Discurso no Senado Federal

GRAVIDADE DO DESEMPREGO NO PAIS, COM ANALISE ESPECIAL DOS DADOS PUBLICADOS PELA REVISTA ISTOE. POSICIONAMENTO CONTRARIO A EXTINÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO COMPULSORIA DAS EMPRESAS AO SENAI, SESC E SENAC ETC.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • GRAVIDADE DO DESEMPREGO NO PAIS, COM ANALISE ESPECIAL DOS DADOS PUBLICADOS PELA REVISTA ISTOE. POSICIONAMENTO CONTRARIO A EXTINÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO COMPULSORIA DAS EMPRESAS AO SENAI, SESC E SENAC ETC.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 28/02/1996 - Página 2407
Assunto
Outros > DESEMPREGO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, CRISE, DESEMPREGO, PAIS.
  • CONTESTAÇÃO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, EXTINÇÃO, CONTRIBUIÇÃO COMPULSORIA, ENTIDADE, SERVIÇO SOCIAL DA INDUSTRIA (SESI), SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL (SENAI), SERVIÇO SOCIAL DO COMERCIO (SESC), SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL (SENAC).

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Ministro do Trabalho, Paulo Paiva, tem anunciado diversas medidas a serem tomadas a curto prazo com a intenção de conter o crescente desemprego que ameaça a estabilização econômica e leva o pânico aos lares de milhões de brasileiros. Inobstante as boas intenções do Ministro, tem-se a impressão de que o Governo, sobre deixar a questão social à deriva, ainda não acordou para a real dimensão do problema - hoje, a preocupação número um da população, de acordo com pesquisa divulgada no último dia 14 pela revista ISTOÉ.

Efetivamente, o desemprego leva ao desespero o cidadão brasileiro, que quer trabalhar e precisa sustentar a família; mas parece não afetar o bom humor das autoridades governamentais, mais voltadas para questões como competitividade internacional, modernização e globalização da economia.

É pelo menos o que se pode depreender da postura olímpica - na expressão do Professor Jorge Mattoso, do Instituto de Economia da Unicamp - de nossos governantes, a começar pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem chamar a atenção para a gravidade da situação é coisa de alarmistas.

Antes, porém, de entrarmos no mérito da discussão que ora se coloca, vejamos alguns números citados pela revista ISTOÉ, assim como o sentimento do povo brasileiro ante a ameaça de crescente desemprego.

Temos hoje, no Brasil, três milhões e quatrocentas mil pessoas desempregadas, o que equivale a 26% de famílias com pelo menos um desempregado em cada casa. Esse índice, em termos regionais, varia de 18%, no Sul, a 47%, no Norte, passando pelo Centro-Oeste, 19%, Sudeste, 24%, e Nordeste, 33%. "O assustador - comenta a revista - é que a média nacional de desempregados se ampliou, passando a girar em torno de 1,4 pessoas por família, quase o dobro do verificado no início da década. É como se um terço da força de trabalho de uma casa - levando-se em conta o padrão de 4,2 membros por família - estivesse desativado".

Além disso, para agravar a questão, chegam anualmente ao mercado de trabalho um milhão e seiscentos mil brasileiros. Em outros termos, o Brasil precisaria, apenas para evitar que se aumentasse o número de desempregados, gerar um milhão e seiscentos mil novos empregos a cada ano.

Assim, não é de admirar que o desemprego tenha sido apontado, de longe, como o mais grave problema - entre tantos que afligem a nossa população - a merecer prioridade do Governo. Os números não deixam dúvidas: indagados sobre o problema que deve merecer a imediata atenção do Governo Federal, 41% dos entrevistados mencionaram a geração de empregos.

Em minha cidade, Rondonópolis, em pesquisa feita na semana passada, 43% da população colocou o desemprego como o maior problema da cidade.

Apenas 12% indicaram o controle da inflação - outrora a prioridade campeoníssima - e a reforma agrária, seguindo-se a reforma da Previdência e o apoio à microempresa, ambas com 8%; a reforma do sistema financeiro, com 5%; a reforma tributária e fiscal e a privatização das estatais, ambas com 4%, e outras prioridades menos votadas.

