Discurso no Senado Federal

DENUNCIAS VEICULADAS NA IMPRENSA DE MANIPULAÇÃO DE BALANÇOS DO BANCO NACIONAL. CAMPANHA DA FRATERNIDADE DA CNBB, DE 1996. ESCALADA DA VIOLENCIA NO PAIS. AÇÃO DA POLICIA E DO CRIME ORGANIZADO. PROBLEMAS DAS DROGAS.

Autor
Romeu Tuma (PSL - Partido Social Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS. IGREJA CATOLICA. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • DENUNCIAS VEICULADAS NA IMPRENSA DE MANIPULAÇÃO DE BALANÇOS DO BANCO NACIONAL. CAMPANHA DA FRATERNIDADE DA CNBB, DE 1996. ESCALADA DA VIOLENCIA NO PAIS. AÇÃO DA POLICIA E DO CRIME ORGANIZADO. PROBLEMAS DAS DROGAS.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Eduardo Suplicy, Marina Silva, Pedro Piva, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 29/02/1996 - Página 2617
Assunto
Outros > BANCOS. IGREJA CATOLICA. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, PRISÃO PREVENTIVA, AUTOR, CRIME, BANCO PARTICULAR.
  • COMENTARIO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ASSUNTO, JUSTIÇA, PAZ, OBJETIVO, FORMAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, POLITICA, CIDADANIA, OPOSIÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • PROTESTO, ESCALA, VIOLENCIA, FALTA, SEGURANÇA, FAMILIA, VITIMA, CRIME ORGANIZADO, TRAFICANTE, FALENCIA, SISTEMA, POLICIA, AUMENTO, EXODO RURAL.
  • ATENÇÃO, DEBATE, LIBERAÇÃO, ENTORPECENTE.

O SR. ROMEU TUMA (PSL-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senadora Marina, sinto-me feliz por ter dado a oportunidade para que V. Exª fizesse esse protesto. E, se me permite, incluo nesse seu protesto o pedido de prisão preventiva daqueles que roubaram do Banco Nacional.

É importante que se saiba que, de ofício, a autoridade policial pode e já deve ter aberto o inquérito para providenciar as medidas de ordem judicial para que isso não se repita.

Quando pensávamos que as contas fantasmas não existiam mais no mecanismo financeiro nacional, percebemos que setecentas delas foram manipuladas por quase uma década, sem que ninguém atentasse para isso. Como disse o Senador Roberto Freire: "emitiram dinheiro, fazendo com que a inflação crescesse, e todos nós ficamos navegando".

Não sei se a Polícia Federal, de ofício, já abriu o inquérito, não só pelas denúncias que foram veiculadas pela imprensa, mas pela fiscalização do Banco Central, pois o próprio Diretor do Banco disse que manipulava os balanços através dessas contas "mortas", que eram normalmente reativadas para movimentar os balanços falsos.

Mas, aqui estou para fazer um discurso que, talvez, interesse também a V. Exª, nobre Senadora. Trata-se da Campanha Fraternidade e Política, na qual a Igreja Católica, neste período de Quaresma, está empenhada, e que, neste ano, tem como lema: "Justiça e paz se abraçarão".

O objetivo dessa Campanha é formar a consciência política das pessoas a fim de que exerçam sua cidadania. Os católicos, entre os quais me incluo, entendem que o cidadão deve conhecer seus deveres e direitos para um convivência social condizente com a dignidade da pessoa humana - e aí se inclui o aspecto da intervenção de V. Exª, nobre Senadora Marina Silva.

Nesta manhã, na residência do Sr. Vice-Presidente da República, Dr. Marco Maciel, Deputados e Senadores se reuniram para discutir a melhor forma de difundir o tema e as alternativas para fazermos chegar essas idéias às bases políticas, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais. Entre os coordenadores do Grupo Parlamentar Católico, temos os Senadores Lúcio Alcântara e Pedro Simon, que ocupou recentemente esta tribuna para expor o tema e que, acredito, juntamente com o Senador Lúcio Alcântara, voltará a meditar sobre o tema com mais profundidade.

