Discurso no Senado Federal

POSICIONAMENTO CONTRARIO A PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE.

Autor
Ernandes Amorim (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Ernandes Santos Amorim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • POSICIONAMENTO CONTRARIO A PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/1996 - Página 3663
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL.

              O SR. ERNANDES AMORIM (PMDB--RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a privatização da Vale do Rio Doce é um absurdo que urge impedir a todo custo! Oponho-me a essa venda; o povo brasileiro, indignado, a abomina; a nação, perplexa, não a aceita de modo algum!

              São posições viscerais, do fundo da alma, compartilhadas por grande parte desta Casa. A entrega desse patrimônio desperta essas emoções instintivas e justas. No entanto, quero expor, hoje, desta tribuna, com frieza, uma série de argumentos irrespondíveis, racionais, que condenam essa ameaça que paira sobre o nosso País. Argumentos puramente cerebrais, independentes de pulsar em meu peito um coração brasileiro.

              O Governo pretende vender, pelo melhor lance, por força do Programa de Desestatização, uma empresa com cinqüenta e dois anos de existência, a maior multinacional brasileira, marcada claramente, de alto a baixo, pelo sucesso empresarial; maior empresa de minério de ferro do mundo, operando notáveis sistemas integrados mina-ferrovia-porto-navegação transoceânica; empresa ramificada por quatorze controladas e vinte e nove coligadas, empenhadas em atividades minerais e industriais diversificadas, em nove diferentes estados da federação; empresa detentora de reservas minerais incomensuráveis, já comprovadas e em constante expansão, haja vista a recente descoberta de cento e cinqüenta toneladas de ouro em Serra Leste, no Pará. Empresa que é o próprio rico subsolo do País, que é o próprio País!

              Que vem a ser esse Programa Nacional de Desestatização? É a Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, que relaciona seis objetivos como justificativos da venda de empresas estatais à iniciativa privada. Examinaremos esses seis objetivos, demonstrando que nenhum deles se aplica à Vale do Rio Doce. Vamos nos ater estritamente à base legal da desestatização e evidenciar a impropriedade, o contra-senso que é vender a Vale.

              O primeiro objetivo da Lei é "reordenar a posição estratégica do Estado na economia". Ora, aqui não há o que reordenar. A Vale já atua, com eficiência e excelentes resultados, em setores estratégicos para o País, promovendo o desenvolvimento nacional. O conglomerado da Vale fomenta a mineração, o transporte regional, a produção de alumínio, a produção de celulose, a siderurgia, a produção de ouro. Por exemplo, a Estrada de Ferro Vitória-Minas: metade do que transporta é minério, o restante é seiva econômica geral, estratégica, vitalizando as Regiões Sudeste e Centro-Oeste. Então, a Vale, para quê vendê-la?

              O segundo objetivo da Lei é: "contribuir para a redução da dívida pública". Pois bem, nada feito aqui, tampouco, pois a Vale do Rio Doce é lucrativa, não uma empresa falida, endividada. É claro: a Vale se financia para investir e crescer; a banca internacional, confiante, lhe concede créditos, de muito bom grado. A Vale gera oitocentos milhões de dólares de caixa, anualmente. Paga dividendos generosos ao seu acionista principal, a União. Então, a Vale, para quê vendê-la?

              Terceiro objetivo da Lei: "permitir a retomada dos investimentos nas empresas desestatizadas". Tampouco não se aplica: a Vale não precisa desse falso "favor". Ela vem investindo. Intensamente, oportunamente, competentemente, no tempo e no lugar certo. Basta ver o que foi feito nos últimos trinta anos pela Vale, alguns de seus inteligentes e lucrativos lances de investimento: Porto de Tubarão, Usina de Pelotização, Usina de Concentração, Expansão do Porto de Tubarão, Duplicação da Vitória-Minas, Projeto Carajás, participação nas siderúrgicas. E basta ver os projetos de investimento em curso pela Vale, totalizando cerca de quatro bilhões de dólares. Então, a Vale, para quê vendê-la?

              Quarto objetivo da Lei: "contribuir para a modernização do parque industrial do País". Ora, nenhum eventual comprador privado poderá dar à Vale lições de modernização. O desempenho da Vale, aferido internacionalmente, é insuperável. Então, a Vale, para quê vendê-la?