O Presidente Fernando Henrique e os burocratas que compõem seu Governo parecem não pensar da mesma maneira. Além de afirmar que a questão não é tão grave como supõem "os alarmistas", o Presidente da República divaga: o desemprego é uma tendência mundial - em termos comparativos, o Brasil até se situa muito bem, com uma taxa de 5%, contra índice de 11,5%, na União Européia, 6,2%, nos Estados Unidos e 3%, no Japão. No caso brasileiro, o desemprego é localizado e episódico, fruto da rearrumação do mercado; além disso, tende a diminuir com o retorno do crescimento econômico.

Há, na postura e nos discursos governamentais, uma série de equívocos, a começar pelos índices de desemprego adotados oficialmente, com base na pesquisa do IBGE. A revista ISTOÉ assinala uma incongruência entre os índices oficiais e os apontados por instituição dos trabalhadores - no caso, o DIEESE. Pelos cálculos dessa entidade, o percentual de desempregados é de 13,2% da população economicamente ativa - mais que o dobro, portanto, que o índice de 5,09% apurado pelo IBGE.

A diferença está na metodologia superficial do IBGE, que considera empregada qualquer pessoa que tenha exercido atividade remunerada na semana anterior à realização da pesquisa.

O pesquisador Paulo Nogueira Batista Jr., da Fundação Getúlio Vargas, em sua coluna na Folha de S.Paulo, também aborda a questão:

      Não é preciso ser especialista no tema para perceber o quanto é falaciosa a comparação entre a taxa de desemprego aberto, calculada pelo IBGE, e as taxas de desemprego nos países desenvolvidos, onde o nível de renda e riqueza per capita é mais alto, o mercado de trabalho mais homogêneo e o sistema de seguro- desemprego e outros programas sociais mais abrangentes e generosos. 

      Nessas circunstâncias - adverte -, a taxa de desemprego aberto tende a ser maior do que em uma economia subdesenvolvida como a brasileira, onde cerca de metade da população ativa está no mercado informal e o seguro-desemprego oferece uma cobertura muito menor.

O pesquisador refuta também a versão oficial de que o desemprego é localizado ou setorial, alegando que em 1995 se observou um aumento quase generalizado das taxas de desemprego aberto por setores de atividade, em comparação com o ano anterior. "O aumento (do desemprego) foi mais acentuado na indústria da transformação e na construção civil, mas ocorreu também no comércio e em outras atividades", assinala, baseando-se na Pesquisa Mensal de Emprego, do próprio IBGE.

Ao demonstrar a contradição dos dados oficiais, Srªs e Srs. Senadores, não queremos afrontar o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas alertar as autoridades para a questão que, ao nosso ver, está sendo subestimada. O quadro de desemprego, que aflige milhões de brasileiros, resulta de fatores diversos, entre os quais se podem citar: a recessão imposta pela política de estabilização econômica; a adoção de novas tecnologias e os ganhos de produtividade; a vulnerabilidade do mercado diante da política de abertura comercial; a ação predatória e o dumping praticados pelos concorrentes internacionais; e a falta de qualificação de mão-de-obra nacional, especialmente numa conjuntura de mudanças no modelo econômico.

Penso que o exemplo da China não está servindo para nós. A China está fazendo uma mudança econômica planejada durante algumas décadas. No Brasil, de um ano para outro, queremos mudar todo o perfil da nossa economia sem um planejamento maior.

Inclui o Governo Federal, entre esses fatores, o custo da mão-de-obra, agravado pelos encargos sociais e coadjuvado pela excessiva regulamentação do mercado de trabalho. Afinal, alega-se, já estão longe os tempos do Estado Novo, do paternalismo, e, buscando seus antecedentes, da Carta del Lavoro. Pensando assim, o Sindicato dos Metalúrgicos, há dias, assinou convênio com oito entidades patronais visando a redução dos encargos sociais, dos custos trabalhistas e do peso dos tributos.

Trata-se de medida controversa, que, preconizada embora pelo Ministro do Trabalho, Paulo Paiva, é vista com reservas pelo próprio Governo. Não se pode esquecer que providências dessa natureza, se abrem um novo espaço nas relações trabalhistas, jogam por terra duras conquistas da classe obreira e, sobretudo, não garantem a geração de novos empregos.

Outras medidas anunciadas pelo Governo Federal dizem respeito à qualificação profissional dos trabalhadores e à ampliação da oferta de crédito às pequenas e médias empresas.

