Discurso no Senado Federal

DEFICIT HABITACIONAL E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O AGRAVAMENTO DO QUADRO SOCIAL. PROGRAMAS PRO-MORADIA E PRO-SANEAMENTO, DESENVOLVIDOS PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • DEFICIT HABITACIONAL E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O AGRAVAMENTO DO QUADRO SOCIAL. PROGRAMAS PRO-MORADIA E PRO-SANEAMENTO, DESENVOLVIDOS PELO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/1996 - Página 3660
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, DEFICIT, HABITAÇÃO, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, CRISE, SITUAÇÃO SOCIAL, PAIS.
  • ELOGIO, ADMINISTRAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ADOÇÃO, PROGRAMA, SETOR, HABITAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO, ALTERAÇÃO, CIRCULAR, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), GARANTIA, MUTUARIO, POUPANÇA, RECEBIMENTO, FINANCIAMENTO.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a problemática social deste País compõe um quadro vasto, complexo e desolador, dentro do qual um dos aspectos que se destaca é a questão do déficit habitacional, hoje estimado em doze milhões de moradias.

Conquanto outros problemas sociais - como, por exemplo, aqueles nas áreas da saúde e da educação - encontrem maior repercussão na mídia, não é possível subestimar a gravidade da questão habitacional, pois - é imperioso reconhecer - sem moradia decente não há cidadania.

Anos e anos de erros e omissões acumulados têm conduzido ao paulatino agravamento de uma situação que já por si só seria complexa, levando-se em conta o vertiginoso processo de urbanização vivido pelo País ao longo das últimas décadas.

Nos últimos três anos, em particular, o Governo Federal ausentou-se quase por completo do financiamento de construção ou aquisição de novas moradias, ficando a tarefa entregue às próprias construtoras e a alguns bancos privados. Essa situação, combinada com a falência dos projetos que tinham por objetivo prover de moradia as camadas mais pobres da população, levou ao aprofundamento do desequilíbrio entre oferta e procura no mercado imobiliários. O resultado final do processo é que a quantia que alguns anos atrás bastava para alugar uma boa casinha ou um apartamento decente é hoje consumida na locação de um barraco na periferia. Com isso, milhares de trabalhadores com alguma qualificação, bem como funcionários públicos menos graduados, vão sendo empurrados para a favelização.

Trata-se de situação que violenta os princípios mais elementares de Justiça Social e colide com qualquer propósito de promoção da cidadania. Nessa medida, regozijamo-nos ao constatar que a administração do Presidente Fernando Henrique Cardoso não está de braços cruzados, já tendo, nesses primeiros dez meses de mandato, tomado algumas iniciativas no sentido de dar cumprimento às propostas formuladas quando da campanha eleitoral, no que respeita ao setor habitacional.

Exemplos dessas iniciativas são os programas Pró-Moradia e Pró-Saneamento, voltados para a população com renda de até três salários mínimos, e os programas Carta de Crédito e Propriedade Cooperativa, os quais atenderão ao segmento com renda familiar mensal até doze salários mínimos. O Pró-Moradia e o Pró-Saneamento aplicarão neste ano, respectivamente, 644 milhões e 389 milhões de reais. Já a Carta de Crédito e o Propriedade Cooperativa disporão de, respectivamente, setecentos milhões e cento e sessenta milhões, oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

A toda evidência, são recursos muito modestos em face da magnitude do problema, motivo pelo qual aguardamos novas destinações de verbas governamentais na primeira oportunidade. Entretanto, o que releva neste momento, como afirmamos anteriormente, é verificar que o Executivo não está inerte frente à questão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, outra iniciativa do Executivo na área habitacional foi o recente lançamento da poupança vinculada. Por esse sistema, o candidato à casa própria adquirirá o direito ao mútuo habitacional após realizar depósitos ao longo de trinta e seis meses em uma caderneta de poupança especialmente aberta para esse fim. O número de depósitos, sua periodicidade e seus valores podem ser livremente contratados entre o poupador e o banco, devendo existir, é evidente, correspondência entre o valor pretendido de financiamento e o valor a ser poupado.

Essa iniciativa é elogiável não apenas por abrir mais uma via para a conquista da casa própria como também por estimular o saudável hábito de poupança de longo prazo, tão arraigado entre os povos dos países desenvolvidos e ainda tão pouco cultivado pelos brasileiros. Por outro lado, embora louve a idealização desse instrumento misto de poupança e financiamento, o motivo pelo qual venho hoje a esta tribuna é, na verdade, alertar quanto a uma grave lacuna existente na regulamentação baixada pelo Banco Central para reger essa modalidade de negócio, pois, tal como definidas as regras, a proteção oferecida ao poupador é absolutamente insatisfatória.

Ocorre que as regras para a poupança, contidas na Circular número 2.613 do Banco Central, não prevêem qualquer indenização ao poupador no caso de não cumprimento do contrato por parte da instituição financeira, sendo esse ponto que, na minha opinião, reclama urgente alteração.

