Discurso no Senado Federal

DEBATE DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES. INSTALAÇÃO DO GRUPO DE TRABALHO PARA O DESENVOLVIMENTO DA POPULAÇÃO NEGRA, PROMOVIDO PELO MINISTERIO DA JUSTIÇA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL.:
  • DEBATE DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES. INSTALAÇÃO DO GRUPO DE TRABALHO PARA O DESENVOLVIMENTO DA POPULAÇÃO NEGRA, PROMOVIDO PELO MINISTERIO DA JUSTIÇA.
Publicação
Publicação no DSF de 28/02/1996 - Página 2401
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ANUNCIO, DEBATE, PROGRAMA, EDUCAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ALFABETIZAÇÃO, AUTONOMIA, PEDAGOGIA.
  • ANALISE, ENSINO FUNDAMENTAL, LEGISLAÇÃO, DIRETRIZES E BASES, EDUCAÇÃO, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, PAIS.
  • COMENTARIO, INSTALAÇÃO, GRUPO DE TRABALHO, DESENVOLVIMENTO, POLITICA, VALORIZAÇÃO, POPULAÇÃO, NEGRO, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer dois registros que considero importantes dentro das minhas atividades de Parlamentar e de militante partidária.

Sr. Presidente, hoje pela manhã - via Embratel -, anunciamos e debatemos o Programa de Educação do Partido dos Trabalhadores.

Desde a fundação do Partido dos Trabalhadores houve uma preocupação com a questão da prioridade da Educação como sendo o maior instrumento para que se possa ter democracia e para que o indivíduo se sinta cidadão.

Sr. Presidente, diz-se, sempre, que a Oposição só sabe fazer oposição; que a Oposição não tem projeto; que a Oposição só denuncia. Quero dizer que o Partido dos Trabalhadores, desde a sua fundação, se preocupou com essa questão como se preocupou com os direitos dos trabalhadores.

E para isso, na Comissão Nacional de Educação do Partido do Trabalhadores, houve, até então, um trabalho árduo de não só dar aos programas de Governo, que apresentamos na disputa eleitoral para a Presidência da República, mas ao cotidiano da bancada e do Partido, um programa que pudesse levar em conta um atendimento que fosse a partir de zero idade. E por quê? Porque conhecemos o ensino no Brasil, conhecemos essa situação e sabemos que há uma exclusão colocada e que não é possível para um país que quer crescer, que quer investir na educação com seriedade, ignorar um contingente enorme dessa população infantil fora das escolas. E o nosso programa está voltado para esse atendimento e quer autonomia das escolas.

Tivemos, até então, a política, de certa forma, comandando a educação e ideologicamente impondo que uns possam ter o conhecimento e outros não. Como esse conhecimento significa, na verdade, o poder, a libertação, e a educação é essencial para o indivíduo. Pensamos em uma gestão de forma coletiva, porque não podemos entender uma educação que não envolve o conjunto da sociedade, que no caso está representada pelos pais, pelos profissionais da área de educação, pelos docentes, pelos técnicos e pelo pessoal de apoio. Então, é possível que haja condição de gestão coletiva, e esta é a melhor forma, é a democrática, onde todos vão se sentir responsáveis pela educação de nossas crianças.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é importante também ressaltar que o nosso programa trata da alfabetização não apenas como uma preocupação do Governo, do Estado, do Município ou do Governo Federal; ele vê a questão da alfabetização incorporando as parcerias que vão além do Executivo, além desses poderes. Busca uma parceria com os sindicatos, com as igrejas, com as universidades, com os partidos, garantindo autonomia política da pedagogia. Se não for assim, estaremos impondo uma cultura que nós globalizamos a determinados segmentos que poderiam render muito mais no seu processo educacional. E não rende porque está totalmente fora da sua cultura; quer dizer, uma educação aculturada.

A nossa preocupação se dá efetivamente para garantir que haja essa autonomia político-pedagógica. Essa pode ser aplicada, por isso insistimos na questão de que as etnias devem estar contempladas: a educação indígena, o ensino da história da África para a sociedade brasileira - não para os indígenas, não é para a comunidade negra, mas para a sociedade como um todo. É preciso que haja a introdução desses elementos.

Em particular, com relação à educação infantil, gostaria de levantar uma questão: não há uma preocupação educacional com essa população. A nossa LDB falhou consideravelmente por não entender que 70% da educação infantil estão sendo feitos pela iniciativa privada.

Quando colocamos no dispositivo da LDB a necessidade da criação de creches, não pensávamos em depósitos de crianças, ou simplesmente num direito infantil, mas num direito educacional, porque conhecemos nossa responsabilidade na integração pedagógica dessa criança ao chamado ensino fundamental. Por isso há a necessidade de se criarem creches e pré-escolas, garantindo-se, na Lei de Diretrizes e Bases, que possamos dar melhor atenção à educação infantil.

Pois bem, o nosso programa está fundamentado nessas questões.

Queremos, também, garantir que se desenvolvam as ações supletivas.