Cumpre observar, em relação a essa última proposta, a atitude incoerente do Governo - para a qual, agora, parece atentar o Presidente Fernando Henrique -, quando se propõe a financiar, com recursos do FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador-, projetos de automação e modernização de empresas. Em outros termos, vem o Governo, já de há muito, provocando o desemprego tecnológico, ao financiar, com recursos do trabalhador, projetos poupadores de mão-de-obra.

O Governo aproxima-se do consenso quando estabelece a meta de promover a qualificação profissional como forma de combater o desemprego. De fato, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa é uma questão vital não só para reduzir-se a ociosidade da mão-de-obra, como também para aumentar os ganhos de produtividade e, conseqüentemente, de renda.

A exemplo do que ocorre em todo o País, também no meu Estado do Mato Grosso a desqualificação é responsável pela existência de vagas ociosas. O fato é descrito pelo jornal Diário de Cuiabá, em sua edição do dia 4 de fevereiro, com a informação de que apenas 23% das pessoas encaminhadas pelo Sistema Nacional de Emprego - Sine -, no ano passado, conseguiram colocação.

      "A falta de qualificação profissional é o principal inimigo do desempregado mato-grossense", diz a reportagem, acrescentando: "Mais da metade das vagas oferecidas pelo mercado no período não foi preenchida, porque os candidatos não tinham a qualificação necessária."

O periódico assinala ainda que a construção civil, o comércio e a prestação de serviços foram os setores mais afetados, e que a expectativa do Sine é de agravamento da situação.

O consenso que as autoridades federais conseguem obter com a proposta de treinar e reciclar a mão-de-obra alimenta desnecessária polêmica, quando anuncia a intenção de acabar com as contribuições compulsórias para as chamadas entidades "dos quatro S": Sesi, Senai, Sesc e Senac. Pretende o Governo, com a extinção de tais contribuições, reduzir os custos indiretos das folhas de pagamento. A incidência das obrigações sociais sobre a folha, hoje, é de 35,8% do valor do salário. Os custos indiretos totais, que somam as obrigações sociais a outros custos, como Fundo de Garantia, férias, aviso prévio, rescisões, alcançam 102,06% - valor, portanto, superior ao efetivo salário mensal do trabalhador.

Ocorre, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Sesc e o Sesi, conforme o caso, têm nesse total uma participação de apenas 1,5%; e o Senac e o Senai, de apenas 1%. Trata-se de valores irrisórios, se analisarmos a relação custo/benefício, tornando absolutamente improcedente a intenção governamental.

Com 716 escolas distribuídas pelo território nacional, o Senac promoveu mais de 1.500 cursos em 1995,...

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador Carlos Bezerra, peço desculpas por interrompê-lo. Prorrogo a Hora do Expediente por seis minutos, a fim de que V. Exª possa concluir o seu discurso.

O SR. CARLOS BEZERRA - Muito obrigado, Sr. Presidente. ... beneficiando 1 milhão e 433 alunos; em seus 50 anos, treinou mais de 22 milhões de brasileiros. O Sesc mantém 2.303 unidades de atendimento em todo o Brasil, oferecendo à família do trabalhador atendimento médico, assistência social e lazer. Entre seus estabelecimentos incluem-se 329 gabinetes dentários, 63 restaurantes para trabalhadores, 20 colônias de férias, 403 ginásios ou centros desportivos e 177 bibliotecas.

O Senai mantém 300 cursos de aprendizagem e qualificação em quase mil unidades de ensino, e atende anualmente a mais de dois milhões de alunos; o Sesi, com 2.600 unidades, incluindo 1.800 consultórios e 400 creches, proporciona 30 milhões de atendimentos médicos e odontológicos e 54 milhões de refeições por ano à classe trabalhadora.

Cabe perguntar o motivo por que pretendem as autoridades modificar um sistema de atendimento social e de qualificação profissional que vem dando certo. Compreende-se que queiram as autoridades governamentais reduzir os encargos sociais. No entanto, como afirma o advogado e empresário Rui Altenfelder em artigo publicado pelo jornal O Globo, no ano passado, "os democratas do Governo estão atirando no que vêem e vão acertar no que não vêem, por desconhecerem o alcance do papel desempenhado por essas instituições".

O Sr. Lauro Campos - Senador Carlos Bezerra, V. Exª me permite um aparte?