              O quinto objetivo da Lei nº 8.031 é permitir que a administração pública concentre seus esforços em atividades que sejam prioridades nacionais. Senhor Presidente, à luz da atuação da Vale do Rio Doce, vemos que ela atende a altas prioridades nacionais, tais como: geração de empregos, geração de divisas, desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento regional. Então, a Vale, para quê vendê-la?

              O sexto objetivo alinhado na Lei é o fortalecimento do mercado de capitais, por oferta democratizada de participação acionária. Ora, as ações da Vale já são das mais negociadas das bolsas de valores brasileiras. Então, a Vale, para quê vendê-la?

              Privatizar a Vale não contribuirá para os objetivos previstos em lei. Pelo contrário, tal venda poderá desarticular aquilo que hoje funciona bem e que traz benefícios ao País.

              Essa venda levanta a questão crucial da privatização de reservas minerais. Ao intenso ritmo atual de produção, os quarenta bilhões de toneladas de minério de ferro da Vale durarão quatrocentos anos. Situações similares se repetem em relação ao ouro, manganês, níquel, cobre, bauxita e outros. Além disso, as pesquisas em andamento podem resultar, a curto prazo, em novas reservas, como foi o recente caso do ouro. Os defensores da privatização da Vale argumentam que não se pode saber que valor terão essas reservas além de um certo horizonte de tempo, e que, portanto, deve-se atribuir a elas um valor limitado a esse tempo. Por exemplo, dar ao ferro de Carajás o valor que teria se explorado por apenas trinta e cinco anos, já que não há como atribuir valor comercial à reserva estratégica de longa duração.

              Pois bem, em face desse argumento prepotente e petulante, proponho a seguinte solução: caso se concretize a ameaça de privatização -- um desastre para o Brasil -- que ao menos se dê um tratamento inteligente e justo a essa questão. Que as reservas sejam dadas à exploração dos compradores da Vale por prazo limitado de concessão de lavra, revertendo depois à União. Por exemplo, que o ferro de Carajás, no qual os privatizantes vêm utilidade e valor por apenas trinta e cinco anos, seja lavrado pelos adquirentes desse patrimônio apenas pelos trinta e cinco anos que alcança sua visão curta. O que restar, os muitos bilhões de toneladas que restarem, reverteriam à União como reserva estratégica do País, a tal reserva estratégica que os vendedores da Vale dizem não ter valor. Minha proposta tem base legal: é situação prevista no artigo 56 do Código de Mineração.

              Sim, Sr. Presidente, pois o que dói é que, além de vender a Vale, querem vendê-la mal! A questão da riqueza quase infinita do subsolo é apenas um dos absurdos que aí pululam. Pois falam também em desmembrar a Vale, vendê-la aos pedaços, anulando o efeito de sinergia que se dá entre suas partes componentes. Por exemplo: um dos trunfos e razões do prestígio internacional da Vale é sua capacidade de operar integradamente mina, ferrovia, porto e transporte transoceânico. Que estultície será desmembrar essa cadeia! E, no entanto, essa alternativa é discutida como se fosse séria.

              Por outro lado, privatizar a Vale intacta, inteira, o conglomerado todo, dará ao comprador do conjunto um poder imenso, que não se coaduna com a soberania nacional. Está posto um dilema insolúvel. E é insolúvel porque a própria idéia de vender a Vale é despropositada e irracional.

              Mas os que estão de olho na Vale, para comprá-la na bacia das almas, nada têm de irracional. Calculadamente, trataram de espalhar versões de que a Vale foi avaliada por especialistas em dez bilhões de dólares. Ora, especialistas por especialistas, há outros que, nada emocionalmente, estão dispostos a comprovar que a Vale pode ser racionalmente avaliada em valores muitíssimo superiores.

              Sr. Presidente, os consultores agora contratados pelo BNDES para avaliar a Vale do Rio Doce estão escarafunchando a empresa de alto a baixo, inteirando-se de seus segredos comerciais e tecnológicos. Quem sabe para quem e para onde serão vazadas essas informações? Essas e muitas outras preocupações nos assaltam com o desenrolar desse episódio sombrio, com o avanço dessa mal-engendrada privatização.

              Mantenha-se alerta esta Casa para organizar sua resistência no momento oportuno!

              Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/1996 - Página 3663