Acredito ser esta a oportunidade, Srªs e Srs. Senadores, de se mostrar o quanto se trabalha nesta Casa.

Aproveito o "gancho" de Dom Lucas, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição do último dia 21 de fevereiro, intitulado "O abraço", no qual há um destaque de edição: "Nada é contrário à fraternidade quanto a corrupção na política."

Creio que este é o momento de se dizer que a política sadia que se faz nesta Casa abomina a corrupção, sentindo-se violentada a cada manifestação que a imprensa invoca sobre qualquer ato inadequado de qualquer membro da atividade política. Permitir-me-ia ler um trecho desse artigo que deverá ficar à disposição dos Srs. Senadores:

      Porque o bem-comum, no dizer de Aristóteles, é mais sagrado - mais divino, diz o filósofo - do que o bem individual, a política se torna uma atividade que cada qual, governante ou governado, deveria exercer, não improvisadamente, empiricamente, mas com competência, responsabilidade e senso do dever.

      Porque a política assim se chama por estar voltada para a polis, a cidade e a convivência humana na cidade é parte integrante e constitutiva dela a promoção da cidadania no que esta significa como direitos e deveres, como ideal e como tarefa, como exigência e como condição.

Ao conversar com o Senador Pedro Simon, que normalmente tem sido um orientador de minhas manifestações nesta Casa, S. Exª me dizia que eu deveria prosseguir nas explicações que contém o manual que a CNBB expediu - e que o Grupo Parlamentar também, apenas com o texto base, deverá distribuir a esta Casa. Acredito que S. Exª, como também o Senador Lúcio Alcântara, poderá, em melhores condições que eu, ater-se a esse tema.

Infelizmente, talvez imbuído nas manifestações contidas neste livro, no artigo de Dom Lucas e no trabalho que a Igreja pretende fazer com o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, assusto-me com a leitura dos jornais das principais cidades brasileiras, que não nos permitem otimismo em relação à dignidade da pessoa humana. As famílias de bem estão acuadas, assustadas, em pânico e aprisionadas em seus lares, reféns do crime organizado, dos traficantes de drogas ou do mais simples marginal, que hoje já não se restringem às periferias das grandes cidades, estão em todos os lugares. Não há mais limites para a ação criminosa.

Não pretendo estender-me sobre o assunto, mas não posso deixar de registrar minha repulsa e principalmente minha preocupação com essa escalada da violência, que denota a falência do sistema policial brasileiro. Não poderia ser outra a avaliação do cidadão, do pai de família, enfim, da sociedade de bem.

A situação chegou ao absurdo em relação aos traficantes. Está aqui como manchete do jornal O Globo, edição de 25 de fevereiro:

      Traficantes impedem ação do Exército em favela.

O objetivo do Exército naquela visita à favela era ajudar os desabrigados, vítimas das fortes chuvas que caíram sobre a cidade. Enviaram 15 soldados desarmados, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apenas para distribuir um panfleto de orientação para evitar doenças decorrentes das enchentes.

O quadro de violência em São Paulo não é muito diferente do que acontece no Rio e em outros Estados brasileiros - acredito que no de V. Exª também - que parecem dominados pelo crime organizado.

A situação em São Paulo tem se agravado. Nos dois primeiros meses do ano, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, em sua edição de 27 de fevereiro, ontem, ocorreram na capital e grande São Paulo 13 execuções com 33 mortes. No mesmo período do ano passado, foram registradas 8 execuções com 25 mortes.

Não sei se ressurgem os esquadrões da morte ou se são, como chamam modernamente, os justiceiros. Sei que a escalada dos homicídios, a qualquer título, cresce assustadoramente.

A matéria da revista IstoÉ cita algumas histórias de que, no Brasil, em São Paulo, se mata por nada. O tema da violência é abordado e diz-se que o brasileiro mata à-toa. No ano passado, na região metropolitana de São Paulo, ocorreram 7.358 homicídios, e pelo menos 30% deles por motivos fúteis.

