rio de Janeiro dando conta de que aquele Banco havia descumprido a legislação que rege o funcionamento do Sistema Financeiro Nacional.

O estranhável, Sr. Presidente e Srs. Senadores, não é a denúncia do Dr. Pedro Malan, ocorrida em 1994; o estranhável é o fato de que, após a detecção de fatos tão graves ocorridos e descobertos no ano de 1994, o Governo Federal, cujo Ministro da Fazenda é exatamente o ex-Presidente do Banco Central que descobriu e denunciou à Justiça os fatos delituosos, tenha autorizado o Banco Central a transferir recursos da ordem de R$5,8 bilhões para sanear o Banco, na conformidade do que prescreve o PROER, depois de esse programa ter sido implantado mediante a edição de uma medida provisória, que ainda não foi devidamente aprovada pelo Senado Federal - encontra-se em discussão na comissão competente, cujo relator é o Senador Ney Suassuna.

Sr. Presidente, o fato é grave. O Ministro descobriu as falcatruas de um Banco; mais de um ano depois, esse Banco foi colocado sob intervenção, e novas irregularidades vieram a público, desta feita de forma escabrosa, porque tudo foi estampado nos jornais, nos canais de televisão e nas rádios. São negócios do "arco da velha", como dizemos lá no nosso Nordeste, transações fictícias, empréstimos fantasmas, balancetes penteados de acordo com a vontade do freguês, ou seja, do dono do Banco Nacional. Tudo isso foi interpretado pelas autoridades monetárias como fato que tem que ser resolvido a nível de Banco Central, porque o Banco Central, exercendo atividade tão séria e grave, não pode ser desvendado nas suas atividades, isto é, não se pode investigar em profundidade as negociações que são feitas entre o Banco Central e as instituições sob seu controle. Ele age, por assim dizer, como uma entidade à parte, como uma instituição independente, sem nenhum compromisso com a Nação, sem nenhuma vinculação de fiscalização com o próprio Congresso Nacional.

Basta esse fato para que se configure a existência de uma responsabilidade a ser apurada pelo Congresso Nacional, pelo Senado ou pela Câmara, ou pelas duas Casas ao mesmo tempo, através de uma CPI, porque é o próprio Ministro Pedro Malan que, segundo os jornais, "sabia e denunciou, em 1994, as contas do Nacional".

Em 1994, o Ministro já sabia que o Nacional agia de forma irregular, atritando-se com a Constituição, enganando o Senado e a Câmara e também a Nação.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Concedo um aparte a V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Bernardo Cabral - Eminente Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª, com a independência de sempre, traduzida aqui pelo seu passado, desde a época de Deputado Federal e Governador, traz a furo o que é mais sério nessa situação do Banco Econômico versus Banco Central: é que chefes de departamento do Banco Central declararam à imprensa que o ex-dono do Nacional, meses antes da intervenção, havia confessado todas as fraudes que existiam, e, ainda assim, o Banco Central não tomou nenhuma providência, o que caracteriza, desde logo, um crime por omissão. V. Exª ressalta a circunstância de que o próprio Presidente do Banco Central nada fez para impedir esse estado de coisas. Acho que V. Exª, Senador Antonio Carlos Valadares, persegue, nesta tarde, um objetivo que é útil à Nação. V. Exª pretende que se apure, a fundo, tudo o que realmente aconteceu, ou se as coisas não passam de mera especulação. O fato é que, a cada escândalo que emerge pela imprensa, pelas rádios e televisão, fica demonstrado o quanto as nossas Regiões - o Nordeste e o Norte - são desassistidas, porque o dinheiro gasto com cada rombo desses, provocado pela evasão de bilhões de reais, poderia estar sendo aplicado nas nossas Regiões. De modo que, espero, como disse V. Exª, que uma das duas Casas, ou as duas reunidas, possam apurar a responsabilidade, uma vez que o próprio Tribunal de Contas da União já está fazendo uma auditoria interna no Banco Central. Espero, eminente Senador Antonio Carlos Valadares, que não resulte para a Nação mais um escândalo que lá fora denigre a posição brasileira.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Senador Bernardo Cabral, V. Exª que ocupou postos elevados neste País, inclusive o de Ministro, sabe a responsabilidade de um homem público, sabe a responsabilidade de um Senador da República, mormente quando a imprensa divulga declarações de um Ministro de Estado, segundo as quais ele próprio, quando Presidente do Banco Central, já havia denunciado um banco que, posteriormente, já como Ministro, ele resolveu ajudar, tentando encontrar uma fórmula conciliatória de resolver o seu problema.