Pensamos na questão da educação esquecendo-nos que a maioria da população, inclusive a totalmente analfabeta, não teve, na idade apropriada, condições de estar nas escolas. No entanto, isso não significa que jamais poderá ser alfabetizada.

Precisamos criar e desenvolver ações supletivas que garantam aos chamados "fora da idade escolar" o seu aprendizado.

Falamos também a respeito da questão do ensino médio. Quanto ao ensino profissionalizante, a associação é a seguinte: ou é para profissionalizar, voltado para um mercado de trabalho, ou é considerado aquele de pior qualidade. No nosso projeto, buscamos a manutenção das escolas técnicas para uma educação técnico-científica, porque ela é mais abrangente, ela vai ampliar, ela vai democratizar numa associação que já deveríamos há muito estar discutindo, numa educação transformadora, que é sair desses cursos profissionalizantes e ter de imediato o seu ingresso na universidade, fazendo também essa ligação entre o ensino profissionalizante técnico e a universidade. Isso é o que chamo de técnico-científico.

Não queremos, de forma alguma, desmontar as universidades, mas garantir que o ensino seja verdadeiramente de qualidade.

Com essa preocupação, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Partido dos Trabalhadores fez o seu debate. É interessante que se diga, para alguns que podem pensar que alimentamos o corporativismo, que só muito depois tocamos na questão salarial, porque para nós já está perfeitamente ajustado e claro que para que se tenha um ensino de qualidade é preciso que se valorize o trabalho dos professores.

Cito o exemplo do Distrito Federal, do Governo do Sr. Cristovam Buarque - um enorme investimento que criou a bolsa de escola - poupança-escola -, cujo resultado deve servir de exemplo para os demais Estados e Municípios. Foi uma ousadia. Como militante do Partido dos Trabalhadores, confesso que, à época da eleição, quando S. Exª se comprometia a criar essa bolsa-escola, essa poupança-escola, eu me assustava, porque eu achava que seríamos altamente cobrados e que não teríamos condições porque não conhecíamos o Orçamento, não tínhamos absolutamente experiência administrativa alguma anterior nessa área. Como poderíamos fazer? E está aí, está colocado e está sendo altamente positivo para o aprendizado de Brasília. Fora as outras questões que eu poderia colocar como exemplo, como é o caso desse ensino que estamos buscando e que a nossa LDB não garantiu, mas que o Governador Cristovam Buarque está incrementando aqui e que está dando certo: as creches. S. Exª as criou nos 14 CIEPs existentes e está dando certo. Elas estão funcionando como espaço educacional e não pura e simplesmente como um depósito de crianças.

É claro que esses exemplos aqui colocados estão muito aquém da necessidade educacional, mas são novas alternativas apresentadas que eu não conheço dentro do sistema educacional brasileiro.

Um outro assunto, um outro registro que gostaria de fazer é em consideração ao gesto de iniciativa do Governo Federal, do qual participei, que foi a instalação do grupo de trabalho para o desenvolvimento da política da valorização da população negra. Este grupo, que acaba de ser empossado pelo Presidente da República, é composto por 17 membros, sendo 8 da sociedade civil e 9 dos Ministérios da Justiça, do Trabalho, da Educação, da Saúde, do Esporte, da Comunicação Social, do Planejamento, da Cultura e das Relações Exteriores e estará sediado no Ministério da Justiça.

Ao empossar esse grupo, o Senhor Presidente da República reconheceu a necessidade de medidas para tratar da questão do preconceito existente na sociedade brasileira, o qual temos escamoteado, e, como produtor intelectual, como conhecedor dessa matéria e como Presidente da República, Sua Excelência não poderia omitir o fato de que na sociedade brasileira, em nosso País, existe a discriminação, o preconceito racial. Sua Excelência colocou o assunto de modo que não haja radicalismo, seja dos que acreditam que o racismo exista e queiram, de forma sectária, praticá-lo ao contrário, seja daqueles que não acreditam que o racismo exista e querem impedir que esse assunto venha à baila e que seja tratado com dignidade.

Foi importante participar daquele evento. Tenho certeza que a sociedade espera muito desse grupo, afinal, tal iniciativa nunca foi tomada no Brasil. Justamente porque sou da Oposição, não tenho nenhum cuidado nem dedos para afirmar que o Presidente da República acertou na sua iniciativa, pois receberá uma importante contribuição para o seu Governo e muito mais receberá a sociedade brasileira.

Estas foram as palavras de Sua Excelência: "Esta não é uma situação que se possa atribuir apenas à população negra; é uma situação atribuída a todos nós." E continuando, afirmou que a sua participação no dia da homenagem a Zumbi dos Palmares visava demonstrar não só o seu conhecimento, a sua sensibilidade, mas que o Chefe da Nação brasileira, o Presidente da República, reconhecia que Zumbi dos Palmares era um líder nacional brasileiro, e não apenas um líder da comunidade negra; ele era um negro líder nacional brasileiro.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/1996 - Página 2401