Registro a presença de duas autoridades: o Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia e um colega, delegado de polícia de São Paulo, que vieram ajudar-me na elaboração desses dados, pois sabem a posição aflitiva das autoridades policiais, que não estão encontrando meios e condições de trabalho sadio para oferecerem um trabalho eficiente à sociedade brasileira.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Pois não, Excelência.

A Srª Marina Silva - Estou acompanhando o seu pronunciamento, que considero muito importante. V. Exª faz referência ao documento da CNBB, que é muito rico, com uma orientação que vai desde a política - como a Igreja orienta os católicos para que estabeleçam uma relação com os seus representantes - e de como escolher os políticos, até diretrizes mais gerais, de como fazer a inclusão social neste País de excluídos. Nobre Senador, o problema da violência é algo sobre o qual poderíamos parar para refletir da seguinte forma: há alguns anos, no Brasil, com certeza, existia violência também, mas cabe a nós indagarmos por que, neste momento, ela é tão mais forte? Por que na sociedade, de alguma forma, aqueles que são excluídos, que têm algum direito, que têm alguma forma de viver com uma certa decência parece se protegerem contra aqueles que vivem numa situação de completa barbárie? Por que isso ocorre? É o fenômeno da exclusão social que acontece no mundo, mais particularmente nos países do Terceiro Mundo. E o Brasil, perversamente, faz parte dessa cifra de países de excluídos com uma contribuição lamentavelmente muito grande, onde não existe reforma agrária, as pessoas não têm acesso à terra, portanto, são desempregados. O modelo de educação que temos até hoje não possibilita às pessoas um meio de sair da situação, muitas vezes, de penúria em que vive para um acesso ao conhecimento, tendo a possibilidade de disputar o mercado de trabalho com decência. A maioria das crianças que entram na escola sequer chegam a completar o primeiro grau. O problema da violência no Brasil tem uma raiz social muito forte. O documento da CNBB, ao qual V. Exª começa fazendo referência, tem muito a ver com o este seu pronunciamento. Creio que o grande desafio da humanidade, o grande desafio dos brasileiros, dos homens e mulheres de bem é favorecer a inclusão desses milhões de brasileiros que hoje estão à margem, que não estão fazendo a viagem da possibilidade de sobreviver com a mínima decência. Lamentavelmente, na Amazônia - repetidamente tenho dito -, as pessoas que antes viviam - e V. Exª conhece a Amazônia - num barraco, ainda que numa palafita, viviam com dignidade. Hoje, vivem em favelas, nas periferias da cidade. Manaus, por exemplo, tem 75% da população do Estado; o a capital do Acre está com 53%; e a capital do Estado do Amapá deve ter aproximadamente 75% também. Então, esse processo perverso faz com que as pessoas, sem alternativa, do ponto de vista social, cultural, de trabalho, passem a lançar mão dessas formas bárbaras de existência de relacionamento humano. É lamentável que uma sociedade que começa a ficar completamente degradada não veja perspectiva de sair dessa situação de penúria. Mais lamentável ainda é a análise do processo que levou a toda essa situação de penúria, criando seres humanos que, muitas vezes, passam a ser seres humanos pela metade, quer nas condições de vida, quer nas formas de se relacionar uns com os outros.

O SR. ROMEU TUMA - Agradeço à Senadora Marina Silva e incorporo ao meu discurso a sua manifestação. Penso que se trata de um alerta ao Governo, que não pode virar as costas à periferia sofrida das nossas cidades; caso contrário, haverá a invasão dos grandes centros, e a urbe tranqüilamente transformará a vida do cidadão em algo impossível de ser vivido em função da superpopulação. E as prefeituras não poderão, em hipótese alguma, acompanhar o crescimento demográfico e dar toda assistência.

Imaginem se esse êxodo continuar a invadir as nossas cidades. Sofreremos terrivelmente com um índice muito elevado, não digo no aspecto do aumento da criminalidade, mas da violência, que está claramente vinculada ao aspecto social.

O Sr. Casildo Maldaner  - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Ouço o nobre Colega.