Penso, Senador Bernardo Cabral, que o fato de determinados funcionários graduados do Banco Central, ao final da sua gestão, voltarem para a iniciativa privada desestimula, por assim dizer, uma ação mais enérgica desses mesmos funcionários contra instituições bancárias. Se a manifestação do então Presidente do Banco Central ao Ministério Público, dando uma notitia criminis, foi em 1994, a punição veio a ocorrer no ano de 1995, com a intervenção; mas, ainda assim, a intervenção, até o presente momento, não penalizou nenhum dos responsáveis pelas falcatruas cometidas pelo Banco Nacional.

V. Exª tem razão, porque está na primeira página do jornal O Estado de S. Paulo, de terça-feira, que diz:

      "Banco Central sabia das fraudes no Nacional.

      O Banco Central sabia das fraudes do Banco Nacional mais de dois meses antes de negociar a incorporação pelo Unibanco. Técnicos do BC explicam que foi evitada a liquidação do Nacional para preservar o Plano Real, após o escândalo da quebra do Econômico. Segundo uma fonte, as operações fantasmas, que provocaram rombo de aproximadamente R$5 bilhões, foram reveladas com detalhes à diretoria do BC pelo presidente do Nacional, Marcos Magalhães Pinto."

Quer dizer, deu-se uma prova evidente que existe uma certa benevolência, existe uma compreensão muito grande, uma amabilidade, um "deixa-para-lá-para-ver-como-é-que-fica" das autoridades monetárias para com os bancos que existem no Brasil.

Ontem, fomos surpreendidos com uma notícia no Correio Braziliense intitulada: "Banco Central reprova créditos de 42 bancos".

Ora, um sistema financeiro depende de quem? Quem é que movimenta a moeda no Brasil? São os bancos. Eles é que detêm os depósitos, é que fazem os negócios dos empresários, é que detêm a poupança do pequeno e do grande. Esses bancos, segundo o Banco Central, não têm qualquer segurança. "As contas das 50 maiores instituições que fazem operação de crédito no país foram vasculhadas e apenas 8 foram consideradas seguras".

É pouco, Sr. Presidente, para fazermos uma CPI a fim de que possamos dar um basta a essa promiscuidade, a essa compreensão exagerada das autoridades monetárias para com os bancos privados.

Ontem mesmo ouvimos pronunciamentos de Senadores e Senadoras sobre a prisão de uma trabalhadora rural, de uma sem-terra que está apodrecendo na cadeia porque teve a idéia de lutar em favor dos seus companheiros, para que a reforma agrária seja realmente efetivada no Brasil, uma vez que ela jamais passou do papel para a realidade.

Uma pessoa como essa - pobre, maltrapilha, sem qualquer proteção econômica - está presa! Entretanto, com esses homens que há muito vêm dando prejuízos ao Brasil - há mais de 10 anos o Banco Nacional vem fraudando este País - nada acontece!

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Concedo o aparte ao Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Talvez poucos Senadores conheçam o Ministro Pedro Malan de tão longa data quanto eu. Conheci-o no início dos anos 70 como professor da Universidade de Brasília e acompanho a sua vida, os seus escritos, e penso que não se deve confundir o comportamento individual com um passado de honestidade e de probidade. Não se trata, portanto, do julgamento de indivíduos, mas de instituições, o que é opaco, o que não pode ser revelado, o que é adulterado. É o próprio funcionamento do sistema capitalista. E uma das instituições mais expressivas do capitalismo é justamente o sistema bancário privado. Disseram nesta Casa que houve uma produção de dinheiro falso por parte do Banco Central. O que digo é que moeda escritural do Brasil e do mundo é dinheiro falso. E esquecemos disso porque, no princípio, quando surgiu essa forma monetária, ela estarreceu o mundo, estarreceu Jefferson, que chamava o grupo de banqueiros que gravitava em torno de Hamilton de corrupt squadron, de esquadrão dos corruptos. Eram banqueiros! E Jefferson dizia: - "Não sei o que é pior: se um bando de banqueiros ou se um bando de militares." Porque o grupo Cincinnati de militares ligado a Hamilton queria colocar um militar como rei dos Estados Unidos. Pois bem, voltando agora à questão do dinheiro, permitiu-se que 15 bancos privados - e no Brasil quem o fez foi Rui Barbosa, no seu pacote de 15 de janeiro - criassem dinheiro. E criassem como? Os bancos compravam títulos da dívida pública do governo e sobre esses títulos da dívida faziam uma nova dívida. Ou seja, emitiam dinheiro completamente sem lastro; e ainda recebiam os juros sobre esses papéis. Então, é óbvio que não há melhor negócio no mundo do que ser banqueiro, porque banqueiro pode, nessa nossa legalidade espúria, produzir, oficialmente, moeda escritural que no mundo inteiro é o dobro do papel moeda em circulação. Portanto, o que hoje o Banco Nacional fez foi uma falcatrua permitida, induzida pelas condições que permitem a qualquer banco, diante do depósito de uma importância qualquer - digamos de R$1.000,00 - recolher ao Banco Central uma parte, que seria o antigo lastro, na forma obviamente também de títulos da dívida pública; e os outros R$800 serem emprestados mediante uma simples escrituração. Então, esse Sr. Santana, de Patrocínio, que eles chamaram para ser o Gerente do Banco Nacional, criou 620 depositantes fantasmas e, com isto, permitiu a criação de empréstimos e de moeda escritural sobre esses depósitos fictícios. A diferença entre a produção de moeda escritural e essa produção de moeda escritural fantástica, fictícia, é muito tênue, é muito pequena. Do ponto de vista de uma real moralidade - não daquela de Max Weber, que afirma que nós transformamos, na nossa civilização racional, o bacanal em ritual e que o mercado, de acordo com ele, é a forma de colocar um freio aos impulsos animais lucrativos do homem; racionalizar esses impulsos através do mercado. O mercado, portanto, é apenas essa tênue forma de conter esses impulsos agressivos e ladravazes da nossa índole humana - é preciso que seja analisado esse fato, seja fiscalizado mais devidamente todo o sistema bancário brasileiro, que não se continue mais a "amarrar cachorro com lingüiça", colocando banqueiros ou ex-banqueiros na Direção e na Presidência do Banco Central. Estou de pleno acordo com V. Exª no sentido de que só uma Comissão Parlamentar de Inquérito poderá começar a separar o joio do trigo nessa imensa loucura, nessa imensa confusão em que nos encontramos hoje.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Agradeço a V. Exª, Senador Lauro Campos.