Observe-se que, caso seja o poupador a não cumprir seu compromisso de efetuar os depósitos pactuados, a sanção está bem definida, consistindo na perda do direito à carta de crédito. Conquanto seja assegurado ao poupador inadimplente o direito de receber de volta todo o valo aplicado, acrescido da remuneração normal da caderneta de poupança, ainda assim temos de reconhecer que a punição é suficiente. Afinal, seu dinheiro terá ficado retido por trinta e seis meses - um prazo muaríssimo mais longo do que os trinta dias de praxe para os depósitos normais em cadernetas de poupança - em troca de nada além da remuneração que teria por uma poupança comum. Quanto mais longa e financeiramente mais volumosa houver sido sua participação no plano, tanto maior terá sido sua perda em relação a qualquer bom uso alternativo do dinheiro, pois, como se sabe, a liquidez tem um preço no mercado financeiro, e ninguém renuncia a ela sem receber compensação na forma de maior rendimento.

Mas se a inadimplência for da instituição financeira? Se o banco não cumprir sua parte, deixando de conceder o mútuo ao poupador que fez todos os depósitos a que se havia comprometido? Nesse caso, a Circular determina penalidade à instituição financeira, porém em formato que só traz benefício ao Banco Central, mas que não garante qualquer indenização ao poupador.

Segundo dispõe a Circular, a instituição financeira que falhar em adimplir sua obrigação de entregar a carta de crédito ao poupador terá de recolher ao Banco Central quantia equivalente ao saldo da conta de poupança, ficando esse valor retido, até que o financiamento seja concedido. Além disso, a Circular determina remuneração inferior à básica dos depósitos de poupança para os valores recolhidos em decorrência da imposição dessa penalidade.

Mas aqui cabe perguntar: E o poupador, como fica? De que lhe resolve saber que o banco foi obrigado a recolher valor equivalente ao saldo da conta de poupança? Essa punição imposta à instituição financeira, embora possa ser lucrativa para o Banco Central, não lhe traz qualquer vantagem, não lhe assegura qualquer compensação pela frustração de seu direito à carta de crédito. Evidentemente, após trinta e seis meses efetuando depósitos e renunciando à liquidez de seu dinheiro, ele não tem porque satisfazer-se tão somente com a devolução do valor depositado, acrescido do rendimento básico. Após imobilizar seus recursos por tanto tempo, ele faz jus a algo mais, merece alguma compensação.

É possível que os dirigentes do Banco Central responsáveis pela definição das regras constantes da Circular número 2.613 tenham imaginado que as instituições financeiras terão interesse em cumprir o contrato a fim de evitar a retenção e a sub-remuneração do dinheiro. Mas o fato é que essa única ameaça de sanção sobre as instituições não é suficiente para acautelar os interesses dos poupadores. Afinal, se o contrato for descumprido em relação a poucos mutuários, essa punição poderá representar um custo muito limitado para o banco. Por outro lado, do ponto de vista do mutuário, a demora do banco em fornecer a carta de crédito - isso se ele chegar a fornecê-la - pode implicar prejuízos importantes. Conseqüentemente, é indispensável que se preveja uma indenização ao poupador/mutuário para o caso de não ser concedida a carta de crédito.

Alguém poderia argüir que o poupador prejudicado tem o direito, constitucionalmente assegurado, de recorrer ao Judiciários em busca de reparação pelo prejuízo sofrido. Não podemos esquecer, porém, que, nesse caso, ele terá de contratar um advogado, incorrer em despesas por tempo indeterminado, enfrentar as sucessivas instâncias judiciais e esperar, com otimismo, poro uma decisão favorável, a qual, logicamente, não é garantida.

É verdade também que, na medida em que o contrato será livremente pactuado entre poupador e instituição financeira, cláusulas de segurança podem ser incluídas em cada contrato pela via da negociação. Entretanto, tendo em vista que a nova modalidade de poupança foi objeto de regulamentação pelo Banco Central, só podemos supor que o propósito era criar um figurino adequado e conveniente que dispensasse uma negociação mais minuciosa pelas partes.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como afirmamos ao início deste pronunciamento, a problemática habitacional do País é da maior gravidade, e a necessidade de prover de moradia digna milhões de famílias brasileiras há de ser encarada com firmeza e determinação. Nesse contexto, devemos saudar as diversas iniciativas desmanchadas pelo Governo Fernando Henrique na área, inclusive a criação da nova poupança vinculada. O que não podemos é admitir que o negócio represente um verdadeiro contrato de risco para o poupador, que se submeteria a todas exigências, renunciaria à liquidez de seus recursos, por prazo prolongado e estaria despido de qualquer proteção contra a não concessão do mútuo habitacional por parte do agente financeiro.

Por esses motivos, solicitamos à equipe econômica do Governo que promova as necessárias alterações na Circular nº 2.613 do Banco Central, de molde a assegurar ao mutuário da poupança vinculada garantias efetivas de que receberá o financiamento que contratou.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/1996 - Página 3660