O SR. CASILDO MALDANER - Senador Romeu Tuma, V. Exª aborda três temas importantes. Primeiro, o caso dos bancos. Estamos para votar o PROER numa situação inquietante, pois para salvarmos a situação financeira do País, precisamos aplicar recursos. Os desvios de recursos está campeando no País e nos deixa atordoados, com maquiação de balanços e assim por diante. V. Exª adentra o tema da CNBB, da Fraternidade e Política. Parece que fica no meio esse tema que V. Exª aborda hoje, e fecha bem, e estava culminando com a estruturação da própria polícia e da segurança do País. Na verdade, precisamos de uma polícia bem aparelhada para que possa apurar, inclusive, esses desvios. V. Exª, portanto, foi muito feliz em abordar tudo isso nesta tarde. O tema central, que é a CNBB, abrange tudo isso. Temos que ter uma política social, quer dizer, o direito de participação para incluir os excluídos, mas, ao mesmo tempo, temos que ter uma polícia aparelhada para fazer com que se punam desvios, como vêm acontecendo, quando se fazem maquiagens em balanços de bancos, já que, no fundo, é o dinheiro dos brasileiros. Se vamos aprovar o PROER para salvar essa situação, é o dinheiro dos brasileiros que vai faltar para o tema principal da CNBB, que é a fraternidade, uma política responsável, assim por diante. Assim, Senador Romeu Tuma, como V. Exª vem sempre à tribuna analisar temas de profundidade incalculável, receba os nossos cumprimentos.

O SR. ROMEU TUMA - Agradeço a V. Exª, Senador Casildo Maldaner. V. Exª sabe a admiração que tenho pela sua pessoa e pela presença permanente nos grandes temas nacionais.

Não posso ter a pretensão de defender o Presidente Fernando Henrique no aspecto do sistema financeiro. Acredito que a própria evolução dos acontecimentos, que vem de anos, fez com que o Governo resolvesse abrir o tumor. No entanto, precisou salvar o sistema financeiro; caso contrário, através dele, poderia levar o sistema produtivo nacional a uma quebradeira geral.

Parece-me que não há qualquer sentido em se pensar que estava ele escondendo qualquer fato grave que hoje os principais jornais estampam em suas manchetes, senão teria feito. As informações estão saindo do Banco Central. Não sei se houve ou não omissão, depende das apurações que a própria polícia poderá fazer através de inquérito. É uma outra coisa. Mas o Governo, provavelmente com muita angústia, está trazendo a público os fatos e respondendo os questionamentos.

Acredito que a vinda do Presidente do Banco Central a esta Casa possa esclarecer nossas dúvidas e, assim, possamos ter embasamento para futuras decisões que tenhamos que tomar. Por isso, agradeço a V. Exª essa indicação em seu aparte.