O SR. CARLOS BEZERRA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Lauro Campos - Senador Carlos Bezerra, o tema que V. Exª aborda é de importância muito grande, e é um tema para o qual nós, do Partido dos Trabalhadores, temos uma sensibilidade especial. V. Exª, ao abordar o problema do desemprego no Brasil, com denodo, com coragem, pela maneira com que articula a sua fala, o faz de tal maneira que nós, do Partido dos Trabalhadores, poderemos basicamente assinar embaixo do seu discurso. Realmente, é estarrecedora a situação em que nos encontramos, e o Governo tenta, como V. Exª apontou, transformar um desemprego de mais de 13% em um desemprego, disfarçado pelas estatísticas do IBGE - não é a primeira vez que esse Instituto presta desserviço à sociedade brasileira -, de apenas cinco e pouco por cento. Sabemos muito bem, como V. Exª também apontou, que grande parte desse desemprego foi transferida para nós dos países ricos, que continuam a produzir partes, peças e componentes, e, num processo de globalização, os exportam, abrindo oportunidades de emprego lá e fechando aqui as nossas oportunidades. O México, que esteve à frente do Brasil nesse processo, ao final de seu propalado êxito neoliberal, possuía 87% da produção de seus carros com partes e componentes importados. Portanto, na realidade, sob aquele aparente êxito, houve um fracasso muito grande, com um prejuízo enorme para a população trabalhadora do México, que teve de fechar as suas oportunidades de emprego. E essa taxa cambial que favorece as importações, essa taxa cambial altamente artificial, e o Governo que fecha os olhos ao dumping externo e que promove um verdadeiro dumping interno, subsidiando as importações brasileiras contra, obviamente, aqueles que deveriam ser os interesses não só dos trabalhadores, mas da indústria nacional, da FIESP, das entidades patronais, do comércio e da agricultura. Portanto, quero apenas parabenizar V. Exª e confessar que a nossa oposição é tão fraca que nos sentimos fortalecidos com o discurso e o depoimento de V. Exª.

O SR. CARLOS BEZERRA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lauro Campos. Quero dizer-lhe que qualquer projeto de estabilização que se faça em um país como o Brasil tem que envolver a questão do desenvolvimento; isso não pode ser desprezado. Essa é a posição pelo menos do meu partido. Não nos podemos ater apenas ao combate à inflação em um país que tem uma população crescente e problemas de desemprego como o Brasil. E ainda estamos em um processo célere de atrelamento da nossa economia à economia internacional sem maiores precauções, o que vem ocasionando todos esses danos.

Adverte ainda Altenfelder: "Os especialistas concordam em que a razão fundamental do êxito dessas entidades é apenas uma: a de serem financiadas e geridas pela iniciativa privada, que tem compromisso com a eficiência e cobra resultados".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao tecer essas breves considerações sobre o crescente fenômeno do desemprego, move-me unicamente a intenção de alertar nossos dirigentes para a gravidade da situação, reclamando, assim, providências efetivas e urgentes no sentido de revertê-la. O Brasil dedica-se, no momento, à hercúlea tarefa de superar-se, de compensar o tempo perdido, de refazer seus próprios caminhos e de integrar-se ao conjunto das nações desenvolvidas. O Plano Real robusteceu nossa moeda, e o Governo empenha-se corajosamente em tornar nossa economia competitiva, para que não fiquemos, definitivamente, relegados ao Terceiro Mundo.

No entanto, o desemprego é ameaça constante à solidez que almejamos para nossa economia. Fator de risco para economias mais robustas, em países com melhor distribuição da renda, para a sociedade brasileira pode ser fatal. Pode levar o Plano Real ao insucesso, da mesma forma como pode levar milhões de brasileiros ao desespero.

Assim, apelo aos nossos governantes para que, sem descuido de outras prioridades, empenhem-se no combate ao desemprego, controlando o impacto da abertura comercial, reduzindo os juros extorsivos, treinando e qualificando a mão-de-obra, privilegiando a estrutura produtiva, retomando o crescimento econômico e distribuindo a renda. Nessa tarefa, não estarão sozinhos. Com eles, desfraldando as mesmas bandeiras, estarão os trabalhadores, os aposentados, as donas-de-casa, os empresários, os estudantes e, principalmente, os próprios desempregados, que precisam prover o sustento de suas famílias e não sabem mais a quem recorrer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/1996 - Página 2407