Acho que nós, do Senado, ou melhor dizendo, do Congresso Nacional, não podemos compactuar com uma situação tão inusitada como esta, onde dinheiro público, suado, da população é investido em banco falido que fraudou a Nação, que deu um prejuízo incomensurável à credibilidade do sistema financeiro nacional, como foi o caso do Banco Nacional e do Banco Econômico - 5,8 bilhões de reais!

Isso representou uma quantia que deu causa à expansão da base monetária, pressionando, por assim dizer, o Governo a soltar no mercado mais títulos, aumentando o endividamento do Governo; isso significa menos investimentos nos setores prioritários a que o Governo deveria se dedicar, como educação, saúde, segurança pública, transporte, agricultura, indústria, retomando enfim o desenvolvimento, o emprego no País, porque os trabalhadores estão sofrendo as conseqüências dessa política nefasta que está sendo empregada pelos monetaristas brasileiros.

Portanto, Sr. Presidente, ao terminar as minhas palavras, a minha compreensão é de que o momento exige uma tomada de posição firme e determinada do Senado Federal, no sentido de aprofundar não só o debate, porque debate há todos os dias nesta Casa, sobre os mais variados assuntos, principalmente este, do momento: o do Banco Nacional, mas também uma investigação pormenorizada, através da qual possamos desvendar a verdade, abrir a caixa preta do Banco Central e mostrar aos donos do Banco Central, aos donos do sistema financeiro nacional, que podem gerir e administrar o sistema financeiro, mas não são os donos da riqueza nacional.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Com muita honra, concedo o aparte a V. Exª, se assim o permitir o Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - A Presidência prorroga o período destinado ao Expediente por mais 5 minutos, a fim de que V. Exª possa terminar o seu pronunciamento.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador, queria apenas acrescentar a tudo quanto V. Exª está explanando que essas apurações reclamadas não dependem de nova lei, nem de alteração da legislação existente. A legislação existente, inclusive a Lei sobre o Crime do Colarinho Branco já permite todas as averigüações. Pretender agora, como já se está insinuando, alterar a lei é forma de manipular soluções contrárias ao interesse público.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - É uma verdade, Senador Josaphat Marinho! As autoridades constituídas deste País, que estão no Ministério Público, que estão na Justiça, sabem, tanto quanto nós, que a legislação existe para punir os infratores. E aqueles que fraudaram os bancos têm que sofrer uma punição severa e exemplar, porque, do contrário, o nosso sistema irá falir, como afirmou o próprio Banco Central ao comprovar que das 50 instituições fiscalizadas somente 8 são confiáveis. Isso é um verdadeiro caos no sistema financeiro do nosso País.

O Sr. Josaphat Marinho - Note V. Exª, se o Banco Central pode descobrir e trazer a público as irregularidades, por que não tem condições de apurá-las, independentemente de modificação da lei?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Sr. Presidente, estou terminando definitivamente. Agradeço a compreensão de V. Exª e reitero o pedido aos Srs. Senadores para que pensem bem e melhor - melhor para o País, melhor para o Senado, melhor para o Poder Legislativo. Que nós tenhamos independência suficiente para mostrar ao Banco Central que o Poder Legislativo é o órgão essencialmente fiscalizador de todas as ações do Governo em todos os cantos da administração pública.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/03/1996 - Página 3085