Voltando à analise do carnaval no Rio, saliento que o Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro e o delegado Hélio Luz têm procurado melhorar a imagem daquele Estado especialmente perante os turistas. E a Veja esta semana traz, na matéria "Uma imagem melhor", pesquisa sobre o turismo no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras, mostrando uma visão melhorada dos turistas em relação à segurança.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Gostaria de externar em primeiro lugar o meu apoio à campanha da Igreja. Consistente com as passadas Campanhas da Fraternidade, esta, de justiça e política, é colocada lado a lado e constitui um chamamento a todos nós que fazemos parte da vida política brasileira, sobretudo com a responsabilidade por sermos senadores. Tive a oportunidade de ler boa parte do livro da Campanha da Fraternidade deste ano e acredito que constitui leitura obrigatória para todos nós. Considero importante também a manifestação de V. Exª com respeito ao rigor para com aqueles que procederam de forma irregular na administração das instituições financeiras do País. No que diz respeito à violência que se registra, sobretudo na cidade onde nós moramos, São Paulo, nestas últimas semanas, inclusive nos feriados de Carnaval - um índice extraordinário de violência, de homicídios, de roubos e de assaltos -, é importante que as autoridades estejam procurando perceber que não se pode estar acomodado simplesmente pelo fato de estar havendo - e aí até com sucesso - maior estabilidade da moeda brasileira, na medida em que as condições de desemprego, as condições de remuneração tão baixa da população certamente estão contribuindo para que haja tanto desespero, tanta tensão nas grandes metrópoles, como São Paulo, Rio de Janeiro e outras. Finalmente, Senador Romeu Tuma, relativamente àquilo que V. Exª conhece tão bem, por ter dedicado grande parte de sua vida à Polícia Federal e conhecendo V. Exª tão bem os episódios difíceis por que passam, por exemplo, os delegados, quero dizer que ainda hoje conversei com o delegado de polícia, Diretor da Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo, que assumiu há poucos dias, Dr. Roberto Maurício Genofre. Disse-me aquele diretor que, em relação ao episódio relatado pela Senadora Marina Silva, havia encaminhado ao delegado-geral uma solicitação para que seja instaurado regular procedimento administrativo, objetivando o deslinde de eventual irregularidade na conduta do delegado de polícia. Tal procedimento, além de ensejar ao interessado ampla possibilidade de esclarecer o rumoroso episódio que o envolve, atende também ao dever de Estado de apurar quaisquer fatos relevantes noticiados à autoridade do Governo de São Paulo, no caso o Governador Mário Covas. Aqui, Senador Romeu Tuma, estou me referindo ao procedimento do delegado que propôs à própria Diolinda Alves de Souza que ela pudesse ir para casa cuidar de seu filho, que os demais líderes do Movimento dos Sem-Terra pudessem ser liberados, desde que seu marido, José Rainha, se entregasse. Trata-se de um episódio que não guarda relação com a tradição jurídica brasileira. Espero que a polícia de São Paulo possa realizar um trabalho adequado, no qual se apure a responsabilidade da autoria de procedimentos que não condizem com a nossa legislação.

O SR. ROMEU TUMA - Agradeço a V. Exª pelo aparte. Posso garantir que, conhecendo os delegados que dirigem a Polícia Civil de São Paulo e o Dr. Roberto Maurício Genofre, com quem trabalhei durante um largo período da minha vida profissional, terá satisfeita a sua reivindicação, pela honestidade de trabalho que representa esse novo Corregedor da Polícia Civil de São Paulo.

Vou me permitir-me não ler o resto do meu pronunciamento, pedindo à Presidência que o considere como lido.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Concedo o aparte ao nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Quero felicitar V. Exª por todo o discurso, é claro, sempre oportuno. De modo especial, reporto-me ao início do pronunciamento de V. Exª. Na verdade, hoje, o chamado Grupo Católico do Congresso lançou uma publicação, que é cópia da Campanha da Fraternidade da CNBB para este ano, essa que V. Exª está mostrando. Ela se destina aos Deputados Estaduais, Aos Deputados Federais, Senadores e Vereadores. A nossa idéia, e dizemos com toda clareza, embora seja do Grupo Católico, não é nem católica nem cristã, mas trata-se de humanismo, de ética, de moral, de dignidade, do bem comum. V. Exª bem salientou que, a exemplo do que propõe a CNBB, uma vez que o tema este ano é política e justiça, se promova, dentro do possível, nas casas legislativas brasileiras essa discussão entre os Senadores, os Deputados, Vereadores. Por isso, está sendo enviada uma cópia do texto a todos nós, para que façamos uma análise desse tema tão complexo, a distinção entre a corrupção e a sociedade, no Congresso entre a classe política, o que é o que não é, como deve e como não deve ser feito. Então, essa é a decisão que hoje, juntamente com o Vice-Presidente da República, esse grupo tomou. O documento foi impresso e está sendo distribuído via UPI - União Parlamentar Interestadual, às assembléias legislativas e a todas as câmaras de vereadores, com o objetivo de um amplo debate. Penso que ele é oportuno, é necessário, é justo. A Senadora Marina Silva coloca muito bem que a questão social é gravíssima. Várias vezes tenho me perguntado o que temos feito até hoje no sentido de discutir essa questão, porque nós aqui, no Parlamento, convivemos com a classe média para cima. Qual é o pobre - como pergunta a Senadora Marina - qual é o miserável da zona norte ou da zona sul que pode entrar no gabinete do Senador Pedro Simon, da Senadora Marina ou no gabinete de V. Exª, representante de São Paulo? Quem pode chegar até aqui tem condições. Então, temos de olhar para este País de tantos contrastes. Se me perguntassem qual é a grande dificuldade de administrar o Brasil, diria, com toda a singeleza: o drama de administrar o Brasil é nos depararmos com dificuldades irreconciliáveis, ou seja, em nosso país temos 5% de classe rica, como nos Estados Unidos, Europa e Japão; e temos 16% ou 15% de classe média, enquanto a Europa e os Estados Unidos têm 85% de classe média; e temos 85% de classe pobre ou miserável. Então, os Estados Unidos e a Europa são administrados, a rigor, para a classe média. Os 5% de pobres que se adaptem àquela realidade, e os 5% de ricos são fiscalizados por meio do imposto de renda. No Brasil, a gente quer fazer caridade, distribuir pão para o pobre, para o miserável que está morrendo de fome. Os 5% da burguesia e os 16% da classe média têm governo; mas os 85% da classe pobre ou miserável, a rigor, não têm governo, não têm fiscalização, não têm ação. Então, o debate e o estudo dessa questão parecem-me fundamentais. Perdoe-me por abusar do tempo do pronunciamento de V. Exª, mas entendo que a Senadora Marina Silva colocou bem o problema. O Presidente da República tem toda razão quando disse que não há razão para essa moça estar na cadeia, aliás, para esses jovens estarem na cadeia. Reforma agrária é uma questão para ser debatida. Podemos ser totalmente a favor ou não. Sabemos que neste Senado há grandes proprietários de terra que são contrários à reforma agrária. Podemos divergir em nossos pontos de vista, mas colocar pessoas na cadeia, não. Acredito que o Presidente da República fez bem, porque nem na época da ditadura militar foi feito isso. Essa moça e o marido dela já estão se transformando em líderes. O Governo está criando uma grande líder e um grande líder do movimento da reforma agrária. Quer dizer, o Governo não, perdão, a justiça. A irresponsabilidade desse juiz - perdoem-me a sinceridade - está criando mártires. Daqui a pouco pode acontecer qualquer coisa. Essa moça já foi parar no hospital, e assim estará criada a "santa" pela incompetência e irresponsabilidade. Pelo amor de Deus! No Rio Grande do Sul - onde eu fui governador -, assim como no Brasil inteiro, estamos convivendo há muito tempo com esse problema de invasão de terras. Por que, de repente, esse juiz resolveu mandar prender essa moça? Isso é piada. Perdoem-me a sinceridade, mas é piada, é fazer o jogo do adversário. Às vezes eu acho que esse juiz está fazendo de propósito: "olha, deixem ela presa lá porque precisamos ter uma vítima...". Se não fosse assim, não agiria com tanta irresponsabilidade.

O SR.ROMEU TUMA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Pedro Simon. Antes do início do meu discurso, V. Exª recomendou que eu aprofundasse na análise desse documento da CNBB.

No último domingo, na missa da paróquia São Judas Tadeu - sou frequentador e devoto de São Judas -, conversando com o...

O Sr. Pedro Simon - V. Exª é esperto, escolheu bem o santo.

O SR. ROMEU TUMA - É um bom amigo. Como estava dizendo, conversando com o Padre Alberto, meu amigo, falei sobre a Campanha da Fraternidade. E ele deu-me um manual da campanha. Vim a Brasília disposto ver o material que os jornais estavam publicando para poder analisá-los frente aos objetivos da Campanha da Fraternidade, porque essa campanha se refere especificamente à justiça e à paz, que se abraçaram.

Já em Brasília, aceitei um convite para tomar café com o Sr. Vice-Presidente. Tomei um susto, mas de alegria, porque se discutiria o que realmente São Judas tinha inspirado em meu pensamento, no domingo, durante a missa. Naquela oportunidade, disse que não me atreveria a meditar sobre o texto, porque esperava que V. Exª o fizesse, pois V. Exª o faz com muito mais brilhantismo, com muito mais inteligência que eu.

O Sr. Pedro Simon - Dificilmente teria alguém com a autoridade, com a dignidade, com a competência - e o que é importante -, com a seriedade e com o caráter de V. Exª para realizar essa tarefa.

O SR. ROMEU TUMA - Muito obrigado.

O Sr. Pedro Piva - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Com muito prazer, Senador Pedro Piva.

O Sr. Pedro Piva - Meu Colega, o Senador Pedro Simon, adiantou o que eu ia dizer. Dificilmente alguém, nesta Casa, tem a autoridade, a competência e a honestidade para tratar desses assuntos como V. Exª. Fiquei aqui até esta hora para lhe cumprimentar. É sempre um prazer ouvi-lo falar sobre esses temas. Parabéns, Senador Romeu Tuma. V. Exª dignifica esta Casa.

O SR. ROMEU TUMA - Senador Pedro Piva, agradeço as palavras de V. Exª e perdôo-lhe o exagero porque V. Exª é meu irmão. Mas fica o registro.

A Srª Marina Silva - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Com muito prazer, Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Parece-me que o documento da CNBB muito inspirou os Srs. Senadores e expressa objetivos que são muito interessantes. Na página 40, são descritos os objetivos específicos da Campanha da CNBB. "l. ampliar o conceito de política para além de processos eleitorais;". Isso é muito interessante porque, às vezes, os cidadãos associam a política apenas ao momento da eleição. "2. oferecer elementos para um novo exercício da política a partir do pobre e do excluído; 3. incentivar as pessoas a se tornarem sujeitos da ação política na promoção do bem comum; 4. clarear a ligação da política com o cotidiano das relações familiares, comunitárias e eclesiais; 5. estimular a militância política e o exercício de cargos públicos revisando permanentemente a prática do poder." Enfoco uma questão que se refere à prática do poder. Geralmente, o poder é entendido como algo que se concentra. Tenho uma teoria de poder que é completamente adversa. Para mim, o poder, quanto mais diluído, mais forte ele é. Essa frase não é minha, é uma citação do oráculo do I Ching que diz que a água é tão poderosa porque não oferece resistência alguma. Não é a água que mata as pessoas; são as pessoas que morrem dentro da água. O poder também poderia ser assim. Tudo que se concentra tem uma facilidade muito grande em se quebrar. Esse teto só se sustenta porque está apoiado em vários pilares. Se fosse sobre um pilar só, com certeza já teria caído por terra. A concepção de poder é dividir o poder. O meu poder tem que estar em V. Exª, nos Senadores Pedro Simon, Antonio Carlos Valadares, em todos nós. Se for assim, será forte, duradouro e benéfico. Se estiver só em mim, se destruirá muito fácil e, com certeza, não será tão benéfico, porque ninguém dá conta da diversidade da sociedade, dos aspectos diferenciados da vida. Achei muito interessante essa questão de repensar o poder. Já que estamos falando de um documento religioso - talvez o meu pensamento de poder seja sonho, e eu gosto muito de sonhar -, vou aqui resgatar uma passagem bíblica que relata que São Tomé, para acreditar que Jesus realmente havia ressuscitado, pediu que Ele lhe mostrasse as mãos chagadas. Jesus obedeceu, mas disse que infelizmente São Tomé era um homem que não dava um bom exemplo, porque bem-aventurados são aqueles que acreditam mesmo sem estar vendo. Acredito que temos que começar a sonhar, começar a acreditar para poder ver as coisas. E eu faço isso. Vou sonhando, acreditando, aí vou vendo as coisas acontecerem. O desafio de acabar com a violência, de acabar com os excluídos pode parecer impossível - acabar no sentido de possibilitar uma inclusão social, não de eliminá-los fisicamente, é claro -, mas não é. Já dizia o poeta que sonho só é sonho quando se sonha sozinho; quando se sonha em multidão, o sonho vira realidade. Aqui não temos uma multidão, mas há alguns; lá fora deve haver muitos, principalmente os excluídos, que querem ser incluídos de alguma forma. Parabenizo V. Exª pelo seu pronunciamento. O documento da CNBB, que tem um fundo religioso, serve para todos nós, de qualquer religião. Sou de formação católica e entendo que nesse documento encontramos lições para todos os partidos. O meu Partido se sente muito contemplado nessas orientações; os demais, com certeza, se sentirão também, porque, afinal de contas, ninguém faz uma agremiação para praticar o mal, para praticar a corrupção.

Todo mundo tem um bom propósito. É esse bom propósito que os Parlamentares católicos devem tentar implementar nesta Casa. Estou imbuída desse propósito, ainda que pareça um sonho. Quero crer para ver.

O SR. ROMEU TUMA - Agradeço-lhe o aparte, nobre Senadora Marina Silva.

Seus sonhos representam a esperança de uma grande maioria sofrida do povo brasileiro. Com sua fé e disposição de luta, eles em breve realizarão esse sonho, porque contarão com o apoio de todos os Senadores que têm assento nesta Casa, pois - acredito - a maioria deles têm o mesmo sonho de V. Exª.

Pediria ao Senador Pedro Simon que, na próxima reunião, convidasse a Senadora Marina Silva para participar desse grupo, porque S. Exª, sem dúvida, colaborará com bastante eficiência.

Recortei um artigo de Gilberto Dimenstein "O Plano Real é Assassino"? Nele, o jornalista aborda algumas análises de policiais sobre a violência durante o carnaval. Diz que foi o real, cujo maior poder aquisitivo permitiu a compra de bebidas e drogas, que incorporou a manifestação de violência dos cidadãos que se divertiram no Carnaval.

Tenho minhas dúvidas sobre isso, mas não entro no mérito para não me alongar.

Por falar em droga, precisamos ter muito cuidado com a discussão sobre a liberalização da maconha e outros produtos que possam levar o homem a perder o seu raciocínio e dificultar até o uso de sua inteligência. A tese da despenalização - esse não é um termo jurídico -, que poderá refletir na população menos esclarecida, é no sentido de não levarmos o usuário às prisões, à cadeia, mas de aplicar-lhe penas alternativas de restrições de direito, para reeducá-lo e apoiá-lo na caminhada de recuperação.

Um amigo jornalista foi ao México e de lá trouxe-me uma camisa que fala de marijuana, como é chamada a maconha em Acapulco. Quer dizer, pretende-se levar à discussão o tema de descriminalização, faz-se a propaganda da droga.

No jornal Folha de S. Paulo, há um pequeno artigo sobre uma enquête a respeito da droga feita com os jogadores da seleção brasileira. As opiniões são divergentes.

Na semana passada foi publicado um artigo de Otavio Frias Filho - mandei um telegrama cumprimentando-o -, em que ele diz que estamos zonzos, perdidos e tontos nas discussões sobre o encaminhamento do problema das drogas.

O Senado não pode descuidar-se ao entrar nessas discussões. Esta Casa é que vai fazer as leis estabelecendo os mecanismos para a sociedade encontrar o seu caminho e para encontrar um caminho sadio; a sociedade depende de nós, de nossas leituras, de nossas análises, de nossas discussões nos centros irradiadores dos projetos.

Queria terminar lendo um trecho também da Campanha da Fraternidade:

      "Muitos parecem não se dar conta de que os políticos, no exercício do poder, fazem as leis e tomam decisões que vão interferir diretamente na vida dos cidadãos... Só haverá justiça e paz se houver leis justas, boa administração pública, distribuição equilibrada de cargos e benefícios, isto é, se houver uma boa política".

PIO XII dizia que depois da religião a tarefa mais importante do homem é a política.

Era isso que tinha a informar.

Espero não ter cansado V. Exªs.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/02/1996 - Página 2617